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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

“Forças Armadas do Egito não querem a democracia”

Em entrevista à Carta Maior, o egípcio Omar Ashour, professor da Universidade de Exter, analisa o impasse político que vive o seu país, após o golpe militar que derrubou o governo de Mohammed Morsi. Para ele, as forças armadas egípcias não aceitam um controlo democrático e estão dispostas a fazer o que for preciso para permanecer no poder. “O atual governo com civis com doutoramento e PhD foi nomeado pelos militares e só fará o que os militares disserem. Se houver um confronto eles serão afastados”, diz Ashour. Por Marcelo Justo, de Londres.
Omar Ashour: Falou-se de eleições em seis meses, depois em nove meses. Isso não importa, na verdade. As forças armadas não estão dispostas a implementar a democracia.. Captura de ecrã da Al Jazeera
A exortação do governo egípcio aos seguidores do ex-presidente islâmico Mohammed Morsi para que deixem as praças de Raba el-Adawiya e el-Nahda, ocupadas na capital Cairo, não deram muito resultado. Milhares de pessoas continuam a somar-se aos protestos convocados para conseguir a libertação do presidente Morsi, derrubado num golpe de Estado no mês passado. Para o governo civil instalado pelo golpe militar, os militantes islâmicos reunidos na Irmandade Muçulmana podem integrar-se ao diálogo e à democracia participando das eleições prometidas, primeiro para seis meses e, depois, para nove. O massacre do fim de semana, quando as forças de segurança mataram 80 manifestantes, não contribuiu para aproximar posições.
O secretário geral da ONU, Ban Ki Moon, pediu a libertação de Morsi enquanto a responsável pela política externa da União Europeia, Catherine Ashton, perfila-se como uma possível mediadora depois do seu encontro esta semana com o ex-presidente. A Carta Maior conversou com o autor de “A desradicalização dos Jihadistas” e professor da Universidade de Exter, o egípcio Omar Ashour, sobre as perspetivas de uma solução do impasse.
O governo pediu que os manifestantes abandonassem as praças. Há alguma possibilidade de eles atenderem esse pedido?
Não creio. Não há confiança mútua para uma solução deste tipo. Na Irmandade Muçulmana sempre se lembra o que aconteceu nos anos 50 quando se prometeu, em troca de uma desmobilização, a convocação de eleições, e, ao invés disso, ocorreram prisões massivas de dirigentes e militantes para tentar desarticular o movimento. A esta memória histórica acrescentam-se, certamente, os massacres dos últimos dias. De modo que, para os manifestantes, não resta outra coisa que continuar a protestar.
Um novo massacre é inevitável, então?
Depende de duas coisas. Primeiro, da magnitude da manifestação. Se se mantiverem os números atuais é impossível, salvo que se cometa um massacre muito maior com o assassinato de centenas de pessoas. O segundo fator é a comunidade internacional. Se ficar claro que outro massacre não será tolerado e que haverá consequências sérias, creio que isso poderá evitar uma nova matança porque os generais querem continuar a visitar a Europa com as suas famílias.
No momento, a reação do mundo desenvolvido tem sido ambígua e tímida, se comparada com a reação que houve em relação às manifestações na Turquia contra o governo de Recip Tayyip Erdogan. Os Estados Unidos negaram-se a qualificar o que ocorreu no Egito como um golpe de Estado, o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair praticamente justificou o golpe pela incompetência do governo islâmico. Há alguma razão para pensar que há uma forte pressão da parte destes países?
Creio que há uma forte pressão não pelo amor à democracia ou à liberdade, mas sim porque estão preocupados que haja uma deterioração da situação que termine provocando uma série de fenómenos que o Ocidente não deseja, como um massivo êxodo de refugiados ou a radicalização de muitos setores frente ao que é a mensagem básica deste golpe de Estado, ou seja, que as eleições não garantem direitos. A mensagem hoje não só no Egito, mas também na Tunísia ou na Síria, ouvida pelos jovens e adolescentes, é que só as armas contam para ter o poder nas mãos. Há também, é claro, uma preocupação de como tudo isso vai afetar os investimentos ocidentais.
O Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, pediu às autoridades que evitem o abismo e a chefe da política exterior europeia Catherine Ashton fez um apelo pelo diálogo. É possível este diálogo?
A possibilidade existe, mas necessita de muita pressão porque o exército acredita que pode superar esta situação com a mera força das armas. Sem a intervenção da comunidade internacional, sem os meios de comunicação a expor o que está a acontecer, os militares não terão escrúpulos para executar todos os massacres necessários para consolidar-se no poder. Tem todo o poder de fogo necessário para fazê-lo. O outro lado, o dos manifestantes, sente-se vitimizado. Ganharam as eleições e um golpe de estado atropelou suas esperanças. Os manifestantes sentem que agora estão à mercê dos generais e que a única coisa que resta é resistir nas praças.
O panorama complica-se um pouco pelo facto de que os militares chegaram ao poder com um forte apoio civil que incluía muitos grupos revolucionários seculares que tiveram um papel fundamental na queda de Hosni Mubarak. Quem apoia hoje o governo civil nomeado pelos militares?
Simplificando, pode-se dizer que há quatro grandes atores nas forças que provocaram a queda do governo de Morsi. O exército, a polícia, os chamados “felol”, remanescentes do regime de Mubarak, e as forças revolucionárias não islâmicas. Os dois primeiros constituem as armas.
Os “felol” têm muito dinheiro, poder mediático e laços com o Estado. Os revolucionários têm poucos recursos, mas um entusiasmo ilimitado. Eu estava entre esse grupo em setembro de 2011 quando a palavra proibida era “governo militar”. Este grupo passou a apoiar os militares pela incompetência do governo de Morsi, pelas expectativas frustradas de uma mudança nas forças de segurança ou da justiça, que levou Morsi não só a não prender e evitar que os polícias torturassem e matassem manifestantes, como a conceder tudo o que o exército pedia.
Os “felol” e a polícia estavam mais do que dispostos a aproveitar esse descontentamento dos setores revolucionários que terminou com a anulação de 14 rodadas eleitorais, dois referendos e uma constituição. Os vencedores de todas estas eleições estão agora na prisão.
É possível uma guerra civil no Egito?
No momento parece uma possibilidade muito remota porque, para isso, é preciso não só a polarização, mas também uma divisão nas forças armadas formando dois grupos com um certo equilíbrio de poder de fogo. Isso não existe agora, Uma das partes tem todo o poder de fogo, a outra tem só o seu poder de mobilização.
O atual governo tem uma agenda que inclui a realização de eleições. Vê alguma possibilidade de avanço por este caminho?
Não creio que isso ocorra. Quem quer a democracia não faz um golpe de estado que é, por definição, um ato de violência. O governo de Morsi era incompetente, mas era possível deixar que a própria dinâmica democrática solucionasse a situação, evitando este nível de conflito e derramamento de sangue. O atual governo com civis com doutorado e PhD foi nomeado pelos militares e só fará o que os militares disserem. Se houver um confronto eles serão afastados. Na Argélia, a repressão e as mortes ocorreram dois anos depois do golpe de Estado. No Egito, está a ocorrer poucos dias depois. Falou-se de eleições em seis meses, depois em nove meses. Isso não importa, na verdade. As forças armadas não estão dispostas a implementar a democracia.
São dois anos de Primavera Árabe. Hoje parece que a experiência encontra-se no seu pior momento, não só no Egito, mas também na Tunísia e num processo diferente, mas paralelo, como o da Líbia. O que aconteceu?
Existem vários problemas. Um deles é que os regimes não aceitaram a derrota e procuraram boicotar a passagem para a democracia. O segundo é que os governos surgidos das eleições foram incompetentes, não puderam evitar a polarização e a sua retórica não ajuda. Em terceiro lugar, as forças armadas não aceitam o controlo democrático. Fala-se muito da polarização entre forças seculares e religiosas. Mas isso também tem sido exagerado por ambas as partes que têm usado essas divisões ideológicas como consignas políticas para mobilizar, ao invés de terem um diálogo genuíno.
Tradução de Marco Aurélio Weissheimer para a Carta Maior

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