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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Ex-soldados israelitas revelam rotina de humilhação e violência contra crianças palestinas


Relatório da organização Breaking The Silence compilou dezenas de depoimentos de antigos soldados que expõem os abusos do exército entre 2005 e 2011. Por Marina Mattar, da Opera Mundi.
Crianças e jovens palestinos são vítimas diárias da violência e humilhação das tropas israelitas. Foto andlun1/Flickr
Durante uma madrugada em 2009, todas as casas da cidade palestina Salfit, localizada na Cisjordânia, foram invadidas por soldados israelitas. A ordem do Comando Central era prender todas as pessoas que tivessem de 15 a 50 anos e levá-las para uma escola que se havia tornado provisoriamente um centro de detenção. Isso porque a Agência de Segurança de Israel, que realiza o serviço de segurança interna, queria recolher informações sobre as pedras que eram jogadas contra jipes militares nas estradas e ruas em redor da cidade.
Os militares colocaram vendas e algemas de plástico, muitas vezes apertando-as, nos jovens e adultos. Por sete horas, estes palestinos permaneceram sentados sem se poderem mexer, sem acesso à água e comida, sob um sol escaldante. Eles não sabiam por que estavam lá e nem o que seria feito pelos militares - um dos jovens urinou nas calças. Muitos ficaram com as mãos roxas pela falta de circulação sanguínea e outros com os braços dormentes por conta das algemas. Um dos garotos, de apenas 15 anos, pediu para ir à casa de banho e, antes de ser levado por um soldado, foi espancado ainda no chão.
Essa é apenas uma das muitas histórias publicadas neste domingo (26/08) pela Breaking the Silence (Quebrando o Silêncio em tradução livre), uma organização de antigos oficiais do Exército de Israel dedicada à divulgação das ações militares nos territórios palestinos ocupados. Mais de 30 ex-soldados revelaram como trataram crianças e jovens palestinos durante as operações militares e prisões de 2005 a 2011, revelando um padrão de abuso.
O documento está repleto de descrições de intimidações, humilhações, violência verbal e física e de prisões arbitrárias por parte dos militares israelitas em circunstâncias cotidianas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os casos tratam de jovens e crianças que atiraram pedras ou outros objetos contra jipes militares, que participaram de protestos ou que simplesmente sorriram para um soldado, deixando-o irritado. Não faltam histórias também de palestinos presos e agredidos arbitrariamente: “O garoto não foi mal-educado e nem tinha feito nada para irritar. Ele era árabe”, se justifica um antigo sargento do Exército de Israel no relatório.
O argumento central da maioria das histórias é que, com as prisões e agressões, esses jovens aprenderiam que não podem jogar pedras contra os militares nem se manifestar de alguma forma entendida pelos israelitas como violenta. “Muitos dizem que os palestinos devem ser espancados, porque esta é a única forma que podem aprender”, conta um antigo militar não identificado.

Apesar de alguns ex-soldados repetirem essa justificação, a maioria admite que as ações não tiveram resultados. Pedras continuaram a ser atiradas, pneus queimados e protestos realizados, mas as ações militares permaneceram as mesmas. “Muitas vezes me senti muito ambivalente, incerta do que estava fazendo e em que lado eu estava nisso tudo”, diz uma sargenta.
Arrependimento
A imagem de crianças espancadas, feridas por tiros de bala de borracha e de pólvora, humilhadas e apavoradas marcou muitos dos militares envolvidos nas ações e hoje eles decidiram relatar a indiferença adquirida nos corpos do Exército. “Ele cagou nas calças, eu escutei, presenciei a humilhação. Eu também senti o cheiro. Mas, eu não me importava”, lembra um ex-sargento da detenção de uma criança.
“O que nós fazíamos não era nada em comparação com o que eles faziam”, conta um militar, referindo-se ao batalhão de patrulha das fronteiras. “Eles não ligavam a mínima. Saiam partindo o joelho das pessoas como se não fosse nada. Sem piedade”, lembra, indignado.
"Você nunca sabe os seus nomes, você nunca fala com eles, eles sempre choram, cagam nas suas próprias calças… Há aqueles momentos incómodos, quando você está em uma missão de prisão, e não há espaço na espaço de polícia, então você pega a criança de volta, coloca-lhe uma venda, mete-a numa sala e espera a polícia para vir buscá-lo na parte da manhã. Ele fica ali como um cão", descreve um ex-militar.
O documento abrange também casos em que os próprios militares provocavam palestinos para poderem ripostar. Eles estariam "entediados". O ex-primeiro sargento de um batalhão em Hebron revela que seu grupo atirava granadas dentro de mesquitas durante cerimónias e que um comandante impedia as pessoas de saírem da reza por horas até alguém mandar um cocktail molotov ou atirar pedras. Ele diz que usavam as crianças como escudos humanos e que apontavam armas à sua cabeça para os deixarem apavorados. “Foi somente depois que comecei a pensar nessas coisas, nós perdemos todo o senso de compaixão”, conclui.
Ódio
Apesar de estes soldados possuírem remorso e arrependimento, eles contam que muitos de seus companheiros e eles próprios odiavam os árabes e eram convictos do que faziam. “Eles eram vermes e em algum ponto, eu lembro que eu os odiava, odiava eles [palestinos]. Eu era um racista, estava tão zangado com eles pela sua sujidade, a sua miséria, essa porcaria toda”, afirma um sargento de Hebron.
O relatório revela que os militares tinham que seguir regras de procedimento nas suas ações, mas que na experiência quotidiana isso não funcionava. Para prender um palestino, tinham que vendá-lo e algemá-lo; para conter uma manifestação ou impedir um palestino de fugir, deveriam atirar contra as suas pernas a uma distância de 20 metros; para bater em um palestino com o cassetete, não podiam atingir a sua cabeça.
“Disseram-nos para não usar o cassetete na cabeça das pessoas. Eu não me lembro onde disseram que era para bater, mas assim que a pessoa está no chão e você a está a espancar com um cassetete, é difícil de distinguir”, diz um ex-sargento de Ramallah, na Cisjordânia. Outro sargento lembra um protesto: “O tipo ao meu lado atirou no chão para fazê-los correr e de repente, ele disse ‘Oops!’. Eu olho e vejo uma criança sangrando no chão. Quatro palestinos foram mortos naquela noite. Ninguém falou connosco sobre isso. Não houve nenhuma investigação”.
As declarações foram reunidas para mostrar a realidade do quotidiano dos soldados israelitas em relação ao povo palestino. “Lamentavelmente esta é a consequência moral de tantos anos de ocupação dos territórios palestinos”, explica Yehud Shaul da Breaking the Silence.
 


Para aceder ao relatório, clique aqui.
Artigo publicado em Opera Mundi.

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