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sexta-feira, 24 de maio de 2013

A ciência e a redução da idade penal

Correntes antagônicas sobre a mudança na lei recorrem à ciência para fomentar seus argumentos
[Jornal da Ciência] A retomada da discussão sobre maioridade penal, movida pelas recentes notícias de crimes brutais cometidos por menores de idade, tem dividido a opinião de juristas, jornalistas, políticos e da sociedade em geral. Neste debate, invocam-se recorrentemente as ciências que estudam o comportamento humano, como a neurologia, a psicologia e a psiquiatria, para ajudar a resolver impasses. As pesquisas nestas áreas e a opinião de diferentes membros da comunidade científica têm fomentado os argumentos de quem é contra e de quem é a favor da mudança na lei.
Diferenças neurobiológicas, somadas às diferenças psicológicas, antropológicas e sociais, embasam os artigos 228 da Constituição, 27 do Código Penal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De acordo com esses dispositivos legais, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, que sujeitam-se às normas da legislação especial. Inimputável é um termo jurídico que caracteriza a pessoa que será isenta de pena em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, pois não é capaz de entender o caráter ilícito do fato por ela praticado.
Dentre os critérios que determinaram a incapacidade penal de menores de 18 anos, estão pesquisas sobre a região do cérebro denominada córtex pré-frontal. “Diferentes estudos indicam que comportamentos tipicamente humanos, como a tomada de decisão lógica e capacidade de articulação de estratégias, são funções relacionadas ao córtex pré-frontal.”, explica André Frazão Helene, neurocientista da USP. “Se observarmos seu desenvolvimento, veremos que há um aumento do volume dessa área durante a adolescência, mostrando que ele não está totalmente formado até então. Também parece haver uma estruturação fina da conectividade dos neurônios. Por essa razão, se pode dizer que adolescentes têm um padrão diferente de atribuições de valores para a tomada de decisões, quando comparado a adultos, em função das diferenças neurobiológicas”
Para o psiquiatra Guido Palomba, no entanto, a legislação peca pelo maniqueísmo ao delimitar uma idade fixa de transição entre a imputabilidade e a inimputabilidade penal. “Na natureza não existe esse maniqueísmo. Os neurônios cerebrais amadurecem aos poucos”, afirma o médico. Por isso, ele propõe uma alternativa para a legislação: a implantação da “semi-imputabilidade” dos 12 aos 18 anos, que corresponderia à redução da pena do infrator. “Tanto o adolescente como a criança devem ser punidos, com penas adequadas à faixa etária. Educação se faz com castigo e prêmio”, avalia Guido.
Pesquisa de opinião – A punição de menores de 18 anos é o que esperam 93% dos paulistanos, que disseram concordar com a redução da maioridade penal para 16 anos na pesquisa Datafolha de 2013. A mesma pesquisa foi realizada em 2003 e 2006, apontando para 83% e 88%, respectivamente, de aprovação à medida. O levantamento de 2013 aconteceu em 15 de abril, seis dias depois do assassinato do universitário Victor Hugo Deppman por um adolescente de 17 anos, durante assalto na frente do condomínio onde morava.
Pesquisa do DataSenado, divulgada em abril de 2012, apontou que 87% dos brasileiros acham que um menor de idade que comete um crime deve ser punido como adulto. As entrevistas foram realizadas com moradores de 119 municípios espalhados pelas cinco regiões do país. A pesquisa também indicou que essa porcentagem diminui conforme aumenta a escolaridade do entrevistado. Nas regiões Norte e Sudeste, a porcentagem aumenta para 88%.
“É um tema que volta circunstancialmente, quando acontece algo grave e, particularmente, quando os crimes envolvem classes sociais diferentes”, aponta Maria de Lourdes Trassi Teixeira, psicóloga e doutora em serviço social. Para ela, a cadeia não resolve o problema do envolvimento dos jovens com a criminalidade, e sim a educação e garantia de direitos. “O adolescente está em fase de formação da identidade, subjetividade, como pessoa e cidadão. Não que ele deva ser tratado como coitado ou vitima, ele deve ser responsabilizado. Mas devemos ser muito criteriosos, pois as intervenções podem ter consequências. Que elas tenham também um aspecto educacional”.
Psicólogos contra a redução – Com a mesma percepção, o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB) relançou a campanha “10 razões da psicologia contra a redução da maioridade penal”. A declaração foi assinada por 18 instituições, dentre elas o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Federação Nacional de Psicólogos (Fenapsi). “A adolescência é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa”, diz o primeiro ponto enumerado no documento.
Isso não quer dizer que não haja divergências de opiniões entre os profissionais e estudiosos da psicologia sobre o tema. O psicanalista italiano Contardo Calligaris posicionou-se a favor da redução da maioridade penal no Brasil, em artigo publicado na Folha de São Paulo no dia 18 de abril. “Queremos que as crianças nos apareçam como querubins felizes como nós nunca fomos e nunca seremos. Por isso, preferimos imaginar que os jovens sejam naturalmente bons. Quando eles forem maus, atribuímos a culpa à sociedade e a nós mesmos”, disse ele no artigo. “Tendo a pensar o contrário: as crianças podem ser simpáticas, mas são más (briguentas, possessivas, invejosas, mentirosas, ingratas etc.); às vezes, elas melhoram crescendo, ou seja, a cultura pode civilizá-las (ou piorá-las, claro)”, completou.
Maioridade penal no mundo – Segundo levantamento da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, o Brasil não destoa de grande parte das outras nações do mundo sobre a idade estipulada para a maioridade penal. Dos 54 países analisados, 79% adotam a responsabilidade penal absoluta aos 18 anos ou mais. É o caso da Argentina, Peru, China, Finlândia, México e França.
O documento esclarece a “confusão conceitual” veiculada na imprensa e redes sociais. Muitos países têm uma legislação específica de responsabilidade penal juvenil que equivalem às sanções previstas no ECA aos menores infratores. A diferença é que o direito brasileiro não menciona a expressão penal para designar a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade.
Esta matéria está na edição número 737 do Jornal da Ciência, que pode ser acessada pelo seguinte endereço: http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC737.pdf

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