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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A democracia e a cidadania baleada

Por Paulo Teles (Desembargador)



A vida é o bem mais precioso que a humanidade conhece. Logo, igualmente se equivalem, as vidas do presidente da República e a do cidadão comum. O único lugar onde a vida tem preço é no balcão de negócios do pregão diário do crime organizado ou não.
A escalada de violência pelo mundo tem alcançado índices nunca antes imaginados, deixando a população perplexa e, na maioria das vezes, desesperançada. Mesmo a violência ornada de matizes políticos está causando impactos e deixando no ar a impressão de que o mundo transformou-se num imenso barril de pólvora prestes a explodir a qualquer momento. Exemplo desse estado de coisa são Grécia, Inglaterra, Líbia, Síria e tantos outros cenários de beligerância explícita.
Foi-se a época em que o perigo maior à ordem público era o bicheiro travestido de benfeitor dos desempregados, financiador de escolas de samba e patrono de time de futebol. Foi quando “medidas severas” criminalizaram o uso do lança-perfume e baniram das praias as práticas do topless.

Voltando no tempo, aquela época mais parecia a ilha da utopia, se comparada aos dias de hoje. Na atualidade aprendemos a conviver com a banalização do crime e a crueldade dos seus métodos. 
Diariamente dormimos e despertamos com o inimigo exibindo uma diversidade imensa de mascaras: primeiro comando da capital, comando vermelho, cracolândia, justiceiros, milícias, caça-níqueis, arrombadores de caixas eletrônicos, fraudadores, delinqüentes virtuais, quadrilheiros, contrabandistas, traficantes e estelionatários, para citar apenas os mais notórios freqüentadores das páginas policiais do nosso cotidiano. Olhando assim, a impressão que nos assalta é de que a sociedade virou pária de si mesma.

Aos poucos o mal foi se aproximando, criando clima e nos iludindo. Qual manhoso felino acomodou-se no tapete da sala, saltou para o sofá e aninhou-se no nosso colo, assumindo o comando da nossa sensibilidade. Transformou a nossa indignação em indiferença e substituiu a nossa reação pela letargia.
Os desassistidos estão morrendo às dezenas nos desvão das periferias e somos aliviados com a informação de que eram viciados químicos ou portadores de maus antecedentes.

A opulência de Brasília transformou o nosso entorno em terra de ninguém, a ponto de neutralizar qualquer estratégia ou teoria logística da Força Nacional, anulando-a por completo.
Como a série de crimes cometidos contra as classes aninhadas na base da pirâmide não nos sensibilizaram, grandes empresários passaram a ser vítimas de seqüestro. O apartamento de um ex-ministro do STJ foi invadido, e o seu ocupante golpeado a marteladas. Por um breve espaço de tempo, seqüestraram a presidente do Supremo Tribunal e seu vice, na zona das linhas vermelhas e amarelas.

O apartamento do falante ex-ministro da Defesa foi assaltado e dali 
surrupiados jóias e outros valores. A comitiva do vice-presidente da República sofreu tentativa de assalto, e desconversaram dizendo que o assaltante era menor e a arma de brinquedo.
Um motoqueiro invadiu o palácio presidencial e o assunto foi amenizado como ato de alguém desempregado.
Recentemente roubaram uma viatura do Comando Militar de Brasília, com a arma no seu interior.

Para completar o diagnóstico do nosso variado corpo social, uma juíza no Rio de Janeiro foi assassinada sob uma saraivada de vinte e um disparos dos mais diversos e letais calibres efetuados por um grupo de seis fascínoras.
Nem nos refizemos desse medonho impacto social e começa a ser noticiado que a magistrada tinha relacionamento com um policial militar e um agente carcerário, nessa ordem de sequência.
Sibilinamente estão a divulgar que a juíza assassinada era linha dura e rigorosa na aplicação das penas. Só que o rigor não pode ser debitado à Julgadora, mas às leis que definem os crimes e atribuem as penas aos seus autores.

De alguma forma essas ressalvas de modo de ser da vítima, não podem servir de lenitivo na análise desse monstruoso crime contra a cidadania e a democracia.
O que não podemos ignorar é que a juíza não possuía segurança. Logo, os vinte e um tiros a ela dirigidos, somados à ostensividade do grande número de pistoleiros, é uma mensagem clara do poderio de organização e associação de grupos criminosos.
Afinal de contas, poderiam ter simulado um assalto, um acidente de transito ou coisa que os valha, já que a vitima estava completamente á mercê da sanha dos seus desafetos.

Entretanto como demonstração de força, arrogância, deboche e intimidação, capricharam na execução da macabra e espetaculosa eliminação de uma integrante do Judiciário, como jamais vista no Brasil. É o resultado da falta de combate pronto e efetivo ás ações criminosas retromencionadas, pois quem assalta a casa do ministro da Defesa, seqüestra a presidente do STF e tenta assaltar o vice-presidente da República só pode ser alguém suficientemente seguro da impunidade.
O recado nos foi dado. Compete-nos agora interpretá-lo. Se vamos sucumbir ou sobreviver, vai depender da capacidade de reação da sociedade organizada. O que está em jogo não é somente a vida de quase uma centena de juízes e juízas espalhados por este imenso Brasil.

Essa nefasta execução tem como alvo específicos a democracia e a cidadania, que jamais sobreviverão sem o pleno funcionamento de cada um dos seus três poderes.


Fonte: Diário da Manhã

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