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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

FICHA LIMPA: APONTAMENTOS E REGISTROS


Hoje que chegamos ao dia histórico em que o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, gostaríamos de apresentar neste brevíssimo texto umas considerações derradeiras sobre pontos relevantes desse julgamento. Aproveitamos para retirar dúvidas sobre aspectos sociais da iniciativa popular que deu origem à referida lei.
    
Presunção de inocência. Não faz sentido que se afirme a incidência desse princípio sobre uma inelegibilidade. Inelegibilidade não é pena, por isso não se baseia na idéia de culpa. Não se indaga sobre culpa na verificação de uma inelegibilidade. Um analfabeto é inelegível porque a norma assim o quis. Ponto. Da mesma maneira, um condenado por um tribunal por corrupção ou narcotráfico fica inelegível não por ser culpado, mas simplesmente por ostentar uma condenação. Ponto final. Quem leva em consideração a culpa é o juiz criminal, a quem se dirige o princípio segundo o qual apenas após o exaurimento dos recursos pode sobrevir a pena definitiva. O juiz eleitoral aplica outro princípio igualmente previsto na Constituição: o princípio da proteção, expressamente enunciado no § 9º do art. 14 da CF.  Ele determina que o legislador estabeleça hipóteses de inelegibilidade para proteger os mandatos, considera a vida pregressa dos candidatos.
    
A Lei da Ficha Limpa, por outro lado, NÃO relativiza a aplicação do princípio da presunção de inocência, que não se aplica a qualquer ramo do direito que não o penal. Pelo contrário, afirmamos a plena correção desse princípio, afirmando a sua importância civilizatória, restrita, contudo, ao âmbito da aplicação das penas criminais. A grande maioria das regras contidas na Lei da Ficha Limpa sequer se refere a matéria criminal. Ou pretenderão aplicar esse princípio também a condenações civis por atos de improbidade administrativa ou aos que tiveram suas contas públicas rejeitadas?
    
Retroatividade. O mesmo art. 14, § 9º, da CF estabelece que a inelegibilidade deve levar em conta a “vida pregressa do candidato”. Isso mesmo: “vida pregressa”. Isso é assim porque, como já dissemos anteriormente, inelegibilidade não é pena. Na verdade, inelegibilidade é uma condição, como muito bem nos ensina Dalmo Dallari. Condições são requisitos para acesso a novos direitos. A Lei da Ficha Limpa institui novas condições para que incidissem após a sua vigência. Quem possa levar em contra fatos ocorridos nos passado, isso é da própria essência desse instituto jurídico. Confundir uma condição com uma sanção é inadmissível para um jurista.
   

 O tempo do processo. Atualmente, dentre as maiores estratégias de defesa para uma pessoa política ou economicamente poderosa é a busca de uma mandato que lhe assegure o foro privilegiado. Em seguida, é só tratar de manejar recursos de forma extrema, encaminhando o processo rumo à inevitável prescrição. A Lei da Ficha Limpa impede que essa lógica seja benéfica para os que dela se valem atualmente.  

Renúncia. Em boa hora a Lei da Ficha Limpa acrescentou entre as hipóteses de inelegibilidade a situação daquele que abandona o mandato como estratégia de fugir à aplicação de sanções de natureza política. Agora os denunciados perante os órgãos de controle ético dos parlamentos têm uma opção: permanecem e enfrentam o julgamento político até o final ou passam um tempo fora da política, refletindo sobre o futuro.
   
 Inelegibilidade dos expulsos de suas profissões por conselhos de classe. As corporações, por natureza, evitam banir seus próprios integrantes. Só o fazem muito raramente, como no caso daquele engenheiro responsável pelo desabamento de um prédio ou daquele médico... Ainda assim a Lei da Ficha Limpa exclui da inelegibilidade aquele que conseguiu obter no Judiciário medida judicial que suspenda ou anule a decisão do órgão corporativo. Bastante razoável. A medida não constava do texto da iniciativa popular. Foi incluída por deputados durante o debate no Parlamento.
    
Respeito aos direitos humanos. Os direitos humanos não são apenas os individuais, de que se lembraram os burgueses revolucionários. São também direitos humanos os direitos políticos de natureza transindividual. Dentre estes se encontra o dever dos estados de vedarem a acessibilidade aos mandatos em certas hipóteses. Uma delas é a condenação. A isso se refere expressamente o Pacto de San José em seu art. 23, item 5. Por isso mesmo, a Campanha Ficha Limpa recebeu moção de apoio aprovada pela unanimidade dos participantes da Conferência Nacional dos Direitos Humanos em 2009. Todas as organizações da sociedade civil que lutaram contra a ditadura militar igualmente abraçaram a causa da Ficha Limpa.
    
Origem democrática. A democracia segue seu curso. Levou o Brasil a adquirir um grau de maturidade tal que surpreende muitos que só exercem a democracia em discursos, e que não conseguem compreender como o uso de um mecanismo de expressão direta do poder político do soberano (o povo) pode se converter em importante instrumento de pressão cívica sobre o Parlamento. O Congresso tem o dever de ouvir de modo privilegiado o soberano popular que a ele se dirige diretamente. Foi o que ocorreu. O soberano trouxe uma mensagem simples: não é razoável que alguém submetido a graves pendências criminais lance-se em busca, sabe-se com que meios, de um mandato que lhe assegure o foro privilegiado. É difícil dizer não a essa irresignação do próprio detentor imediato do poder político. Só obstáculos expressos na própria Constituição podem frear o soberano. A limitação do direito à vida, dentre muitos outros, é impossível por qualquer meio. Mas, fora os casos expressos, não é dado a qualquer autocrata limitar a expressão legítima do soberano popular.
   
Inelegibilidade e autoritarismo. Um estado não é autoritário por definir inelegibilidades. Essa figura jurídica é conhecida em todas as democracias, que sabem da necessidade de conformação legal de um perfil mínimo esperado para os candidatos. Quem argumenta que a Lei da Ficha Limpa retira ao eleitor a capacidade de escolha deveria se bater contra toda e qualquer inelegibilidade, inclusive a dos cônjuges de mandatários, por exemplo. Deveriam defender a possibilidade da reeleição sucessiva de qualquer um. Assim, competiria ao povo “livremente” dizer se quer que uma só pessoa ou uma mesma família ocupe permanentemente o poder político. Não, não é um gesto autoritário definir inelegibilidades segundo um reclamo generalizado do detentor do poder político. Autoritarismo é pretender que sua vontade prevaleça sobre a dos que utilizaram os mecanismos constitucionais para transformar em lei regras que sequer podem por si mesmas mudar o Brasil, mas que apontam a mobilização social como o caminho para fazê-lo.
    
Melhor educar o eleitor que restringir direitos dos candidatos. Estamos plenamente de acordo com a idéia de que não se deve retirar do eleitor o papel de definir os seus mandatários. A Lei da Ficha Limpa apenas exclui as pessoas envolvidas em situações processuais grosseiras, dando-lhes oportunidade de se dedicarem à própria defesa criminal. Restam muitíssimos candidatos, muitos desonestos que ainda têm a ficha limpa. Compete ao eleitor identificá-los e puni-los com a negação do mandato almejado. O Movimento de Combate à Corrupção realiza um extenso trabalho educativo de base. Seus trezentos comitês têm a educação política da base da sociedade como premissa. Dentre os que vociferam contra a Ficha Limpa, não conhecemos nenhum movimento de base que esteja cumprindo esse importante papel.
   

*MCCE - Movimento de combata à corrupção eleitoral

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