Índia: "Há que defender o direito das mulheres à liberdade sem medo!” - Blog A CRÍTICA

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Índia: "Há que defender o direito das mulheres à liberdade sem medo!”


A violência sexual é uma forma de impor a disciplina patriarcal às mulheres. A vontade popular - de mulheres e homens comuns - de fazer frente às raízes da violência sexual e lhe pôr fim, inspira mais esperança e confiança que toda a retórica incendiária dos deputados no parlamento. Por Kavita Krisnan, secretária-geral da Associação Progressista de Mulheres da Índia.
Campanha Justiça para Soni Sori, manifestação em Patna, 2 de janeiro de 2013 – foto retirada de aipwa-aipwa.blogspot.com
No meio do indescritível horror da violação e tentativa de assassinato (consumado a 27 de dezembro ao morrer a vítima e se conhecer o seu nome, Amanat) em Nova Delhi há uma chama de esperança que alimentamos, sustentando nas mãos para que não se apague, ajudando-a a crescer num lume forte…para que se estenda como um incêndio num bosque.
Uma mulher jovem, estudante de fisioterapia de 23 anos de idade, entrou num autocarro em Nova Delhi com um amigo. Estavam sozinhos no autocarro, à exceção de um grupo de homens, que começaram a zombar dela por estar a essas horas da noite com um homem na rua. Nem ela nem o seu amigo aceitaram calados as zombarias e, finalmente, o grupo de homens decidiu "dar-lhes uma lição". Espancaram o seu amigo até o deixarem sem sentidos. E violaram-na em grupo, golpeando-a sadicamente e rasgando-lhe os intestinos.
A esperança radica na grande quantidade de pessoas que saíram à rua para protestar. Foi bom presenciar a ira espontânea e a determinação de levar os violadores perante a justiça. Mas ainda melhor foi ser testemunha da vontade de dirigir essa ira contra uma sociedade e uma cultura que justificam a violação e a violência sexual. A vontade popular - de mulheres e homens comuns - de fazer frente às raízes da violência sexual e lhe pôr fim, inspira mais esperança e confiança que toda a retórica incendiária dos deputados no parlamento.
Desafiando a cultura da violação
Uma mulher que viu um vídeo da nossa manifestação de protesto e dos discursos das ativistas frente à casa da chefe de governo do território de Delhi, Sheila Dixi,t escreveu-me para me dizer que o protesto lhe tinha chegado ao coração: "Escreveram-me garotas mais jovens, absolutamente angustiadas, porque os seus pais estão a utilizar o caso da violação em grupo de Delhi como um exemplo do que pode suceder quando se vai passear”. E já não as deixam fazer nada: nem ter uma conversa com os amigos, nem ir para a universidade que escolheram. Ver o seu protesto encheu-me de esperança e de solidariedade ".
A violência sexual é, de facto, uma forma de impor a disciplina patriarcal às mulheres. As mulheres que a desafiam são castigadas pela sua temeridade face à violação. E o medo da violação e da violência sexual funcionam como um censor interno permanente das decisões das mulheres. E a "proteção" contra a violência sexual toma normalmente a forma de restrições impostas às mulheres: os toques de recolher nas residências universitárias são o exemplo mais comum, seguido por códigos de vestuário, proibição de telefones móveis, restrições da liberdade de movimentos e de amizades (em especial amigos), impedimentos à matricula em universidades longe de casa, e assim sucessivamente. A violência sexual e as medidas comummente usadas para a combater têm o mesmo fundo patriarcal, pelo que não é estranho que as mulheres se sintam asfixiadas.
Há alguns anos, quando a jornalista Sowmya Visvanathan foi assassinada a tiro, o chefe de governo do território de Delhi comentou que Sowmya tinha sido "atrevida" ao estar na rua às 3 da madrugada. O último chefe da polícia de Delhi disse numa conferência de imprensa: "Se as mulheres saem sozinhas às 2 da madrugada, não devem queixar-se de insegurança. Que as acompanhe um irmão ou um motorista”. Estas declarações foram recebidas, naturalmente, com um coro de protestos, e muita gente recordou que as mulheres que trabalham não têm outro remédio senão sair a altas horas da noite. No caso presente, os líderes parlamentares do Bharatiya Janata Party (BJP), disseram que a vítima não tinha feito nada "imprudente", não tinha saído muito tarde. Um canal nacional de televisão em inglês ao se referir ao caso da violação em Delhi não fazia senão repetir: " não estava vestida de maneira provocante... Não era muito tarde... Não estava sozinha".
A mesma ideia mantém-se: as mulheres não devem sair de noite a não ser que tenham uma boa razão para isso, as mulheres devem vestir-se de maneira não "provocante". Que é aceitável esperar que as mulheres limitem a sua liberdade de movimentos e de vestuário para sua “segurança”. Que é aceitável sentar as mulheres que sofrem a violência sexual no banco dos réus e exigir-lhes que se "justifiquem". Por outras palavras, aceita-se com demasiada facilidade que as mulheres têm que demonstrar que não incitaram” à sua própria violação.
Mas nos protestos, foi refrescante ver e escutar muitas mulheres desafiar esta cultura da violação: uma cultura que justifica a violação e culpa às mulheres por "provocar" ou "incitar " à violação. Um cartaz dizia: "Não me ensines como tenho que me vestir, ensina os teus filhos a não violar ". Noutro podia ler-se: "o meu ânimo é maior que a minha saia, a minha voz mais alta que a minha roupa." E num terceiro, escrito à mão por uma estudante que provavelmente se manifestava pela primeira vez, declarava: "Violou-a porque a roupa o provocou? Eu devia partir-lhe a cara porque a sua estupidez provoca-me! ".
Quando se oferece "proteção" às mulheres em termos patriarcais (termos que impõem restrições e regulações à mulher), é o momento de dizer "Obrigado, mas não. Não precisamos medidas de segurança patriarcais para as mulheres". No seu lugar devemos exigir que o governo, a polícia, os juízes e outras instituições defendam incondicionalmente o direito das mulheres a ser atrevidas, a se vestirem, se movimentarem e se comportarem livremente em qualquer momento do dia ou da noite, por necessidade ou sem ela, sem temor de sofrer a violência sexual. Afinal, essa liberdade para fazer o que queiram e estar a salvo num espaço público é algo que os homens dão como adquirido, e a audácia dos homens é infinitamente valorizada na cultura popular.
"Proteção" patriarcal e "honra"
A recente campanha publicitária da polícia de Delhi contra a violência sexual chama a atenção pela ausência de mulheres. Em vez das mulheres, aparece o ator e diretor de cinema Farhan Akhtar, a dizer: "Torna Delhi segura para as mulheres. És suficientemente homem para te juntares a mim? ". Outro anúncio que a polícia de Delhi tem estado a utilizar, há vários anos, mostra a fotografia de uma mulher a ser assediada por um grupo de homens numa paragem de autocarro, enquanto outros homens e mulheres simplesmente olham. O anúncio proclama: "Não há homens nesta foto ... ou isto não sucederia", e insta os "verdadeiros homens" a "salvá-la da vergonha e da dor". Sugere-se que os assediadores sexuais não são “verdadeiros homens", que as mulheres assediadas sentem “vergonha" (em vez de ira), e que só os "verdadeiros homens" podem proteger às mulheres. Não há a menor tentativa por parte da administração do Estado de defender ou propagar a ideia da liberdade da mulher e dos seus direitos.
O problema é que a solução que se defende é o machismo, quando na realidade é essa a raiz do problema da violência contra as mulheres. A violação não é a única forma de violência contra as mulheres. Recentemente produziram-se uma série de incidentes (em diferentes partes do país), nos quais um pai ou um irmão cortaram a cabeça a uma mulher por ter uma aventura extramarital ou por casar fora da sua casta. Um homem no distrito de Dharmapuri, Tamil Nadu, suicidou-se quando a sua filha se casou com um dalit1, desencadeando uma onda de violência contra toda a comunidade dalit. Exorta-se os homens a defender a “honra” das mulheres da "vergonha". Quando vigiam as relações das suas irmãs ou filhas - inclusive até o ponto das assassinar se os desafiam - não alegam ter atuado em defesa da "honra"?
Além disso, há a ideia de que a violação rouba a "honra" a uma mulher. Conta-se que as rainhas de Rajput preferiam imolar-se pelo fogo em massa do que ser violadas pelos exércitos conquistadores. Um fator do grande número de suicídios de mulheres após a violação é, sem dúvida, o facto de lhes ser dito que a sua vida está "em ruínas" e não vale a pena continuarem a viver.
O dirigente do BJP Sushma Swaraj, falando no parlamento, declarou que se a vítima de violação em Delhi sobrevivesse, seria uma zinda laash, um "cadáver vivo". Em resposta a esta declaração, uma estudante da Universidade Jawaharlal Nehru, que participava numa vigília em Safdarjung, disse: "Viemos aqui para que a vítima da violação saiba que estamos com ela. Indigna-nos a declaração de Sushma Swaraj de que uma mulher que foi violada é já só uma zinda laash. Estamos aqui para dizer que esperamos que viva a vida plenamente, com a cabeça bem erguida, que são os violadores os que devem sofrer e envergonhar-se, não a sobrevivente".
Há que pôr fim às violações sob custódia, comunais e de casta
Bem-vinda a indignação e a ira pela violação e a tentativa de assassinato de uma jovem mulher em Delhi. A indignação, a solidariedade e a luta pela justiça também deve abarcar as vítimas de violação sob custódia, comunais e de casta.
- Em 2004, Thangjam Manorama Chanu de Manipur, foi violada e assassinada (com disparos nas partes íntimas) por soldados dos Rifles de Assam. Os autores desta horrível violação e assassinato não foram castigados: o governo da Índia tem protegido os seus autores, afirmando que os membros do exército subordinados à Lei de Poderes Especiais das Forças Armadas não podem ser submetidos a um julgamento penal.
- Duas mulheres jovens, Neelofer e Aasiya (esta última uma estudante do secundário), foram violadas e assassinadas por membros do exército em Shopian, Cachemira, em 2009. A administração do Estado é cúmplice num encobrimento em massa. Os autores continuam livres.
- Recentemente, a jovem adivasi (indígena) mestre de escola Soni Sori foi violada por agentes da polícia de Chhattisgarh, que inseriram pedras nas suas partes íntimas. Mas o sargento de policia Ankit Garg, em vez de ser preso e castigado, recebeu o Prémio Presidencial de Bravura no Dia da República. Soni Sori continua detida e humilhada num cárcere de Raipur, e permanece sob custódia dos seus violadores.
- Inúmeras mulheres dalit são violadas em todo o país por homens de castas superiores, e as milícias do BJP e a Rashtriya Swayamsevak Sangh [organização de direita hindú-chauvinista] violaram mulheres muçulmanas no genocídio de Gujarat de 2002.
O uniforme da polícia ou do exército e a superioridade de casta ou na comunidade não podem ser uma desculpa para violar e matar. Se a violação em Delhi mudou a consciência das pessoas face à violência sexual, devemos assegurar-nos de que as vozes de Manorama, Neelofer, Asiya, Soni, Priyanka Bhotmange (Khairlanji) e Bilkis Bano (Gujarat) - e muitas outras – que pedem justiça, são ouvidas.
Demonizar os pobres
A polícia e a chefe do governo de Delhi, Sheila Dixit, sitiados pela indignação popular, estão a recorrer ao velho truque do "inimigo externo": os trabalhadores migrantes. Outros também estão a tratar de canalizar a ira contra a violência sexual para o ódio de classe contra os migrantes pobres.
Numa entrevista de televisão, Dixit afirmou que a situação em Delhi tinha mudado por causa do afluxo de migrantes, que podem "atacar e fugir", tornando mais difícil o combate na cidade a este tipo de crimes contra as mulheres. O “Times of India” publicou a 20 de dezembro uma história sobre como "os migrantes" saem "à caça" à noite em Delhi, citando como fonte "um alto responsável pela polícia de Delhi", insinuando que os migrantes são mais propensos à delinquência e à violação porque "estão longe das suas famílias durante anos. Sentem-se atraídos pelos prazeres da grande cidade. No entanto, têm poucos meios para desfrutá-los".
Um artigo de opinião publicado no “Times of India” no mesmo dia, assinado por um tal Tuhin A. Sinha, afirma que "uma grande parte da população masculina vive longe da sua cônjuge para ganhar a vida. É este grupo o que tem mostrado uma maior tendência para cometer crimes de género. Faz sentido, nesta situação, considerar a legalização da prostituição ".
Que está a dizer este artigo? As mulheres migrantes ou as esposas dos migrantes, separadas dos seus cônjuges, andam por aí a violar as pessoas? Não é uma vergonhosa justificação da violação sugerir que é motivada pelo desejo sexual dos homens? Se dissermos que o violador viola as mulheres quando está privado do acesso à sua mulher ou a uma trabalhadora do sexo, é então a sua esposa ou a trabalhadora do sexo a destinatária habitual da violência? Pode a violação combater-se garantindo um fornecimento estável de sexo - mulheres como mercadoria - a todos os homens? Ou temos que reconhecer que a violação é um ato de violência patriarcal, afirmar a cidadania das mulheres e desafiar a noção da mulher como "provedora" de serviços sexuais e domésticos?
Noções falsas
O “Times of India” lançou uma campanha a favor da castração química. Se, pelo contrário, o jornal deixasse de justificar a violação com o desejo sexual masculino, seria de muita maior utilidade à campanha contra a violência sexual. A defesa da castração química e similares baseia-se na falsa noção de que a violação é motivada pelo desejo sexual. De facto, a violação é motivada pelo ódio às mulheres, não ao desejo das mulheres. Suspeita-se que famosos violadores em série, como o britânico Robert Napper ou Jack o Estripador, eram impotentes.
Só 26 em cada 100 violadores são castigados: VERGONHA!
Acabemos com a impunidade, que 100% dos violadores sejam castigados!
Não há dúvida, os perpetradores de violência sexual desfrutam de uma sensação de impunidade, a sensação de que vão ficar impunes. Os factos falam por si: segundo o Departamento Nacional de Estatística Criminosa (NCRB), os dados mostram que os casos de violação no país aumentaram 791% desde 1971 (os assassinatos 240%, os roubos 178%, e os sequestros 630%).
E as taxas de condenação por violação baixaram de 41% em 1971 para 27% em 2010. As taxa de condenações por outros delitos contra as mulheres - assassinato por falta de dote, crueldade do esposo e dos familiares, tráfico, abuso sexual, assédio sexual, sequestros - são igualmente muito baixas. A razão é que as forças policiais, os hospitais e os tribunais não são nada equitativos com as mulheres e atuam com uma evidente distorção de género.
Lembrem-se, esta baixíssima percentagem de condenações (26%) é naqueles casos em que se apresenta uma “primeira denúncia de informação” (FIR). A violação é o delito que menos é denunciado: os estudos indicam que por cada caso denunciado de violação, mais de 50 não o são. Em centenas de casos, a polícia negou-se simplesmente a redigir um FIR ou pressionou a denunciante para que retirasse a denúncia. Quando se demora dias de luta para conseguir um FIR, pode-se imaginar que não há a menor urgência em recolher provas forenses.
O exame médico no hospital é outra prova dura. É comum que os médicos realizem a "prova dos dois dedos": a inserção de dois dedos na vagina da mulher para estabelecer se está ou não está habituada à atividade sexual". Apesar da condenação desta prática pelo Supremo Tribunal, sublinhando que a atividade sexual anterior da vítima é irrelevante, a "prova" continua a ser admitida nos tribunais de primeira instância.
Os procedimentos judiciais duram anos, o que permite aos acusados de violação exercer todo o tipo de pressão sobre a vítima e as testemunhas. Este longo calvário acaba por esgotar a vítima, levando-a com frequência a reconhecer a derrota. E no caso de se chegar a julgamento, a denunciante é submetida a todo o tipo de perguntas humilhantes em público.
Os tribunais têm ditado todo o tipo de sentenças parciais e tendenciosas. Mesmo quando o juiz simpatiza com a vítima e é sensível, a má qualidade do trabalho de investigação policial e da promotoria combinam-se para evitar uma condenação.
O inimigo íntimo
No meio da indignação nacional contra a violação, é muito fácil esquecer que, na nossa sociedade, os violadores não são uma "espécie exótica" que possa ser exterminada. Os violadores nem sempre são estranhos sem rosto: na maioria dos casos, em 90% de facto, são pais, irmãos, tios ou vizinhos da vítima: gente conhecida, de confiança e à qual se espera que a vítima respeite e obedeça.
Segundo as estatísticas do NCRB de 2011, "os violadores eram conhecidos das vítimas em 22.549 casos (94,2%) [de todos os casos denunciados na Índia em 2011]" e "os pais / familiares próximos estiveram envolvidos em 1,2% (267 de 22.549) destes casos, os vizinhos em 34,7% (7835 de 22.549 casos) e familiares afastados em 6,9% (1560 de 22.549) dos casos".
Por outras palavras, os violadores não estão claramente separados do resto da sociedade. Os violadores não nasceram assim. Fazem-se: numa sociedade que degrada e subordina as mulheres.
O mecanismo preventivo mais importante contra a violência sexual e outras formas de violência contra a mulher - os "crimes de honra", o aborto seletivo por sexo, a violência doméstica e por causa do dote, o assédio sexual-, é o que o movimento de mulheres está a pôr em prática: combater as atitudes patriarcais e a subordinação das mulheres; afirmar a cidadania da mulher e a sua liberdade plena, exigir a plena igualdade da mulher. O problema é que os governos, os partidos políticos dominantes e a máquina estatal, continuam a ser hostis à luta dos movimentos de mulheres. Em seu lugar, tomam partido sempre e em cada ocasião pelas forças patriarcais.
Não podemos permitir que os perpetradores da violência sexual continuem sem medo de ser castigados!
Precisamos adotar medidas de imediato.
Exijamos mudanças a todos os níveis do sistema:
- Leis a favor das mulheres, castigos rápidos e efetivos: que se celebre já uma sessão especial do Parlamento para promulgar leis abrangentes contra o abuso sexual (incluindo disposições sobre a violação marital e a violação pelas forças de segurança), o assédio sexual e os crimes de “honra" em consulta com o movimento de mulheres.
Poder Judicial: julgamentos rápidos para todos os casos de violência sexual (assédio e não só a violação sexual, com sentenças ditadas em três meses). Todo o juiz que tenha feito comentários ou ditado sentenças que justifiquem a violência contra as mulheres e contra a igualdade de género, deve ser afastado.
Polícia: cursos de formação sobre género em todas as delegações de polícia, incluindo a instrução de procedimento e capacitação para fazer frente às queixas de violação. Infraestrutura adequada e equipas de investigação de violações disponíveis em todas as delegações de polícia. Medidas disciplinares, incluindo o despedimento, em caso de não admissão de denúncias de abuso sexual / violação.
Hospitais: salas separadas para os cuidados médicos e psicológicos às vítimas de violação e infraestrutura adequada para o desenvolvimento das investigações forenses nos hospitais.
Pôr fim à cultura de justificação da violência de género: tolerância zero a toda a justificação da violência sexual, dos crimes de “honra" e da violência doméstica. Os servidores públicos, incluindo os representantes eleitos, polícias ou juízes que culpabilizem as vítimas devem ser afastados.
Apoio: apoio social, assistência médica, jurídica, psicológica e económica - a cargo do governo - para as vítimas de violação.
Prevenção e educação: a igualdade de género deve ser parte essencial do plano de estudos, que deverá ser elaborada em consulta nacional com as ativistas do movimento de mulheres. O objetivo deve ser questionar as atitudes patriarcais, a misoginia e a hostilidade à liberdade e aos direitos das mulheres, frontalmente, sem contemplações.
Quando a negação da justiça em casos de violência sexual é a norma e não uma aberração, não é de estranhar que algumas mulheres valentes tenham sido empurradas para atos desesperados para escapar à violência. Kiranjit Ahluwalia, uma emigrante índia a viver na Grã-Bretanha, queimou o seu marido, que a maltratava habitualmente. Há uns anos, um grupo de mulheres de bairros de barracas de Nagpur mataram um violador em série no próprio tribunal. Uma professora em Bihar, Rupam Pathak, apunhalou até à morte um deputado do BJP porque a polícia não fez nada contra ele apesar de ela se ter queixado de violação.
É irónico que a dirigente do BJP Smriti Iraniano declare que mataria a tiro os violadores sem se importar com a lei, quando ao mesmo tempo os dirigentes de seu próprio partido acusam Rupam de imoral e graças ao governo de coligação em Bihar, no qual participam, Rupam tenha sido condenada a prisão perpétua num julgamento rápido, enquanto a sua denúncia de violação ainda está a ser investigada.
Numa situação em que o principal problema é que os violadores não temem o castigo devido às taxas vergonhosamente baixas de condenação, é pouco provável que a pena de morte por violação tivesse o menor poder de dissuasão.
A violação é a forma patriarcal de castigar as mulheres por serem o que são, por exigirem igualdade e liberdade, e a maneira de reafirmar a dominação masculina. Os violadores não "desejam" as mulheres, odeiam e temem a liberdade das mulheres.
Quando as pessoas saem às ruas exigindo justiça para as vítimas de violência sexual, gritemos as nossas consignas: Defendamos o direito das mulheres à liberdade sem medo! Castigo rápido e eficaz dos violadores! Lutemos e ganhemos igualdade e dignidade para as mulheres!
Post-scriptum
Não estou de acordo com Arundhati Roy que acha que estes protestos só aconteceram porque a vítima era da classe média. As mulheres da classe média também não costumam ter este tipo de solidariedade! Todas elas são acusadas de serem vítimas "ilegítimas" por beberem, fumarem, vestirem de forma sexy, etc
Se uma mulher da classe média na capital do país pode ser vítima de uma violência tão horrorosa, que pode acontecer às mulheres das castas oprimidas, da classe operária, das minorias religiosas, das nacionalidades oprimidas, ou às adivasi (aborígenes), que são ainda mais impotentes quando enfrentam a violência de género? Ao opormo-nos à hierarquia da violência, não devemos assumir que estamos de acordo com uma hierarquia inversa, que a violação de uma mulher de classe é "menos" violação!
Não há razão alguma para que esta solidariedade não se estenda às dalits, às minorias e às mulheres adivasi. A minha experiência é que quando me referi a Soni Sori e Nilofer Aasiya nas manifestações ouvi gritos de vergonha – um clamor de facto - de milhares de pessoas...
Efetivamente, existe uma campanha (principalmente do governo de Delhi, da polícia e do “Times of India” contra os trabalhadores migrantes e os habitantes dos bairros mais pobres. Mas porque havemos de supor (como Arundhati parece fazer) que todos os manifestantes nas ruas acusavam os pobres?
Artigo de Kavita Krisnan, secretária-geral da Associação Progressista de Mulheres da Índia (AIPWA), publicada em links.org.au, traduzida para espanhol por Gustavo Buster parasinpermiso.info. Tradução para português de Carlos Santos para esquerda.net

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