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terça-feira, 16 de julho de 2013

Fracassou o modelo neoliberal-assistencialista no Brasil?

Quando Lula chegou ao poder, o PT assumiu as restrições que impõe o neoliberalismo a um projeto de desenvolvimento económico e social. Agora, que explodem as contradições, tem de aguentar as consequências do descrédito da crise.
Depois de longos anos de gestão do modelo neoliberal, explodem as contradições. Foto de Drago/SelvaSP
As manifestações no Brasil deram origem a um debate de grande atualidade. As posições polarizaram-se e a direita continental utiliza as manifestações para anunciar o fracasso do modelo populista brasileiro. A derrocada nos níveis de popularidade de Dilma Rousseff avivou as esperanças da direita a recuperar a Presidência em 2014. O primeiro impulso da esquerda consiste em assinalar os bons resultados económicos do programa do Partido dos Trabalhadores desde a vitória de Lula em 2002.
A manobra política da direita passa por capitalizar a ideia do falhanço do modelo económico do PT. Os termos do debate são os que convêm à direita. A sua ofensiva baseia-se na falsificação: apresenta como populista ou de esquerda utópica uma estratégia de política económica que no fundo conservou os elementos medulares do neoliberalismo e somente acrescentou uma política social reforçada. A falsificação nestes termos tem uma enorme desvantagem para o PT e os seus amigos. O PT teve de suportar longos anos de gestão do modelo neoliberal e agora, que explodem as contradições, tem de aguentar as consequências do descrédito da crise.
Quando Lula chegou ao poder político, a estratégia do PT aceitou a arquitetura do neoliberalismo: abertura financeira e uma férrea disciplina fiscal para gerar um enorme superávit primário (para pagar as pesadas cargas financeiras). Eram os anos seguintes à crise do neoliberalismo promovido por Fernando Henrique Cardoso e os seus aliados no FMI e nos Estados Unidos. Lula aceitou a pretendida autonomia do Banco Central e designou como seu governador Henrique Meirelles, até então presidente do International Bank of Boston, um dos principais credores do Brasil. O PT também não quis fazer marcha atrás no grande tema das privatizações e opôs-se às ocupações de terras lançadas pelo Movimento dos Sem Terra. Em síntese, o PT assumiu as restrições que impõe o neoliberalismo a um projeto de desenvolvimento económico e social.
Houve uma importante exceção no esquema do PT: a política de salários e os programas. Sob os governos do PT, os salários começaram a crescer e a recuperar alguma coisa do que tinham perdido nas décadas anteriores. Muito se fala das políticas de tipo assistencialista, como o programa Bolsa Família, mas o maior impacto no combate à pobreza veio sem dúvida do aumento dos salários.
O coeficiente de Gini, o indicador de desigualdade mais utilizado, passou de .599 a .539 entre 1995 e 2009. Para um período de 14 anos não é o mais espetacular, mas não deixa de ser um ganho importante. O componente de política económica que mais impacto causou nesta evolução da desigualdade foi o aumento dos salários nos últimos dez anos. Mas como se pode observar no meu artigo anterior, a política fiscal é muito pouco progressiva e contribui para explicar a lenta evolução da luta contra a desigualdade. O aumento dos salários não foi suficientemente forte e hoje está em risco de voltar atrás.
A grande pergunta é se os resultados do esquema brasileiro são sustentáveis e permitiriam continuar a melhorar. A resposta é muito provavelmente em sentido negativo.
O crescimento da economia brasileira nos últimos seis anos foi impulsionado pelo boom mundial dos produtos básicos (commodities). A procura proveniente da China e da Índia, bem como o impacto da especulação financeira nos mercados de futuros de alguns destes produtos, foram o motor deste processo. Isto permitiu ao Brasil manter uma posição folgada no sector exportador.
No entanto, é bem sabido que apoiar-se num setor primário exportador não equivale a criar o motor de crescimento necessário para um bom processo de desenvolvimento. Pelo contrário, o setor exportador impulsionado por um modelo de agronegócios que fomenta a concentração de terras e o endividamento das famílias camponesas implica também um extraordinário custo ambiental. O melhor exemplo é o da soja transgénica que provocou o desastre no cerrado brasileiro, com a expulsão da pequena agricultura numa zona gigantesca e a deslocação da criação de gado para a zona de Amazónia legal.
O PT e a esquerda latino-americana devem abrir os olhos diante das evidências. O modelo neoliberal não pode conduzir ao desenvolvimento económico e social. Simplesmente não está desenhado para esse objetivo.
As economias capitalistas são intrinsecamente instáveis. Mas, além disso, o modelo neoliberal de abertura financeira e comercial distorce profundamente o papel das variáveis chave de qualquer economia capitalista, começando pela taxa de juros e o tipo de câmbio. Estas distorções constituem um grande obstáculo para o investimento produtivo e para o crescimento. Não é possível mitigar o dano destas distorções numa sociedade com uma política social que não toque nos pilares do neoliberalismo. O que está a fracassar no Brasil é, uma vez mais, o neoliberalismo.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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