O petróleo é nosso, os seus segredos são da NSA - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O petróleo é nosso, os seus segredos são da NSA

A espionagem dos Estados Unidos contra a Petrobras reavivou a polémica sobre a abertura de capital da companhia, que desde a década de 1950 é símbolo da soberania brasileira. Artigo de Fabiana Frayssinet, publicado na IPS.
Foto: Divulgação Petrobrás/Abr
“O petróleo é nosso”, frase que nasceu com a descoberta de hidrocarbonetos durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e foi lema da Fundação da Petrobras em 1953, acompanhou o desenvolvimento do país. Mas ganhou força em 1997, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) decretou o fim do monopólio estatal e abriu o caminho para a participação privada na exploração, produção e refinamento do petróleo.
O lema voltou a ser bandeira quando a Petrobras descobriu milionárias reservas de hidrocarbonetos a 180 quilómetros de costa brasileira e a sete mil metros de profundidade, sob uma grossa camada de sal (pré-sal), em 2007. E foi-o novamente em 2009, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) decidiu substituir o modelo de concessão pelo de divisão da produção entre Estado e empresas privadas.
A Petrobras, uma sociedade anónima de capital aberto, tem atualmente o Estado como seu principal acionista, mas os seus segredos guardados a quatro chaves – como o volume de reservas ou a tecnologia de prospeção e exploração de petróleo e gás em águas profundas que desenvolveu – poderiam já estar nas mãos do governo norte-americano e dos seus aliados. Segundo revelações do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, a Agência Nacional de Segurança (NSA) do seu país espiou a maior empresa do Brasil e a quarta petroleira maior do mundo.
Documentos secretos de 2012, entregues a Greenwald pelo ex-contratado da NSA, Edward Snowden, sobre um programa para ensinar novos agentes a espiar redes privadas de computadores, mostravam a Petrobras no primeiro lugar de uma lista de alvos preferenciais. Esses documentos não indicam até que ponto a NSA decifrou informação secreta dos computadores da Petrobras, mas deslegitimam a explicação apresentada pela agência de espionagem diante de denúncias anteriores de que se imiscuía em mensagens privadas da população brasileira e da própria presidente Dilma Rousseff.
“Sem dúvida, a Petrobras não representa ameaça à segurança de nenhum país”, reagiu Dilma. “Porém, representa um dos maiores ativos de petróleo do mundo, um património do povo brasileiro”, destacou. A Petrobras fatura anualmente em torno de 67 mil milhões de euros. “Fica evidente que o motivo não é a segurança ou o combate ao terrorismo, mas interesses económicos e estratégicos”, acrescentou a presidente.
A vulnerabilidade dos segredos da companhia tira novamente do armário o lema do “nosso” petróleo, reavivando o debate a favor e contra uma maior abertura a capitais privados. Na polémica entra a licitação em outubro da Libra, uma jazida no campo de Santos, um dos mais ricos em hidrocarbonetos entre os descobertos na área pré-sal. Brasília teve que negar que a licitação para explorar essa área seria suspensa por medo de que informações divulgadas favoreçam empresas norte-americanas ou da Grã-Bretanha, com indicavam versões da imprensa.
“Somos contra qualquer licitação. Há tempos pedimos que não entreguem o nosso petróleo como fazemos aqui, e mais, num campo fabuloso onde não há risco porque já está explorado e tem capacidade confirmada de 12 a 15 mil milhões de barris”, disse à IPS o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras, Silvio Sinedino. As reservas estimadas do pré-sal são de 80 mil milhões a cem mil milhões de barris, suficientes para abastecer o país por 40 ou 50 anos, acrescentou.
Sinedino acredita que a “privatização” da Petrobras e das telecomunicações, que atribui ao governo de Fernando Henrique Cardoso, colocou o Brasil numa “posição mais vulnerável” também à espionagem. “Até nossas comunicações militares passam por satélites norte-americanos, obviamente controlados por agentes desse país”, afirmou o engenheiro.
Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, estima que a Petrobras seja espiada porque, “após 50 anos de monopólio”, “ninguém conhece como ela os segredos tecnológicos da exploração de petróleo em águas profundas”. “Número um” nessa área, “ninguém conhece mais a probabilidade maior ou menor de encontrar petróleo” do que a Petrobras, destacou. Segundo ele, é este conhecimento que desperta a cobiça em momentos de disputa de outros horizontes da área pré-sal em jazidas possíveis perto da costa africana.
Entretanto, é um “disparate” próprio do discurso “nacionalista extremista” aproveitar-se das revelações de espionagem para voltar a discutir a abertura da Petrobras, opinou Pires. “Há muito barulho e especulação sobre a espionagem, promovidos até por pessoas dentro do governo para alegar uma vez mais que os norte-americanos estão a apropriar-se da riqueza brasileira”, ressaltou. “O pré-sal é uma reserva muito grande e a Petrobras não pode explorá-la sozinha, com a sua escassa disponibilidade de efetivo. Necessitamos de empresas norte-americanas, suecas, britânicas, norueguesas ou australianas para converter as reservas em produção”, afirmou.
Tullo Vigevani, especialista político da Universidade Estadual de São Paulo (USP), não se surpreendeu com a notícia de suposta espionagem industrial, pois “a questão energética é um ponto central da política norte-americana”. O especialista disse à IPS que “se trata de um dos vetores que dinamizam a política em escala global. As informações são um elemento essencial. As novas descobertas no Brasil, especialmente na zona do pré-sal, exigem um acompanhamento fino”.
Além do pedido de explicações, já feito por Dilma Rousseff, Vigevani entende que a solução para defender interesses estratégicos é de “longo prazo”. Diante do que parece inevitável, concluiu que o Brasil deve investir mais no desenvolvimento da sua ciência e tecnologia, em “formas de autonomia, na produção de competências e em sistemas de maior imunidade” às invasões.

Envolverde/IPS, Rio de Janeiro, Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages