Irmã de sobrevivente da Candelária relata infância violenta - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

terça-feira, 23 de julho de 2013

Irmã de sobrevivente da Candelária relata infância violenta

Há vinte anos Patrícia de Oliveira viu pela televisão o relato de Wagner dos Santos, um dos adolescentes sobreviventes do violento episódio que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”. No depoimento do jovem de 19 anos, ela encontrou também a sua história. Wagner era o irmão que ela havia perdido contato ainda criança.
No dia 23 de julho de 1993 mais de 70 crianças dormiam nas proximidades de uma das igrejas mais imponentes da cidade do Rio de Janeiro, quando foram surpreendidas por tiros efetuados por policiais. A ação criminosa deixou oito mortos, entre eles sete menores.
Após duas décadas dos assassinatos, nenhum dos condenados cumpre pena. O ex-policial Marcos Vinícius Emmanuel condenado por homicídio qualificado atualmente é considerado foragido. Nelson Oliveira dos Santos, que confessou o crime, e Marco Aurélio Dias Alcântara haviam sido condenados a penas superiores a 200 anos, mas foram beneficiados por indultos e hoje estão em liberdade.
O quarto acusado, Arlindo Afonso Lisboa Júnior, foi condenado a dois anos por ter em seu poder uma das armas utilizadas no crime. Maurício da Conceição, conhecido como Sexta-Feira 13, e que seria o líder de um grupo de extermínio, foi assassinado antes de ser julgado.
Em entrevista à Radioagência NP, a irmã de Wagner, Patrícia de Oliveira, destaca que o garoto sobreviveu à Chacina da Candelária e a um segundo atentado, sofrido em 1994, na Central do Brasil. Principal testemunha dos crimes, Wagner atualmente vive na Europa. Ele perdeu a visão de um olho, a audição e sofre de uma doença causada por envenenamento por chumbo.
Ouça a entrevista
Radioagência NP: Patrícia, como você soube da chacina? E qual foi sua reação?
Patrícia de Oliveira: Na época, eu não sabia que meu irmão era o Wagner. Eu acompanhava, mas não sabia. Depois de uma entrevista que ele deu para uma emissora, que ele contou a história da vida dele foi que a gente se reencontrou.
Radioagência NP: Existe muita especulação sobre o que ocorreu naquele dia. Qual é a versão do Wagner?
PO: Ele conta que ele foi abordado, ele estava na Rua Dom Gerardo. Ele estava indo comprar cigarros e mais atrás viam mais dois meninos. E aí, passou um carro e depois esse carro voltou, abordou esses dois meninos e aí depois abordou ele. Colocaram ele dentro do carro e aí começou uma discussão entre o Emmanuel e um outro policial. Ele já estava com uma arma apontada para cabeça e aí ele só sentiu o disparo. E aí, ele desmaiou. O primeiro tiro foi na cabeça dele. Ele levou quatro tiros nesse dia. Ele levou quatro tiros na Candelária e quatro tiros depois no segundo atentado [na Central do Brasil].
Radioagência NP: Fale um pouco sobre a infância de vocês.
PO: Meus pais tinham problema de alcoolismo quando eu era pequena, e quando eu nasci os meus pais me deram para minha mãe adotiva. Antes de eu nascer, meus pais já tinham dado minha outra irmã, que é mais velha do que eu para essa mesma minha mãe. E aí, um dia minha mãe estava com o Wagner, e com uma outra irmã minha, em Acari, porque ela morava ali. Ela foi atravessar a Avenida Brasil, ali em frente ao Ceasa, e ela morreu atropelada junto com essa outra minha irmã. E o Wagner estava junto, o carro bateu neles e jogou eles longe. E depois disso meu pai foi morar com algumas pessoas e levou o Wagner e essas pessoas batiam muito nele. E aí, um dia a vizinhança chamou a polícia e ele foi parar na Funabem [Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor] porque ele estava desnutrido, estava com o braço quebrado. Nessa época, ele tinha 6 anos. Então assim, a vida dele desde criança foi bem violenta e bem complicada.
Radioagência NP: Os sobreviventes e familiares receberam alguma assistência?
PA: A maioria das pessoas da Candelária que entraram com indenização civil perdeu. Ninguém recebeu indenização não. Em 1998, meu irmão entrou com uma ação na Comissão Interamericana na OEA [Organização dos Estados Americanos] e aí se começou uma solução amistosa. Em 2001, o governador Anthony Garotinho resolveu criar uma lei para indenizar tanto Vigário quanto Candelária porque os dois tinham entrando em 1998 na Comissão Interamericana. Então assim, financeiramente meu irmão recebe dois salários mínimos do governo do estado. É isso que o governo de estado dá de ajuda para ele.
Radioagência NP: Nenhum dos envolvidos está preso, não cumpriram a pena total que deveriam. Por que você acha que isso acontece?
PO: Bem, está na lei de que quando você está preso você tem direito a progressão de regime. O que é ruim é porque eles eram servidores do estado, eles estavam representando o estado. Então, isso acaba dando um certo aval para que outros policiais façam isso. Porque depois de Vigário e Candelária muitos outros policiais foram indiciados por assassinato ou tem casos que ainda vão ser julgados, e isso acaba dando um aval. Como já foi a história dos auto de resistência: quem “reagiu” a prisão o policial podia matar. E muita gente morreu assim. Então essas coisas que não deveriam acontecer.
Radioagência NP: Qual a relação você faz da postura dos policiais naquela época e agora?
PO: No Rio de Janeiro pouca coisa mudou daquela época para agora. O que mudou um pouquinho é que a polícia não entra mais tanto na favela matando como entrava, mas ela ainda entra matando. Depois de muitas organizações, depois de muitas manifestações e reivindicação, isso deu uma certa parada, mas ela [a polícia] continua entrando. Principalmente, porque eles acham que morador de favela não é cidadão, não merece viver. Têm muitas coisas que acontecem nas comunidades. Por exemplo, agora tem as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras).
Radioagência NP: Qual o problema das UPPs?
PO: A UPP também desrespeita os moradores porque são policiais também. Porque quando eles inventaram na UPP era para que policiais novos tivessem uma convivência com a população e para eles não virem com o chamado “ranço”, porque os antigos tinham muito ranço. Mas a formação deles é feita por policiais antigos, então eles vem com ranço, sim. Tem uma pessoa que foi abordada por policiais da UPP da Rocinha e está desaparecida, que é o Amarildo [Amarildo de Souza]. Se ninguém encontrar o corpo dele, não tem corpo, não tem crime, acabou. Porque Acari foi assim, se não tem corpo não tem crime.
De São Paulo, da Radioagência NP, Daniele Silveira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages