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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

'Os pais conversam menos com os filhos do que a publicidade', alerta educadora


Por: Cida de Oliveira, Rede Brasil Atual

Em plena semana da Criança – quando o comércio deve registrar nova alta nas vendas de brinquedos e outros produtos infantis – especialistas do Instituto Alana e da Aliança pela Infância reuniram-se ontem (9) em São Paulo para discutir os prejuízos trazidos pela publicidade dirigida às crianças e a importância do resgate do brincar como estratégia de enfrentamento.

“Os pais conversam menos com os filhos do que a publicidade. Estudos mostram que a criança brasileira é a que mais assiste TV entre as de todos os países. Diante da TV a criança é estimulada a comprar o tempo todo”, alertou a pedagoga Roberta Capezzuto, integrante do Núcleo de Educação do Instituto Alana, organização que defende o desenvolvimento saudável da criança em todos os aspectos. "E é muito fácil vender para crianças porque elas acreditam em tudo o que se diz.”

Segundo ela, a situação é preocupante. Pesquisas mostram que 30 segundos de exposição a uma propaganda é suficiente para que a criança seja influenciada por uma marca. Isso é muito preocupante porque estimula um consumismo prejudicial à infância e seus familiares. 

“Há prejuízos para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças uma vez que elas deixam de brincar para ficar na frente da TV por horas seguidas.” O resultado imediato da combinação sedentarismo e consumo de alimentos anunciados – 80% deles são calóricos, conforme pesquisas – é a obesidade na infância. Dados do Ministério da Saúde mostram que 33% das crianças brasileiras estão com sobrepeso. 

“Outro problema é a erotização precoce. Não é à toa que a primeira relação sexual aos 15 anos vem aumentando em todo o Brasil”, disse Roberta. Isso tudo sem contar o estresse familiar causado por chantagens dos filhos que, seduzidos pela publicidade, pressionam os pais para comprar os produtos anunciados durante a programação infantil, com linguagem acessiva e com apelos visuais. E o danos psicológicos são trazidos por comerciais que exibem a falsa ideia de famílias sempre perfeitas, quando na realidade todas as famílias enfrentam problemas em vários momentos. “Será justo culpar os pais pelo consumismo excessivo quando há uma indústria milionária por trás dessa pressão que vitimiza a criança?”, questionou. 

"Existem iniciativas para restringir a publicidade destinada ao público infantil. Mas todas sofrem ataques dos meios de comunicação, que argumentam que essas propostas ferem a liberdade de expressão", disse o jornalista Alex Criado, da coordenação da Aliança pela Infância. "Essa defesa da liberdade de expressão, no entanto, esconde interesses escusos."

Entre eles está o Projeto de Lei 193/2008, do deputado Rui Falcão (PT), que está pronto para ir ao plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. A proposta regulamenta a publicidade, no rádio e TV, de alimentos dirigida ao público infantil. O PL proíbe no estado a publicidade dirigida a crianças de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio entre as 6h e 21h. A proibição vale também para divulgação desses produtos em escolas públicas e privadas. A proposta veta ainda a participação de celebridades ou personagens infantis na comercialização e a inclusão de brindes promocionais, brinquedos ou itens colecionáveis associados à compra do produto. Já a publicidade durante o horário permitido deverá vir seguida de advertência pública sobre os males causados pela obesidade. 

O projeto está de acordo com o que prevê o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe qualquer publicidade enganosa ou abusiva que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência das crianças. Em 2010, o Instituto Alana denunciou ao Procon a rede Mc Donald's por vincular brinquedos às promoções de seus produtos. Conforme a denúncia, a associação de brinquedos com alimentos incentiva a formação de valores distorcidos, bem como a formação de hábitos alimentares prejudiciais à saúde.

Além de criação de leis para proteger as crianças dos efeitos nocivos da publicidade, Roberta defende a ação conjunta de famílias, escolas, movimentos sociais, ONGs, empresariado e o estado. Em sua apresentação, ela mostrou o filme Criança, a alma do négócio, que mostra depoimentos de crianças, pais, professores e especialistas sobre consumismo e a vulnerabilidade das crianças à propaganda. Produzido em 2008, o filme continua atual. 

"Leis que defendem as crianças dos efeitos nocivos da publicidade existem, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o próprio Código de Defesa do Consumidor. Basta que sejam cumpridos", disse Roberta.

Em 28 países há restrição à publicidade voltada para crianças. Suécia e Noruega baniram a publicidade.
Brincadeiras de verdade

“O encurtamento da infância – as crianças estão deixando de brincar mais cedo e essa precocidade a transforma em consumidores – é uma questão que merece muita reflexão”, disse a educadora Adriana Friedmann, coordenadora da Aliança pela Infância. A entidade mantém 20 núcleos espalhados pelo país para pesquisar e disseminar a importância do brincar. 

Segundo ela, consumo não combina com infância. "Quando uma criança pede um brinquedo, é porque está angustiada. É como se ela dissesse: olha pra mim. Elas não sabem, mas estão dizendo isso."

Para Adriana, estão faltando coisas simples e essenciais nos relacionamentos familiares, como o preparo de uma comida com afeto, mais tempo para o diálogo e brincadeiras. "Precisamos organizar nosso tempo, pegar a criança no colo, contar uma história, cantar uma música – isso é brincar também. Hoje em dia, o maior presente que podemos dar a uma criança é estar com ela por inteiro.”

Adriana lembrou que o brincar mais livre, sem brinquedos estruturados, com a criatividade do faz-de-conta era comum até os anos 1950, 1960. De lá para cá os brinquedos foram sendo introduzidos e hoje as crianças – e adultos – são cada vez mais dependentes de aparatos tecnológicos, os brinquedos atuais. “A nossa sociedade está doente, hipnotizada pela tecnologia. As pessoas estão o tempo todo desconectadas da realidade, da pessoa ao lado, daquilo que é essencial nas relações sadias, e fixadas em aparelhos como o celular. Compramos para nós e para nossos filhos”, lamentou. 

Segundo Adriana, são muitas as questões para as quais não existem respostas prontas. “Precisamos olhar para dentro de nós mesmos, voltar à nossa infância, negociar com as crianças e dar a elas alternativas que ainda não conhecem, ensinar brincadeiras antigas e brincar mais com elas."

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