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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estatuto da Igualdade Racial ainda aguarda consolidação


Vários pontos da lei, que em outubro completou dois anos de vigência, ainda precisam de regulamentação para ampliar avanços cobrados pelo movimento negro
Universidade de Brasília foi a primeira federal a adotar, 
em 2003, as cotas para estudantes negros, sistema que virou
política oficial do governo, mas ainda é contestado em 
ação no Supremo
Pedro Pincer
Dois anos após a entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial, representantes do movimento negro avaliam que houve avanços. No entanto, cobram mais efetividade na adoção de políticas e ações para combater a discriminação, defender direitos e promover oportunidades iguais.
Depois de tramitar por quase uma década no Congresso, o estatuto, com 65 artigos, entrou em vigor em outubro de 2010, mas ainda tem pontos que precisam de regulamentação. Um levantamento desses itens está sendo concluído pelo governo.
Para uma das coordenadoras da organização não governamental (ONG) Criola, Lúcia Xavier, o principal ganho trazido pelo estatuto foi a consolidação de políticas voltadas aos negros e a responsabilização do Estado pelo cumprimento das ações.
— O estatuto retirou do contexto temporário algumas políticas que antes eram realizadas esporadicamente, conforme a vontade dos governos — disse.
Ela acredita que a definição de diretrizes garantiu uma “fonte jurídica segura” para que os governos tomem medidas mais efetivas.
Na saúde, o documento estabelece, entre outras ­responsabilidades, que é dever do poder público garantir que “o segmento da população negra vinculado aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação”. Prevê ainda maior participação dos movimentos sociais em defesa da saúde dos negros por meio do controle social do Sistema Único de Saúde (SUS).
Lúcia Xavier defendeu, no entanto, avanços mais concretos no reconhecimento das terras quilombolas e nas políticas para a juventude negra.
Lentidão
O conselheiro estratégico do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, Ivanir dos Santos, também considera o estatuto um “importante marco legal”, entretanto, lamenta a lentidão com que os efeitos são percebidos.
Ele enfatizou que o maior avanço registrado durante o período de vigência do texto foi justamente um ponto retirado do documento durante a tramitação no Congresso: a Lei de Cotas, regulamentada pelo Decreto 7.824/12, publicado em 11 de outubro no Diário Oficial da União.
Para a secretária de Políticas das Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Silvany Euclenio, o período de vigência do estatuto é curto para mensurar o impacto gerado por ele. Mesmo assim, ela destacou o impulso às ações afirmativas para reverter as desigualdades.
— Você tem o governo se comprometendo mais com essa pauta — disse.
Autor do estatuto, o senador Paulo Paim (PT-RS) avaliou que o documento está cumprindo seu principal papel, que é “assegurar o princípio maior das políticas afirmativas”.
Para ele, a Lei de Cotas, que reserva no mínimo metade das vagas em universidades e institutos federais a estudantes que frequentaram todo o ensino médio em escolas públicas, com recorte de renda e de raça, é uma consequência desse movimento.
— O Supremo [Tribunal Federal] reconheceu que as cotas são legais com base no princípio do próprio estatuto e da Constituição federal.
O senador também defendeu maior avanço na regulamentação, embora tenha ressaltado que “90% de seu conteúdo são autoaplicáveis”.Entre os pontos ainda sem plena aplicação, ele citou a inclusão do ensino da história e da cultura afro-brasileiras nas escolas do país.
Novas medidas discriminam para integrar
Cotas raciais são uma demanda antiga do movimento negro, mas o debate mais generalizado sobre ações afirmativas se fortaleceu com a participação do Brasil na 3ª Conferência Mundial de Combate ao Racismo, realizada em 2001 na África do Sul. Diversas universidades estaduais e federais passaram a adotar cotas sociais ou raciais. Com a Lei 12.711/12, sancionada dia 29 de agosto, instituições privadas serão estimuladas a adotar medidas semelhantes.
De acordo com o site oficial da Seppir, as ações afirmativas são medidas discriminatórias positivas, discriminam para integrar. Favorecem alguém que foi historicamente discriminado para que possa competir no mercado de trabalho e exercer direitos plenamente, em igualdade com indivíduos historicamente favorecidos. Essa desigualdade separa espacial, profissional e simbolicamente. Não acontece por falta de mérito, mas é resultado do ponto de partida de cada um.
Ainda de acordo com a secretaria, as cotas são um instrumento de ação afirmativa que tenta corrigir a desigualdade de ­oportunidades, pois, para o Estado brasileiro, não é possível esperar que todos os problemas da educação básica sejam resolvidos para tornar mais justa a participação da população negra e pobre na universidade pública. Isso seria permitir que toda uma geração seja prejudicada, que seus talentos sejam desperdiçados e que as possibilidades de realização pessoal sejam frustradas por causa de erros do passado que nunca foram revistos pela sociedade, mas, ao contrário, foram reforçados por mais de cem anos de negação do racismo no Brasil.
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE AS COTAS RACIAIS NAS UNIVERSIDADES
1. Quais são as instituições que deverão adotar as cotas?
A Lei 12.711/12, chamada Lei de Cotas, define que as universidades federais e as escolas federais de ensino técnico (nível médio) devem reservar 50% das vagas para as cotas. A lei não atinge instituições estaduais e privadas.
2. Quando começa a valer a lei?
A lei deve começar a ser implementada imediatamente. Ou seja, no próximo vestibular as universidades e a rede técnica federal devem aplicar todos os critérios, mas a norma dá um prazo para a implementação integral. As instituições têm o prazo de quatro anos para a implementação integral da lei, e o mínimo de 25% por ano. No vestibular de 2013, as instituições devem ter reservado no mínimo 12,5% do total de vagas; em 2014, 25%; em 2015, 37,5%, e, em 2016, a metade das vagas (50%), como prevê a lei. Assim, em 2016 todas as instituições terão reservadas 50% das vagas para as cotas.
3. As cotas vão existir para sempre?
Não. O Poder Executivo deve implementar no prazo de dez anos um programa de acompanhamento que vai avaliar a necessidade de continuação da política.
4. Como serão distribuídas as cotas?
Ao todo, 50% de todas as vagas (por curso e turno) das instituições serão reservadas às cotas.
Origem em escola pública: todos esses candidatos devem ser oriundos de escolas públicas (ensino médio integral no caso de instituições de ensino superior, e fundamental para as escolas técnicas de nível médio).
Renda: metade desse total de vagas é reservada a alunos com renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.
Critério étnico-racial: as cotas raciais serão diferentes em cada estado, proporcionais à composição étnico-racial verificada pelo IBGE, e devem incidir sobre a totalidade das vagas reservadas às cotas (50%). Essa proporção étnico-racial é dividida entre pretos, pardos e indígenas.
5. Como ficam as instituições que já têm cotas?
As instituições que já têm algum tipo de cota devem adaptar as regras à lei. Quando a reserva de vagas existente (seja para escola pública, de renda ou racial) for menor do que a lei, a instituição precisa elevar o número de vagas até os percentuais legais. Se for maior, fica a critério da instituição diminuir ou não.
6. A seleção será feita por vestibular ou pelo Enem?
A forma de seleção dos alunos cotistas (vestibular, Enem, programa de avaliação seriada) fica a critério da instituição de ensino.
7. Com as cotas, o nível das universidades vai baixar em consequência de os alunos cotistas serem despreparados?
Nenhum estudante vai entrar na universidade sem ter os conhecimentos mínimos necessários, segundo os critérios da instituição. Os estudantes serão aprovados pelo processo seletivo. O que interessa para elevar a qualidade da instituição é ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente, que é o que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) do MEC analisa. Nada indica que a nota dos alunos no vestibular é um critério determinante da qualidade de uma instituição de ensino.
Os estudantes cotistas (que têm nota mais baixa no vestibular) têm desempenho acadêmico igual ou superior aos outros em todas as experiências existentes no Brasil.
Constituição estimulou ações afirmativas
O principal resultado da adoção de ações afirmativas no Brasil, segundo representantes do movimento negro, foi colocar, definitivamente, a discriminação e o preconceito na agenda pública.
— Apesar da insuficiência das ações até aqui adotadas, o sentido das iniciativas em curso é colocar em debate o tema da reparação histórica ao povo negro — avalia Douglas Belchior, membro da Coordenação-Geral da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil).
O debate público acerca dos efeitos do preconceito e da responsabilidade do Estado sobre a promoção da igualdade ganhou impulso na esteira da Constituição de 1988, seja pela revitalização do movimento negro na discussão da Carta, seja pelo caminho aberto para a criminalização do racismo.
Em meados da década de 1990, começam a ser implementadas as primeiras políticas públicas voltadas ao combate à discriminação. E no início dos anos 2000, o governo federal começou a investir em projetos de caráter afirmativo, com destaque para programas dos Ministério das Relações Exteriores, da Saúde e da Educação.
Em 2001, as universidades estaduais do Rio de Janeiro — Uerj e Uenf — criaram cotas para negros e, em 2003, foi a vez da UnB. A medida é ainda hoje alvo de ação no STF, movida pelo DEM, que contesta a constitucionalidade de tais políticas.
Além disso, a reserva de 10% de vagas para negros no serviço público é realidade em estados como o Paraná e Mato Grosso do Sul. No Rio de Janeiro, a destinação é de 20% para negros e índios. Já em Vitória, a adoção das cotas nos concursos foi contestada pelo Ministério Público Estadual e suspensa pelo Tribunal de Justiça.
Governo quer cotas no serviço público
A possibilidade de extensão da política de cotas no serviço público federal repercute entre os senadores, que se dividem entre opiniões de aberto entusiasmo, crítica e cautela em relação à ideia.
Em exame na Casa Civil, a proposta deve ser enviada ao Congresso até o fim de novembro, conforme reportagens na imprensa. O texto básico elaborado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial define a reserva de 30% das vagas para negros.
— Só posso ver com bons olhos uma iniciativa destinada a promover o acesso de negros, pardos e índios a posições na esfera pública, onde estão claramente sub-representados. Isso é fundamental para a construção de uma sociedade mais igualitária e democrática — afirma Paulo Paim (PT-RS).
Autor do Estatuto da Igualdade Racial, Paim observou que o projeto original previa amplo leque de ações afirmativas, inclusive as cotas para as universidades e o serviço público. Prevaleceu, no entanto, a avaliação de que o debate ainda não estava maduro, o que determinou a supressão das cotas do texto, para viabilizar a aprovação da matéria.
Em agosto, passado pouco mais de dois anos da aprovação do estatuto, o Senado aprovou o projeto. Já tornado lei, reserva pelo menos metade das vagas nas universidades e institutos federais para alunos de escolas públicas, com subcotas por critério de raça e renda. Para Paim, houve uma evolução que deve se refletir agora no acolhimento do cogitado projeto de cotas para o serviço público.
O líder do PSDB, senador Alvaro Dias (PR), no entanto, desaprova totalmente a ideia, a seu ver, uma medida que subestima os negros e que, por isso, seria preconceituosa. Na opinião dele, o critério de competência deve sempre prevalecer nos concursos. Às vésperas do segundo turno da eleição, Alvaro afirmou que a divulgação da notícia antes do pleito tinha o objetivo maior de beneficiar os candidatos do PT.
A senadora Ana Rita (PT-ES) acolhe sem reservas a concepção de uma lei para estender as cotas ao serviço público:
— Será um avanço no curso histórico da luta pelas ações afirmativas no país.
Data nacional lembra morte de Zumbi
Desde a década de 1970, os brasileiros têm comemorado o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro. A data foi escolhida por ter sido o dia em que Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra ao regime escravocrata, foi assassinado. O objetivo é refletir sobre a inserção do negro na ­sociedade.
Embora ainda não seja oficialmente um feriado nacional, o 20 de novembro tem estimulado centenas de municípios a decretar feriado ou ponto facultativo. Em 2003, a data começou a fazer parte do calendário escolar.
Quem foi Zumbi
Herói da resistência à escravidão, Zumbi nasceu em uma das aldeias do então Quilombo de Palmares, entre Pernambuco e Alagoas, provavelmente em 1655, e foi morto na atual Serra dos Dois Irmãos, em Viçosa (AL), em 20 de novembro de 1695.
Zumbi é símbolo da luta contra a escravidão. Incentivou a fuga de escravos e enfrentou expedições de extermínio até retirar-se para a guerrilha. Traído, foi morto numa emboscada
O idealizador da data foi o poeta e professor Oliveira Silveira (1941—2009), um dos fundadores do Grupo Palmares, que reunia, em Porto Alegre, pesquisadores da cultura negra.
Em 1971 (ano de fundação do grupo), ele propôs uma data que comemorasse a tomada de consciência da comunidade negra sobre a contribuição dela ao país. O 20 de novembro foi celebrado pela primeira vez naquele mesmo ano de 1971.
Senado participa de campanha federal contra racismo
Ministra Luiza Bairros, senador Paulo Paim e deputados 
Benedita da Silva, Luiz Alberto e Janete Pietá em cerimônia
Com a presença da ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, o presidente do Senado, José Sarney, assinou no início do mês o plano de trabalho do acordo de adesão da Casa à campanha  Igualdade Racial é pra Valer, promovida pelo governo federal.
Em discurso, Sarney destacou, já como resultado do trabalho conjunto com a Secretaria de Igualdade Racial, os dados da pesquisa do DataSenado sobre a percepção da violência em relação à cor da pele da vítima.
— É verdade que a exclusão dos negros e da comunidade negra coincide em grande parte com a dos pobres.
Mas, mesmo que superpostas, elas não podem ser confundidas. Os negros, entre os pobres, são os mais pobres. Entre os que têm dificuldade de acesso à educação, os que têm mais dificuldade. Entre os doentes, os mais graves. Entre os que morrem vítima de violência, a ampla maioria — disse.
O presidente do Senado ­rememorou fatos da militância pela causa dos ­negros. Lembrou que, como ­presidente da República, criou a Fundação Palmares, tombou a Serra da Barriga (área do Quilombo de Palmares) e rompeu relações culturais e esportivas com a África do Sul enquanto lá existisse o apartheid.
Ainda registrou que, desde seu primeiro mandato no Congresso Nacional, apoiou todos os movimentos a favor da igualdade racial. Ressaltou sua participação na aprovação da Lei Afonso Arinos, a primeira a criminalizar a discriminação racial no Brasil.
Saiba mais
Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009—2010
Estatuto da Igualdade Racial
Pesquisa do DataSenado sobre a violência contra a juventude negra no país
Resoluções da última Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (2009)
Guia para Jornalistas sobre Gênero, Raça e Etnia
Capítulo sobre igualdade racial do último Boletim de Acompanhamento e Análise do Ipea
Veja as edições anteriores do Especial Cidadania em www.senado.leg.br/jornal
Jornal do Senado

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