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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Sistema prisional brasileiro tem cultura militarizada, avalia advogado da Justiça Global


Com a 4ª maior população carcerária do mundo ­(mais de 500 mil presos), o Brasil chama a atenção pelos casos e denúncias de torturas, homicídios e insalubridade dentro dos presídios. No sábado (3 de novembro), as violações de Direitos Humanos cometidas contra presos nas penitenciárias brasileiras foram debatidas em reuniões da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em maio deste ano, após uma fiscalização, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU recomendou que o Brasil melhorasse as condições das prisões e enfrentasse o problema da superlotação.   
Segundo os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de 2010, o Brasil tem déficit de 198 mil vagas, o que representa um número de presos 66% superior à capacidade de abrigá-los.
Em entrevista a Radioagência NP, o advogado da ONG Justiça Global, Eduardo Baker, analisa a situação dos presídios brasileiros. Para ele, um traço marcante do sistema prisional do país é a atuação militarizada do controle de prisões e a prática de violência e tortura.
Radioagência NP: Eduardo, como você avalia o sistema prisional brasileiro?
Eduardo Baker: O sistema prisional brasileiro como um todo ainda é um sistema prisional que tem como regra a violência, a tortura e o descaso com os direitos dos presos. Não respeita a própria lei de execuções penais que determina como é que deveria ser ou não as celas, acesso a luz natural, acesso à água. O acesso a saúde da população prisional é muito complicado, em regra. Pode-se ter uma unidade ou outra com condições um pouco melhores, mas de maneira geral não tem nem uma atenção psicológica nem uma atenção médica devida. Tem uma cultura muito militarizada por parte dos agentes penitenciários. Ou alguém da Polícia Militar coordena a prisão, departamento penitenciário, ou há um envolvimento muito próximo da formação dos agentes por parte da área militar da polícia, principalmente, que faz ter uma cultura de violência no próprio agente decorrente dessa formação militar que dificulta uma forma de tratamento do prisioneiro que respeite os direitos deles. Esse é um traço marcante do sistema prisional brasileiro como um todo: a atuação militarizada do controle de prisões e essa prática de violência e tortura, que está mais ou menos tentando ser atacada com a criação de mecanismos estaduais de combate e prevenção à tortura. Infelizmente, no momento, a gente só tem esse mecanismo funcionando no Rio de Janeiro. Tem uma lei nacional que propõe essa dinâmica nacional, só que ela ainda não foi aprovada. Talvez fosse um mecanismo importante para tentar reverter o quadro generalizado de tortura e violência que ainda opera no sistema prisional brasileiro.
Radioagência NP: Como você analisa a questão da morosidade da Justiça no julgamento dos casos e sua relação com a superlotação das cadeias?
EB: Quanto a essa questão da morosidade e a superlotação é importante focar no tema dos presos provisórios. Porque o problema da demanda por Justiça muito célere, é que a Justiça muito célere pode pender também para outro lado, para um lado de “injustiçamento”. No caso da morosidade, eu acho que ele é mais preocupante quanto ao tema dos presos provisórios. Tem pessoas que ficam ou ficaram em prisão provisória por um, dois, três, quatro ou até mais quantidade de anos. Enquanto, que a prisão provisória deveria ser algo muito limitado, em espaço curto de tempo. Tem-se a prisão provisória como prática. Em torno de um terço da população prisional brasileira, em geral - sem considerar um estado específico -, é de presos provisórios. Se tivesse uma Justiça mais séria para tratar do caso dos presos provisórios talvez essa realidade do superencarceramento fosse um pouco diferente, mas infelizmente o Brasil ainda não foi capaz de formar uma política adequada para tratamento do caso dos presos provisórios.
Radioagência NP: Existem algumas propostas ou iniciativas para reduzir essa demora da Justiça brasileira atualmente?
EB: Tem um começo de tentativa pioneira no Rio de Janeiro de criar núcleos especializados da Defensoria para presos provisórios. Eles ainda não estão implementados, mas tem essa proposta que seria para o ano que vem. Esse tipo de prática que tenta tratar do tema específico dos presos provisórios para reduzir a morosidade na análise desses casos potencialmente é uma medida interessante para reverter minimamente esse quadro. A apresentação pronto a frente a um juiz após a detenção, por exemplo, é uma coisa que a gente não tem no Brasil. Há projetos nesse sentido que obrigaria a pessoa que é detida em delito flagrante ser prontamente apresentado a um juiz, mas no momento a nossa legislação não traz essa determinação. Seria outra forma importante de tentar reduzir a morosidade da Justiça em relação a prisão provisória e talvez melhorar um pouco nosso quadro de superencarceramento.
Radioagência NP: E como você avalia as penas alternativas?
EB: Tem duas formas de penas alternativas propriamente ditas, uma que vem das leis de Juizados Especiais, e você tem mais recentes leis cautelares, que adotam medidas alternativas. Tem essas duas diferenças. No caso das penas alternativas das leis de Juizados Especiais, essa é uma lei antiga. E a esperança que se tinha com a aplicação dessa lei, que era reversão desse quadro de superencarceramento, com aplicação maior de penas alternativas ao invés de penas privativas de liberdade não se concretizou. Teve, na verdade, um aumento crescente das penas privativas de liberdade. E, por outro lado, delitos que antes não ficavam sob olhar do sistema penal. Passaram a sofrer ação penal através dos Juizados Especiais. Teve um aumento do controle penal da população ao invés de uma redução do encarceramento. No caso de medidas cautelares, de natureza não privativa de liberdade, o que é o correspondente do preso provisório. Como a lei é do final do ano passado, a gente não é capaz de visualizar qual quadro está se surgindo, o que vai acontecer.      
De São Paulo, da Radioagência NP, Daniele Silveira.

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