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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Resposta ao Governo Federal: o investimento em educação é uma aventura justa e necessária



O Governo Federal erra ao criticar a aprovação do equivalente a 10% do PIB em educação pública em 10 anos. Inclusive, porque Dilma prometeu 7% do PIB até 2014



As decisões políticas brasileiras são peculiares. Tudo pode, menos fazer o essencial, o justo. É permitido ao Governo Federal lançar, em angustiante sequencia, sete ou oito (ninguém sabe o total ao certo) pacotes de incentivo à economia, todos ineficazes, todos com enorme potencial de prejudicar os dispêndios em saúde e educação públicas. Isso pode.

No Brasil é possível também criar o ineficiente PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), sucedido pelo PAC 2. Falando no que se refere à educação, a meta do último plano é construir mais de 6 mil creches até 2014. A demanda desde 2001 é de, ao menos, 39 mil estabelecimentos educacionais para crianças de 0 a 3 anos de idade. Até então foram firmados mais de 1,5 mil convênios com prefeituras. Contudo, no meio de 2012, nem 500 creches estão funcionando. Ou seja, ter uma gestão pública ruim, executando mal o dinheiro advindo dos tributos pagos, desproporcionalmente, mais onerosos aos mais pobres do que aos mais ricos, pode.

Pensando bem, errei no primeiro parágrafo. No Brasil, tudo pode, menos beneficiar as famílias mais desfavorecidas. O Bolsa Família representa, aproximadamente, irrisórios 0,5% do PIB. É uma medida social importantíssima, beneficia 12 milhões de famílias, mas se não for complementado por boas políticas públicas de educação e saúde, o Brasil nunca cumprirá a missão fundamental da Constituição Federal de 1988: garantir qualidade de vida ao, majoritariamente sofrido e desrespeitado, povo brasileiro.

Começou incrivelmente pelo MEC (Ministério da Educação) a crítica à aprovação unânime, na Câmara dos Deputados, de um investimento equivalente a 10% do PIB para o próximo PNE (Plano Nacional de Educação). Mesmo a medida sendo deliberada pela Conae (Conferência Nacional de Educação), coordenada pelo órgão, e sendo aprovada em setembro de 2011 na Resolução Política do Congresso do PT (Partidos dos Trabalhadores), agremiação da Presidenta Dilma Rousseff e do Ministro da Educação, o economista Aloizio Mercadante.

A presidenta disse, indiretamente, que a medida é uma "aventura fiscal". Não quis assumir o ônus de ir contra seu próprio compromisso de campanha: aplicar, até 2014, o patamar de 7% do PIB em educação pública. Vale ressaltar: ao ir contra o PNE, Dilma não quer fazer valer sua própria palavra.


Já Mercadante disse o óbvio: 10% do PIB para educação pública é uma tarefa política difícil. Claro que é, afinal de contas, não se recupera dívidas seculares sem sacrifícios. A Ministra Ideli Salvati, também petista, professora e agora chefe da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), disse que o Brasil, em uma década, saiu de 3,5% do PIB e alcançou apenas 5,1% do PIB em investimentos públicos educacionais. Ou seja, para ela, esse é o patamar do possível. Ou seja, é impossível avançar aos 10% do PIB para educação.

Hoje os editoriais de grandes jornais paulistas defenderam a posição do Governo Federal contra as chamadas "aventuras fiscais". O Bom Dia Brasil, jornal matinal da TV Globo, listou projetos que aumentam gastos públicos, mas teve a decência de não citar o PNE. Fica a lição: alguns veículos até torcem o nariz para o governo do PT, mas não se furtam a defender o status quo.

Adicionalmente, muitos empresários, que adoram falar de educação, inclusive se autodenominando especialistas na área e liderando alguns movimentos educacionais, não vieram a público nem comemorar, nem criticar a votação da Câmara dos Deputados. Curiosamente, quando perguntados em programas de rádios, dizem que a prioridade do governo é construir infraestrutura (estrada, aeroportos, enfim, logística). O trágico do empresariado brasileiro é que ele sempre espera do Estado a solução dos seus problemas, numa relação que lembra aquela entre o filho mimado e o pai protetor. O liberalismo brasileiro é inexistente, bem como nossos projetos fracassados de socialdemocracia.

A Presidenta Dilma, parcialmente, tem razão: o investimento em políticas públicas educacionais deveria ser uma aventura, contudo não uma aventura fiscal. Deve ser uma aventura inédita e, enfim, assumida por toda nossa sociedade, obrigando o Estado a agir. Temos, no país, um Estado que se desvincula de quem o estabelece: o povo. Numa democracia, isso é inaceitável.

O Brasil deixou e deixa muitas crianças, adolescentes e jovens fora da escola. Mais de 14 milhões de brasileiras e brasileiros são analfabetos absolutos. Os mais de 43 milhões de cidadãos e cidadãs que estudam em estabelecimentos educacionais públicos, em sua esmagadora maioria, não aprendem como deveriam. As diversas e perversas desigualdades sociais fazem com que uns têm escolas melhores que outros, perpetuando a inviabilidade e a injustiça de nossa sociedade. Os mais prejudicados são os de sempre: negros, cidadãos que moram no campo, nordestinos e nortistas, pessoas com deficiências, indígenas e quilombolas. Essa situação não pode permanecer, infinitamente, inalterada.

Investir 10% do PIB em educação pública significa dar educação digna, remunerar decentemente (e, infelizmente, não adequadamente) a carreira do magistério, construir universidades respeitosas com alunos e professores. O patamar de 10% do PIB é fruto de contas, não é simples bandeira política. Contas exaustivamente analisadas e debatidas pela Comissão Especial do PNE, pela imprensa - que agora se esquece das boas matérias que fez sobre o tema - e até por órgãos do Governo Federal, como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Para os EUA (Estados Unidos da América), Canadá, Europa, Japão e Coréia do Sul, que têm PIBs per capita bem maiores do que o brasileiro, investir entre 5% e 8% do PIB em educação é suficiente. Eles investem mais de USD 7 mil (sete mil dólares) por aluno ao ano. O Brasil, menos que USD 1,8 mil (mil e oitocentos dólares). E sua população é, majoritariamente, respeitada em seu direito à educação.

O Palácio do Planalto planeja, conforme noticiado ontem pela imprensa, mobilizar governadores e prefeitos contra o PNE. Bobos dos governadores e prefeitos que se prestarem a esse papel. Eles investem 25% de seus orçamentos em educação. O Governo Federal, que fica com quase tudo o que é arrecadado em tributos, aplica apenas 3% do seu orçamento em políticas públicas educacionais. Isso é permitido nesse país injusto.

Aventura fiscal é aumentar os salários já (comparativamente) altíssimos de parlamentares, secretários, ministros e chefes do Poder Executivo. É contratar - via PAC, PAC 2, obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas - empresas corruptas, sem controle social. É tornar o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) uma política que, por ser mal gerida, se tornou um dos motivos da ampla e justa greve das universidade e institutos tecnológicos federais. E o Governo Federal se furta a negociar com os grevistas: estudantes, funcionários e professores.

Triste é o país em que um governo eleito com mote "democrático e popular" tenta convencer a opinião pública contra algo justo, que beneficia a todos, especialmente os mais pobres, e pode revolucionar o país: o investimento bem gerido e transparente em educação. Soberano é o país em que a sociedade não permite que isso aconteça.

Irresponsabilidade é permitir que crianças, adolescentes e jovens não tenham escola ou estudem em unidades escolares indignas. Se é para controlar gastos, o governo pode cortar diversos desperdícios que comete. O investimento em educação e saúde pública tem que ser a prioridade, precisa ser ampliado e deve ser sagrado.

(***)

Rápida observação: a imprensa nacional critica ferozmente o movimento estudantil, atribuindo-lhe o rótulo de governista ou chapa branca. Nessa semana, quando a UNE e a Ubes enfrentaram o Governo Federal e, em parceria com outros movimentos educacionais, venceram em nome de uma pauta justa, foram chamadas de entidades irresponsáveis e estridentes. Sobrou até para os parlamentares da Comissão Especial. Segundo os jornais de grande circulação nacional, eles agiram como se estivessem em uma assembleia estudantil. Coerência é virtude rara.

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