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sábado, 24 de agosto de 2013

Grécia : A troika transforma a recessão em depressão. Salvamento ou afogamento?

A paisagem da Grécia é catastrófica e alarmante para o resto da Europa. Os credores transformaram a recessão numa depressão e a Troika (UE - FMI - BCE) ensombra cada vez mais a situação. Artigo de Jérome Duval, publicado no CADTM.
Seis anos de recessão, a queda dramática do PIB de 231 mil milhões, em 2009, para 193 mil milhões de euros, em 2012, uma taxa de desemprego de 27% (passa de 7,5% para 26,9% entre o segundo trimestre de 2008 e abril de 2013), de 57% para os cidadãos com menos de 25 anos, e uma explosão de suicídios... a paisagem da Grécia é catastrófica e alarmante para o resto da Europa. Como na Argentina, em 2001, as crianças desaparecem dos bancos da escola por falta de alimentação. Há um aumento dos casos de HIV, numa altura em que os gastos com a saúde caíram mais de 20% em dois anos (passaram de 7,1% do PIB, em 2010, para 5,8%, em 2012). Entretanto, o partido nazi Aurora Dourada, com representação parlamentar, aproveita a decadência social para espalhar o ódio. Os credores transformaram a recessão numa depressão e a Troika (UE - FMI - BCE) ensombra cada vez mais a situação.
A nova solução do FMI para salvar o seu plano
Todo o trabalho da troika é feito com base numa taxa de dívida pública de 124% do PIB, em 2020. Acreditando que tudo se desenrolará de acordo com esse objetivo irrealista, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aplica-se a retificar o tiro para manter a linha de mira. Deverá a população grega aceitar um horizonte macroeconómico, que não tem minimamente em consideração o seu bem estar?
Esquecido o entusiasmo em relação à redução do défice externo, o último relatório do FMI sobre a Grécia, divulgado no final de julho de 2013, confirma que a população grega vive estrangulada pelo peso duma dívida pública, que não pára de aumentar. A redução conseguida em 2012, situando a dívida "apenas" nos 156,9% do PIB, contra os 170,3% do ano anterior, é totalmente anulada por uma taxa que ronda, em 2013, os 176% do PIB[i].
Embora reconhecendo, por meias palavras, a sua derrota clamorosa na Grécia, a instituição de Washington reafirma ter a solução... Com base em previsões de crescimento, que estão constantemente a ser revistas em baixa, o cenário "otimista" baseia-se numa recuperação imaginária das exportações, do investimento e do consumo, com o objetivo de atingir a famosa meta da dívida de 124% do PIB, em 2020, antes de chegar aos 110%, em 2022, a verdadeira obsessão do FMI. No entanto, essa taxa da dívida pública será, apenas, ligeiramente inferior à taxa alcançada, onze anos antes, em 2009, quando se situava nos 129,7% do PIB. Tudo previsões com base em suposições, portanto!
É do conhecimento público que as políticas económicas, implementadas, há três anos, pela troika, têm falhado de forma escandalosa, sufocando cada vez mais a população. O FMI deverá, no entanto, encontrar novas fontes de financiamento, para além daquelas já previstas no seu plano de austeridade (receitas de privatizações, redução de despesas através de cortes nos gastos sociais, etc.), para que o país possa pagar aos credores. De facto, o FMI estima que as finanças públicas da Grécia vão precisar, em 2014 e 2015, de mais cerca de 11 mil milhões de euros para satisfazer as suas necessidades de financiamento. Mais precisamente de 4,4 mil milhões de euros, no final de 2014, e de 6,5 mil milhões, em 2015. O Estado é obrigado a pagar aos credores que concederam linhas de crédito astronómicas, quaisquer que sejam os resultados.
Mas há mais: de acordo com o FMI, será necessária uma nova redução parcial da dívida pública grega, dentro de dois anos, para que a dívida possa baixar, como planeado pela instituição, até aos 124% do PIB, em 2020. Essa redução seria da ordem dos 4% do PIB, ou seja, cerca de sete mil milhões de euros, a cargo dos parceiros europeus. Claro e como de costume, fazendo com que as medidas propostas garantam o sucesso do dito "resgate". Para além da troika e do governo grego, quem é que ainda acredita na sua eficácia?
Golpe de teatro e chamada à ordem
Em 29 de julho de 2013, o comité executivo do FMI reúne-se para aprovar o pagamento de uma nova tranche de 1,72 mil milhões de euros (2,27 mil milhões de dólares) à Grécia. Uma das condições do empréstimo é a implementação de um plano de redução do setor público, que permite o despedimento de 4.200 funcionários públicos[ii]. Episódio inesperado, o brasileiro, Paulo Nogueira Batista, que representa 11 países, na sua maior parte, da América Central e do Sul[iii], abstém-se. "Os recentes desenvolvimentos na Grécia confirmam os nossos piores receios. (...) A implementação [do programa de reformas] foi decepcionante em quase todas as áreas. As estimativas de crescimento e sustentabilidade da dívida foram demasiado otimistas, disse.
Apesar de o voto de 11 países em desenvolvimento da América Central e do Sul não alterar a correlação de forças em relação aos Estados Unidos, que mantêm o seu poder de veto desde a criação da instituição – os países em causa possuem apenas 2,61% do poder de veto, contra os 16,75% dos Estados Unidos - o caso abanou a habitual sonolência que caracteriza as reuniões. O ministro brasileiro das Finanças, Guido Mantega, deu garantias à diretora do FMI, Christine Lagarde, em relação ao sucedido: a situação não voltará a acontecer, o Brasil apoia o FMI, o representante brasileiro não foi mandatado para se abster[iv].
O ministro interpelou “de imediato” o seu representante no sentido de justificar o sucedido... Em vez de ter adotado uma atitude de submissão, incidente diplomático à parte, o Brasil, se o governo quisesse, poderia ter enfrentado o FMI, na medida em que não lhe deve nada. De notar que a abstenção interessada de ​​Paulo Nogueira Batista refere o receio de a Grécia não reembolsar o empréstimo concedido pelo FMI e não um desejo de justiça e de ajuda desinteressada à Grécia.
Um salvamento… até ao afogamento?
Convém compreender que a troika, com o seu "resgate" à Grécia, quer, na realidade, impor uma cura liberal radical, endividando cada vez mais o Estado com o objetivo de silenciar definitivamente os poderes públicos. Assim, esta nova tranche do FMI faz parte de um plano mais alargado de endividamento da Grécia em relação a troika. De facto, a Grécia recebeu, a 31 de julho, uma tranche de 4 mil milhões de euros, concedida pelas autoridades europeias: 2,5 mil milhões de euros concedidos pela zona euro através do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e um empréstimo de 1,5 mil milhões, que vence em 2048, concedido pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), chamado a prazo a substituir o FEEF, gerado pelos bancos centrais dos países europeus, com o objetivo de restituir a Atenas os juros da dívida grega. Por outras palavras, uma parte dos juros que a Grécia pagou aos países da UE, no âmbito do memorando de 2010, ser-lhe-á restituída sob a forma de empréstimo. A Europa liberal será cínica ao ponto de cobrar juros sobre os juros pagos pela Grécia? Estes empréstimos são odiosos, porque, para além de violarem os direitos humanos, são remunerados a taxas muito elevadas (cerca de 5%). Quando a Alemanha e a França se financiam, a 10 anos, a 2%, enriquecem ao emprestarem a 5% à Grécia.
Na sequência do encerramento da televisão pública grega[v] descobre-se, entre as condições dos empréstimos, uma nova lei sobre a função pública, adotada a 18 de julho, poucas horas antes da visita a Atenas do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble - visita que transformou o centro de Atenas numa “terra de ninguém” vigiada pela polícia. Essa lei prevê o despedimento em massa de funcionários, violando abertamente a Constituição grega, e sacrifica milhares de funcionários que terão de trabalhar durante oito meses com salário reduzido, antes de aceitarem uma nova proposta salarial, sob pena de irem para a rua. Ao todo, 4.200 pessoas foram afetadas: policiais municipais, professores, auxiliares... Uma lei sobre a reforma do código tributário, adotada de urgência, a 25 de julho de 2013, complementa a lei aprovada em 18 de julho. Uma magra compensação foi, entretanto, conseguida pelo governo junto da troika : a redução temporária de 10 pontos na taxa do IVA sobre a restauração, 13% contra 23% há mais de um ano.
Além disso, entre outras medidas, a Troika pretende privatizar os serviços públicos de transporte de longa distância, as empresas de gestão de água e saneamento em Atenas (EYDAP) e Salónica (EYATH), a companhia do gás (DEPA), a maior empresa de refinação e distribuição de petróleo (ELPE, Hellenic Petroleum SA), a lotaria nacional, a organização grega de previsões de futebol (OPAP)...
Depois dos sucessivos fracassos na resolução da crise asiática (Tailândia, Indonésia e Coreia do Sul), em 1997, e noutros locais, o FMI continua a sua cruzada contra a soberania dos povos na Europa, onde a Grécia é o seu laboratório experimental. As últimas declarações do FMI, no sentido de reduzir as políticas de austeridade, não valem nada e, sob o pretexto de reduzir a dívida, a instituição de Washington está pronta para o pior, sob o olhar ávido do partido nazi grego. Para iniciar uma viragem em defesa do povo grego, é preciso anular a dívida da Grécia em relação à troika, porque é odiosa[vi]. É preciso anular também as outras dívidas ilegítimas e revogar todas as medidas antissociais impostas desde 2010. A troika, que mergulha a Grécia numa crise humanitária assassina, deve sair de cena o mais depressa possível.

Tradução: Maria da Liberdade

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