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terça-feira, 25 de setembro de 2012

3,8 milhões de crianças e jovens que não vão à escola


Principais problemas são a pobreza extrema, qualidade e a falta de acesso
Para falar de educação não é possível levar em conta somente números, mas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 23% da população brasileira, ou seja, 45 milhões de pessoas, têm entre 4 e 17 anos, e deveriam estar cursando o ensino básico . No entanto, 8%, ou 3,8 milhões de crianças e jovens nessa faixa etária, estão fora da escola. A menos de um mês das eleições municipais, percebemos que a educação básica, que de acordo com a Emenda 59 , deve ser obrigatória para esta faixa etária, ainda é um dos pontos cruciais a serem debatidos e pensados antes, durante e depois do período eleitoral.
Entre os principais entraves para a universalização do ensino fundamental no país, segundo o relatório “Todas as crianças na escola em 2015 – Iniciativa global pelas crianças fora da escola “, produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Campanha Todos pela Educação, estão a exclusão em razão de deficiências ou de dificuldades de acesso, a pobreza extrema e o trabalho infantil, problemas comuns a municípios de todo o país. Por conta destes e de tantos outros motivos, o censo escolar de 2011 mostra ainda que houve um decréscimo de cerca de 1% no número de matrículas da educação básica em relação a 2010, o equivalente a 577.270 matrículas nas escolas. No entanto, 300 mil crianças e adolescente de 4 a 17 anos sequer conseguiram ter acesso a elas.
A coordenadora do programa de ensino da UNICEF, Maria de Salete Silva, explica que o acesso e a evasão não estão condicionados somente ao número de vagas, embora haja municípios como os de Altamira, no Maranhão, e de Alagoinhas, na Bahia, onde o número de matrículas realizadas no ensino básico em 2011 correspondeu a apenas a metade do total de crianças e jovens entre 4 e 17 anos residindo nesses municípios. “A gente não pode afirmar que as crianças estão fora da escola por falta de vaga. Pode ser por serem comunidades muito isoladas, isso acontece muito na Amazônia, por exemplo. Existem escolas e existem vagas, mas as crianças e jovens não conseguem chegar. Além disso, há os casos das crianças com deficiência, em que as próprias famílias acham que não adianta colocar na escola”, explica.
Vale lembrar que a Emenda 59, aprovada em novembro de 2009, prevê o atendimento de 100% da população de 4 a 17 anos nas redes públicas de ensino. E estabelece que os gestores públicos têm até 2016 para cumpri-la, ou seja, justamente no término da gestão destes futuros prefeitos.
Principais problemas
O relatório divide em três barreiras os principais problemas de acesso e permanência na escola. A primeira é a sociocultural, que aponta a discriminação racial e a gravidez na adolescência, entre outras questões; seguida da econômica, que envolve a pobreza e, em particular, o trabalho infantil; por último, há a barreira da oferta educacional, que é a que mais apresenta variações, como o conteúdo distante da realidade dos alunos, a não valorização dos profissionais de educação, o número insuficiente de escolas, a falta de acessibilidade para alunos com deficiência, as condições precárias de infraestrutura e de transporte escolar.
O relatório aponta – com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 do IBGE – que, do ponto de vista sociocultural, do total de excluídos da escola, 19,9% são crianças negras e pardas na faixa de 4 a 6 anos. Somado a isso, a diferença da média de anos de estudo da população negra e branca chega a quase dois anos, sendo 6,7 e 8,4 anos, respectivamente. Além disso, a gravidez também é significativa para a desistência dos estudos, de acordo com o estudo “Situação Educacional dos Jovens Brasileiros na Faixa Etária de 15 a 17 anos”, elaborado pelo pesquisador do Inep Carlos Eduardo Moreno Sampaio. Realizado com base na análise da Pnad 2005, o material revela que 28,8% entre as adolescentes que estão fora da sala de aula são mães. Em razão da pobreza, muitas crianças acabam deixando a escola para trabalhar e ajudar na renda familiar. A pesquisa aponta que cerca de 4,3 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalham no país. “O trabalho infantil é um dos maiores fatores de exclusão escolar, seja porque a criança trabalha o dia inteiro ou, mesmo quando ela trabalha parte do dia, tem um rendimento escolar muito abaixo dos outros, porque ela chega cansada, não tem tempo de se dedicar para fazer tarefas”, explica Maria da Salete Silva.
Outras causas desta evasão escolar, como indica o relatório da Unicef, são o número de escolas para suprir às demandas, a falta de valorização dos professores – que chegam a ganhar 10 vezes menos que um juiz, por exemplo, e, quando têm ensino superior, menos da metade de outros profissionais com a mesma qualificação – , além da falta de transporte, de acesso, de qualidade no ensino e das estruturas físicas das escolas já existentes. De acordo com o Censo Escolar 2009, as desigualdades são grandes entre as regiões. Enquanto no Sul 68% dos alunos são atendidos por transporte escolar, no Nordeste a taxa fica em torno de apenas 26%. ” As escolas precisam contar com condições mínimas de funcionamento, o que significa dizer que os profissionais têm que ter formação e salários adequados, aliás a “lei do piso salarial” é outra questão a ser, de fato, enfrentada pelos prefeitos, pois sem salário e condições de trabalho favoráveis não é possível suprir as demandas por estes trabalhadores. Seguindo esta lógica atual, as crianças continuarão sem aprender e, pior, sem o desejo de aprender”, analisa a professora da Unicamp e pesquisadora do financiamento de políticas educacionais, Theresa Adrião.
Do total de escolas, de acordo com o relatório, apenas 27,1% contam com quadra de esporte, 31,2% com biblioteca, 13,4% com laboratório de ciências, 60,4% com o de informática e 23,26% tem dependências e vias adequadas nos anos iniciais, enquanto nos anos finais os números são mais animadores:55,3% de escolas possuem quadra de esporte, 58,2% têm bibliotecas, 23,6% têm laboratório de ciências, 67,1% possuem laboratório de informática e 23,2% têm dependências e vias adequadas.
Educação no campo
O relatório também demonstrou que os grupos como as populações negra e indígena e as que vivem nas zonas rurais, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, são as mais prejudicadas. Nestas localidades, as taxas de distorção idade-série chegam a ser duas vezes maiores que as de outras regiões, além da média ser de 3,9 anos de estudo, segundo a Pnad. “A questão do acesso na Amazônia, por exemplo, é muito grave. Porque além das distâncias que são muito grandes, as escolas são precárias, ainda há situações culturais específicas, como a educação indígena. Muitos povos indígenas não têm professores que falam a língua deles. Nós temos desafios de todo o jeito, mas agora é cada um dos prefeitos assumir que esta tarefa é inadiável”, conclui a representante do Unicef.
O Censo Escolar 2009 aponta ainda que, dos 6.680.375 alunos matriculados em escolas rurais no Brasil, 4.355.656 (cerca de 65%) não são atendidos por sistemas de transporte escolar público. “As populações mais afastadas são as que mais sofrem com acessibilidade e transporte. E é acessibilidade do aluno, do professor, do material e até da merenda. Para ter ideia, para fazer uma reunião em um município-pólo tem professor que viaja 36 horas de barco”, exemplifica Maria. “Na zona rural, a oferta de vagas nos anos finais no ensino fundamental e no ensino médio é muito baixa. Os alunos acabam tendo que ir para a cidade estudar, sendo que , muitas vezes, eles saíram com atraso escolar, então é uma situação de exclusão muito grande”, complementa.
Distorção idade-série
Ingresso tardio e repetência são causas fundamentais do atraso escolar, um dos grandes motivos da evasão dos estudantes. De acordo com o relatório do Unicef, os alunos com idade superior à recomendada para a série (dois anos ou mais de atraso) que frequentam os anos finais do ensino fundamental somam mais de 5 milhões, representando 41,87% do total de alunos e alunas nesse segmento.
“A distorção idade-série incentiva a desistência, sem dúvida. Uma criança que repetiu três ou quatro vezes uma ou mais séries fica tão afastada do grupo escolar dela que a tendência é abandonar. Você pega um menino de 16 ou 17 anos e coloca para conviver com meninos de 11 ou 12. Ele não é nem criança nem adulto. O que a gente defende é que ele tem de ter o direito de ser adolescente, que é uma etapa riquíssima de questionamento, de descobrimento do mundo”, analisa Maria. No entanto, a representante do Unicef também critica as ações de recuperação praticadas por muitos municípios. “É importante entender que nenhuma solução sozinha resolve. As boas experiências de uso de programas de aceleração se não estiverem articuladas, vão ficar enxugando gelo. Você corrige a distorção idade-série e, quando o aluno volta para escola regular, ele começa a perder o ano de novo. Iniciativa como esta é o enfrentamento de parte do problema, mas isso não se resolve sem valorizar o professor, sem dar possibilidade de corrigir o ritmo, sem aproximar a escola do projeto de vida, a proximidade com a família, articular com a política de assistência e saúde. Esse conjunto de coisas é que resolve”, explica Maria de Salete Silva.
Outras soluções
De acordo Theresa Adrião, para enfrentar os diversos problemas escolares, o primeiro passo é que os gestores aprendam a gastar os já reduzidos recursos da educação. “Muitas prefeituras, especialmente as pequenas, não sabem utilizar os recursos vinculados para a educação e acabam reféns de segmentos que ‘auxiliam’ nos gastos. Como primeira tarefa dos novos prefeitos, estão os planos municipais de educação com prioridades e metas discutidas com as escolas e as comunidades”, aponta.
Como outra forma de solução das dificuldades apresentadas, Theresa aponta para a articulação com os municípios vizinhos. “Muitos dos problemas e as respostas a eles estão na articulação regional. É necessário pensar que o regime de colaboração envolve também os entes federados hierarquicamente superiores, mas também de envolver os que guardam relações horizontais”, indica. Além disso, a existência de política educacional elaborada com o envolvimento da comunidade escolar. “O Plano Nacional de Educação (PNE) está em pauta e com ele o Plano Municipal de Educação (PME), mas não basta contratar uma assessoria privada qualquer para elaborá-lo. É necessário que os prefeitos assumam a educação como uma prioridade do município. E isto está muito, mas muito além da adoção de sistemas privados de ensino, da contratação da empresa X ou Y”, analisa.
Matéria de Viviane Tavares, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio(EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate

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