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segunda-feira, 24 de junho de 2013

“CURA GAY”: INCONSTITUCIONALIDADE E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Em clara contraposição ao seu encargo e missão, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 234/2011 que propõe sustar “a aplicação do parágrafo único do art. 3º e o art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual”.
Afrontando resolução da Organização Mundial de Saúde que há muito desmistificou o caráter preconceituosamente patológico legado à homossexualidade, contrariando os inúmeros documentos internacionais em matéria de direitos humanos que encravam a igualdade e vedação da discriminação, bem como aos dispositivos constitucionais fundamentais aplicáveis à espécie, o Projeto, de autoria do Deputado João Campos (PSDB/GO), foi aprovado na referida Comissão, tendo recebido apenas um voto contrário do deputado Simplício Araújo (PPS-MA).

 A absurda aprovação é apenas um reflexo da composição da Comissão de Direitos Humanos sob a presidência do Deputado Marco Feliciano (PSC/SP) que, publica e expressamente, manifesta-se contrariamente aos direitos de diversos grupos vulneráveis, confundindo suas razões religiosas com argumentos supostamente aptos a justificar ações de Estado – laico, convém sempre repisar!

A admissão e concordância legados pela Comissão da Casa Legislativa nesta votação bem demonstram que esta não possui aptidão para compreender o tema de seu mandato, qual seja: direitos humanos.

Os direitos são construídos historicamente, frutos de dinâmicas sociais, produzidos a partir destas "em defesa de novas liberdades contra velhos poderes", frutos de uma "racionalidade de resistência". É nesse influxo que os direitos humanos avultam como um “contrapoder” que marca o processo constante de lutas contra a lei do mais forte. Essa perspectiva combina com a tônica dos direitos humanos que visam equilibrar as relações assimétricas de poder. São, portanto, “trunfospoderosos” – majoritários, mas, sobretudo, contramajoritários – da luta pela construção de uma sociedade (mais) materialmente inclusiva.

É todo esse legado de luta pelos direitos humanos que descarta a referida Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados quando endossa projeto legislativo que desconsidera uns sujeitos em detrimento de outros por variação natural da sexualidade humana.

Já há muito descartou-se o preconceituoso rótulo de doença à homossexualidade que passou a ser compreendida como orientação sexual conformadora da identidade pessoal dos sujeitos. Neste influxo, ainda que tardiamente, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia, por meio da resolução nº 001/99, proibiu a terapia de alteração da orientação sexual. É justamente esta resolução que o projeto de decreto legislativo pretende alterar.

A aprovação da referida Comissão rompe com a herança da Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a Constituição da República vigente ao entrever a diferença como minus desabonador da plena condição de sujeito de direitos. Esta postura não combina com o idioma dos direitos humanos!

Tal postura afronta ainda o princípio democrático, pois em nome da representação da sociedade brasileira, os Deputados da Comissão de Direitos Humanos impõem a uma minoria um modo de vida particular, específico, pretensamente desejado pela maior parte da população que eles dizem representar. Oras, se a democracia é o melhor método para se tomar decisões imparciais de índole coletiva, então a resposta intuitiva é que tal postura seria possível, porque é proposta pelos representantes do povo, tem respeitado os ritos procedimentais exigidos e, assim, seria possível obrigar uma minoria a adotar um determinado modo de vida escolhido pela maior parte da população – o de que a homossexualidade é doença e pode ser curada.
Entretanto, essa postura tem uma contradição interna importante – se a democracia é, justamente, o processo que impede que um indivíduo imponha sua vontade pessoal sobre os demais em relação a um assunto que importe a todos, consequentemente, é inaceitável que a comunidade imponha a alguns de seus membros decisões que têm a ver com planos de vida individuais. Se essa postura fosse admitida, acabaria por implodir o fundamento da própria democracia – a liberdade de cada indivíduo em se autogovernar e ser tratado com igual respeito e consideração em relação aos demais.

Na fala dos direitos humanos e da democracia, o linguajar não pode ser outro que não o da alteridade, pois, somente à luz deste enfoque permite-se que as diferenças não se inibam e saiam à luz. Nesse sentido, sublinhamos a sempre presente lição de Boaventura de Sousa Santos: “temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

A garantia da igualdade, também compreendida como inclusão e reconhecimento das diferenças, é condição elementar para o pleno desenvolvimento dos direitos humanos e da democracia.

Assim sendo, se há algo que necessita de “cura” não é a orientação sexual variante natural e própria da singularidade de cada ser humano, mas sim o preconceito e a intolerância que a atual composição da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados replica em seu ato de aprovação do referido projeto legislativo que é inconstitucional porque violatório do direito humano mais básico que é o de simplesmente ser – aí compreendidas todas as características que definem a essência humana.



Manifesto redigido pelo Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia  da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

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