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sábado, 21 de setembro de 2013

Yasuní: o impasse do discurso ambiental

Ao desistir de proteger uma região de biodiversidade única, o Equador expôs a contradição entre a agenda preservacionista e a falta de vontade política para executá-la. Por Inês Castilho e Taís González.
Parque Nacional Yasuní, uma das regiões mais biodiversas da Amazónia e do mundo
O primeiro país da América Latina a adotar na sua Constituição os Direitos da Natureza e o princípio indígena do Bom-Viver, o Equador decretou o fim da Iniciativa Yasuní-ITT, projeto ambiental inovador que mobiliza a opinião pública dentro e fora do país. Em troca de compensação económica internacional, a Iniciativa propunha deixar indefinidamente intocados os campos de petróleo Ishpingo, Tiputini, Tambococha (ITT) do Parque Nacional Yasuní, uma das regiões mais biodiversas da Amazónia e do mundo.
“O mundo falhou connosco”, disse o presidente Rafael Correa em comunicado pela televisão dia 15 de agosto, anunciando o fim do Fundo Fiduciário da Iniciativa Yasuní ITT. A declaração disparou o alarme entre ambientalistas e indígenas, que querem uma consulta popular a respeito da decisão.
Declarado Parque Nacional em 1979 e Reserva Mundial da Biosfera dez anos depois, o Yasunícompreende 982 mil hectares da Bacia do Alto Napo (aproximadamente seis vezes a área do município de São Paulo), ao norte do país. O fracasso do projeto enfraquece a luta contra as mudanças climáticas, já que evitaria emissão superior a 410 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, e desafia o ânimo de ativistas que há anos se mobilizam para proteger a área, onde vivem dois povos indígenas em isolamento voluntário – os Tagaeri e os Taromenane.
Criado junto ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUD), o Fundo Fiduciário apoiado pelo governo equatoriano até agosto recebeu de pessoas físicas, ONGs, empresas e governos 13,3 milhões de dólares. É uma ínfima parcela dos 3,6 mil milhões de dólares que deveriam ser doados até 2022. Tal valor corresponde a metade dos 7,2 mil milhões de dólares que renderiam, em dez anos, os cerca de 900 milhões de barris de petróleo existentes no subsolo do ITT. Segundo o governo a exploração, entregue à estatal equatoriana PetroAmazonas, será feita com tecnologia segura e afetará menos de 1% do Yasuní.
Mudanças Climáticas
Em face do aquecimento global, o governo equatoriano buscou apoio e corresponsabilidade na comunidade internacional. “Particularmente daquelas potências responsáveis pela contaminação e aquecimento global”, considera Carlos Viteri, deputado pela Alianza País, partido do presidente.
A ideia não foi bem sucedida. Com a crise mundial detonada nos Estados Unidos pelo sistema financeiro desregulado, os países industrializados vêm empurrando para os emergentes a cooperação internacional que deixaram de praticar. Individualmente, pessoas como os atores Leonardo DiCaprio, Bo Derek e Edward Norton, bem como o político ambientalista Al Gore e parte da população britânica – principais contribuintes particulares – fizeram generosas doações. Mas a resposta dos governos foi mínima, apesar de o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, ter-se comprometido a conversar pessoalmente com os chefes de Estado que poderiam – e deveriam – colaborar.
A Alemanha ofereceu 50 milhões de dólares em assistência técnica ao Parque Yasuní, mas não à Iniciativa ITT. Ainda que entre os parlamentares da esquerda alemã haja partidários entusiastas do projeto, o governo recusou-se até mesmo a receber a ex-ministra equatoriana Ivonne Baki, encarregada da negociação. A Itália prescreveu 51 milhões de dólares de sua dívida externa como contribuição. Chile, Colômbia, Geórgia e Turquia doaram quantias simbólicas. Bélgica, Brasil, França, Líbano, Indonésia, Turquia, Espanha e Qatar prometeram, mas não chegaram a doar.
“Não surpreende que países ricos não tenham cumprido a sua parte. Basta olhar os cofres quase vazios do Fundo Verde do Clima para ver que os Estados industrializados não cumprem o que prometem quando se trata de dinheiro para nações em desenvolvimento enfrentarem a crise climática que eles criaram. Isso vale especialmente para os Estados Unidos, historicamente o principal contaminador do clima, mas miserável quando se trata de finanças climáticas internacionais” – declarou Karen Orenstein, analista de política internacional da ONG Amigos da Terra. O Fundo deveria começar a operar em 2014, mas a arrecadação de recursos vem sendo extremamente lenta.
Contudo, Karen Orenstein reafirma que, apesar da falta de apoio internacional, “extrair petróleo do Yasuní será uma bofetada nos movimentos sociais e ecológicos do Equador e do mundo, que promoveram a Iniciativa”.
Para o economista Joan Martinez Alier, do Instituto de Tecnologia e Ciências Ambientais da Universidade Autónoma de Barcelona e da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), em Quito, há governos tão responsáveis quanto o de Rafael Correa na decisão equivocada de explorar o ITT – particularmente Alemanha e Noruega, esta nadando no dinheiro de um Fundo de Petróleo.
Mas ele acusa Rafael Correa de boicotar a Iniciativa desde dezembro de 2009, quando não compareceu à COP 15, em Copenhaga, para constituir o Fundo Fiduciário Yasuní-ITT na presença da imprensa mundial. “A extração de petróleo já ocorre nos blocos 16 e 31, no interior do Parque. E agora o ITT é o último a cair – a depender da reação popular, no Equador e em todo o mundo.”
Utopia e biodiversidade
Yasuní era para ser um dos primeiros endereços da utopia – afirmam ativistas em carta aberta ao presidente equatoriano. Não foi um projeto pensado isoladamente, mas antes um caminho de genuína mudança civilizacional. Está ligado ao conceito de sumak kawsay, que significa Bom-Viver em quechua e se contrapõe ao conceito de desenvolvimento das nações industrializadas. Foi criado “para questionar o petróleo, commodity fundamental do capitalismo; chamar a atenção sobre os impactos que a extração tem tido sobre o meio ambiente e as pessoas; questionar a mercantilização da natureza pelo mercado de carbono e tentar mapear um futuro sem petróleo. Todos esses aspetos da iniciativa Yasuní nasceram da experiência e reflexão profunda da sociedade.”
A nação equatoriana é rica em biodiversidade e em petróleo – o que vem sendo seu bem e seu mal. O Parque Nacional Yasuní é um exemplo vivo dessa condição. Além da quantidade e diversidade de espécies, a própria vegetação abundante exerce controle sobre o regime de chuvas, a saúde do solo e a manutenção dos reservatórios de água doce disponíveis no subsolo.
Em carta de 2005, enviada ao então presidente Lucio Gutiérrez, cientistas e ambientalistas das universidades de Harvard, Stanford e Duke, e renomados centros de conservação ambiental dirigidos por cientistas como Thomas Lovejoy, entre outros, exaltam o valor da região.
“O Yasuní pode muito bem ser a floresta de maior biodiversidade na Terra. É o lar de uma grande área da comunidade de árvores mais diversificada do mundo, com quase tantas espécies, em apenas 2,5 hectares de floresta, quanto todas as espécies de árvores existentes nos EUA e Canadá juntos. Contém mais espécies de insetos documentadas do que qualquer outra floresta do mundo, e está entre as florestas com maior diversidade em espécies de pássaros, morcegos, anfíbios, epífitas e lianas. O Yasuní é habitat crítico para 23 espécies de mamíferos ameaçadas globalmente, incluindo a ariranha, o peixe-boi amazónico, o boto cor-de-rosa, o tamanduá gigante e a anta amazónica. Essa extraordinária diversidade está sendo ameaçada por novas estradas, abertas por causa do petróleo. … Dez anos atrás, a primeira estrada de petróleo, a Estrada Maxus, foi construída em Yasuní. Ela se tornou um íman para a colonização e abriu o Parque para excesso de caça e desmatamento que ameaçam espécies raras, como os macacos barrigudos.”
Protesto e consulta popular
Logo após o presidente anunciar o fim da iniciativa, em 22 de agosto, uma coligação de organizações indígenas, ambientalistas e estudantis apresentou ao Tribunal Constitucional proposta de referendo popular que, para ser aceite, deve receber apoio de 584.116 assinaturas (5% dos eleitores). Em 27 de agosto, manifestantes pró-Yasuní ocuparam a Plaza de la Independencia, em frente ao palácio presidencial, em Quito, em uma contramanifestação aos apoiantes de Correa. A polícia feriu 12 pessoas com balas de borracha e deteve outras quatro, entre elas Marco Guatemal, vice-presidente da Ecuarunari, Federação de Povos Kichwa do Equador que há muito luta contra as políticas económicas neoliberais.
Indígenas amazónicos que processaram a petrolífera americana Chevron-Texaco, nos anos 1990, por contaminação ambiental, também se manifestaram. Em comunicado de imprensa, pediram ao governo que desista da decisão. “Ações extrativistas na região significam afetar um dos nossos paraísos naturais e os últimos seres humanos livres que, por anos, viveram neste local.” O artigo 57 da Constituição equatoriana afirma que “os territórios dos povos que vivem em isolamento voluntário são uma posse ancestral irredutível e intangível e todas as formas de extrativismo devem ser proibidas nestes locais”.
Antes mesmo da decisão presidencial, em carta aberta assinada pela Campanha Amazónia pela Vida, ativistas já protestavam contra a “concessão de legalidade duvidosa” do bloco 31, a construção de uma nova estrada “pavimentando o caminho à extração” e a instalação de oleodutos. “Essas ações acontecem paralelamente a outras – bem conhecidas por nós – de alto custo ambiental: crescimento da mineração em larga escala, expansão da fronteira de exploração do petróleo no centro-sul da Amazónia, avanço de culturas geneticamente modificadas e grandes barragens, criminalização do protesto social”, denunciam.
Segundo o Amazon Watch, sondagens indicam que 78% a 90% dos equatorianos se opõem à extração do petróleo em região tão sensível. A despeito disso, Rafael Correa incentivou a população a recolher as assinaturas para o referendo e disse estar seguro de que sua decisão de extrair petróleo do Yasuní para investir “na obra pública“ será vencedora.
Petróleo e dívida externa
Vale aqui recordar um pouco da história recente do país, nas palavras do jornalista Tadeu Breda, que publicou em 2011 o livro O Equador é Verde – Rafael Correa e os Paradigmas do Desenvolvimento.
“Em 2005, o povo equatoriano, com forte protagonismo da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), havia derrubado Lucio Gutiérrez do poder, o terceiro presidente a cair em dez anos. Nas urnas, em 2006, o mesmo povo elegera Rafael Correa, cuja maior promessa de campanha era escrever uma nova Constituição que abarcasse as principais exigências das organizações populares, entre elas as demandas dos povos originários por Plurinacionalidade, Direitos da Natureza e Bom-Viver.”
A submissão ao FMI e Banco Mundial havia levado o país a contrair uma dívida externa gigante, que o novo presidente decidiu auditar em 2007, considerando os impactos sociais, ambientais e económicos causados por ela. Em 2008, depois da auditoria, Rafael Correa decretou moratória de parte de sua dívida externa, afirmando aceitar somente 25% a 30% do valor dos títulos comerciais com a banca privada – o que foi aceite por mais de 90% dos credores.
Sem acesso a financiamento nos mercados internacionais, o Equador passou então a vender mais petróleo e a ter nos chineses seus principais credores. “A preocupação não é tanto os custos mais elevados do crédito chinês, mas a possibilidade de ter que entregar nossos reservatórios petrolíferos e jazidas minerais em troca dos empréstimos”, alerta o economistaAlberto Acosta, que presidiu à Assembleia Constituinte do país e integrou o ministério de Rafael Correa.
Em junho, Correa anunciara que a estatal China Petroleum, 12ª maior do mundo, investiria 12,5 mil milhões de dólares na modernização e construção de novas refinarias no país. No fim de agosto, comunicou que recebeu empréstimo de 1,2 mil milhões de dólares de Pequim como parte de acordos de pré-venda de petróleo. A China é o maior consumidor mundial de energia e o segundo país que mais utiliza petróleo. O petróleo é a segunda fonte de ingressos no Equador.
Exploração responsável?
Para os ativistas, as companhias petrolíferas vêm se preparando para a exploração em silêncio. Estradas estão em construção na orla do ITT, em uma área famosa pela presença do jaguar, e um corredor de extração para os campos ITT está sendo preparado para a empresa chinesa PetroOriental. Já em 2007, segundo documento da diretoria da estatal petrolífera equatoriana, consideravam-se “várias alternativas para a exploração do ITT: uma aliança com a estatal da Venezuela ou empresa de outro país; por licitação internacional; ou pela constituição de empresa de economia mista.” Tudo indica que a China é a parceira da vez.
Fala-se em exploração responsável. O governo assegura que a intervenção será em área inferior a um 0,1% do Parque, e que não incidirá na vida dos povos isolados, pois os campos ITT estão longe da chamada zona intangível onde eles habitam. Mas, para os ambientalistas, o dano seria irreparável, pois os campos ITT estão na zona tampão, essencial para a conservação do território.
Lorena Tapia, ministra do Ambiente, assegura que exercerá controle e fiscalização para fazer cumprir “as mais rígidas normas equatorianas e padrões internacionais, que garantam exploração responsável com o ambiente”, e que o processo será transparente. Convidou a população a “participar de um observatório cidadão que possibilite controle ambiental eficaz e estratégico pelo Estado”.
Dentro do Parque Yasuní encontram-se três blocos petrolíferos: o Bloco 16, o Bloco 31 e o Bloco ITT. O petróleo existente no subsolo do Bloco ITT está avaliado em 18 mil milhões de dólares, o equivalente a 900 milhões de barris. A PetroAmazonas planeia começar em outubro a produção no Bloco 31, que fica nas bordas do ITT – segundo informação de Oswaldo Madrid, gerente geral da companhia.
O Bloco 31 era operado pela Petrobras e foi devolvido em 2010, depois de a estatal tornar-se alvo de protestos, no Equador e no Brasil, por representar ameaça aos indígenas Huaorani e à integridade ambiental do Parque. Se no Brasil a Petrobras não explora em parques nacionais, por que o faria em outro país?
A Amazónia equatoriana foi vítima de um dos maiores desastres socioambientais de que se tem notícia. Depois de explorar o petróleo da região por 26 anos, de 1964 a 1990, a Texaco deixou atrás de si um passivo ambiental que, segundo peritos internacionais, causou a morte de 1041 pessoas, todas por câncer. Segundo algumas análises, a irresponsabilidade da corporação provocou também o desaparecimento dos povos ancestrais Tetete e Sansahuari. Não bastasse, a Chevron-Texaco pretende desconhecer sentença que cobra dela multa de 19 mil milhões de dólares.
Era pós-petróleo
Embora pragmática, a decisão do presidente Rafael Correa é um duro golpe contra as tentativas de encontrar modelos de financiamento inovadores para políticas de mudanças climáticas e conservação da vida selvagem, em face da crescente pressão das mineradoras e do agronegócio. Em todo o planeta, populações de animais são hoje 30% menores do que em 1970, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Em regiões tropicais como o Equador, a taxa de declínio é quase o dobro da média global.
O economista Joan Martinez Alier traça um quadro desolador da paralisia sobre as Mudanças Climáticas que tomou conta das lideranças planetárias. “Sabemos que a concentração de CO2 na atmosfera mundial está chegando a 401 ppm, que nada ou muito pouco está sendo feito pelos poderes mundiais e económicos para combatê-las, que a Amazónia está sendo desmatada em todas as suas fronteiras, no Brasil, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela… A Amazónia é um dos piores lugares do mundo para se extrair petróleo. Há risco para a sobrevivência das populações indígenas. Há risco para uma das mais ricas biodiversidades do planeta. E além disso o petróleo no ITT é de má qualidade, um óleo pesado, que vai provocar uma terrível poluição no local e, quando queimado pelos países importadores, vai, é claro, emitir carbono.”
Na carta endereçada a Rafael Correa, a Campanha Amazónia pela Vida lembra que manter o petróleo no solo poderá ser fundamental para o futuro da humanidade. Assim como a população equatoriana, outros povos começam a entender que os petrodólares gerados pela exploração contínua do ouro negro significam aprofundar mais e mais um modelo de produção, distribuição e consumo causador das mudanças climáticas que já sentimos na pele.
Artigo de Inês Castilho e Taís González, publicado em Outras Palavras

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