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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

ONU: A fome retrocede, mas de forma desigual

842 milhões de pessoas sofrem fome crónica, segundo o documento "O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2013", divulgado esta semana por três agências da ONU. Em relação ao ano passado, este número reduziu-se em 26 milhões. Artigo de Sabina Zaccaro, da IPS
Distribuição de alimentos em Tabasco, México. Foto: Maurício Ramos/IPS
São muitas, mas 842 milhões deve ser considerado um número bem melhor do que o do ano passado: 868 milhões. 
Entre as razões do progresso está o crescimento económico dos países em desenvolvimento, que melhorou o rendimento e o acesso aos alimentos, a elevação da produtividade agrícola, e o aumento dos investimentos públicos e privados no setor rural. As remessas dos migrantes também tiveram papel importante na redução da pobreza, segundo orelatório das Nações Unidas.
A vasta maioria dos que passam fome vive em regiões em desenvolvimento, enquanto 15,7 milhões habitam países industrializados. Apesar dos progressos detetados em todo o mundo, persistem fortes desigualdades na redução da fome. A África subsaariana fez modestos progressos nos últimos anos, e continua a ser a região com maior desnutrição. Estima-se que um em cada quatro de seus habitantes (24,8%) passa fome.
Não foram observados avanços na Ásia ocidental, enquanto na Ásia meridional e no norte da África houve “lentos progressos”. As reduções mais substanciais, tanto no número de famintos como na taxa de desnutrição, foram registradas em muitos países da Ásia oriental, do sudeste asiático e na América Latina.
Desde o começo da década de 1990, o número total de desnutridos nos países em desenvolvimento caiu 17%, passando de 995,5 milhões para 826,6 milhões. A ambiciosa meta estabelecida em 1996 pela Cimeira Mundial sobre a Alimentação (CMA), de reduzir a metade a quantidade de pessoas com fome até 2015, continua fora do alcance como objetivo mundial, ainda que 22 países a tenham cumprido no final de 2012.
Os dirigentes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) pediram uma intervenção na agricultura e nos sistemas alimentares para fomentar a nutrição, bem como na saúde e na educação, com ênfase especial nas mulheres.
O relatório que a ONU produziu no ano passado recebeu uma detalhada crítica de um grupo de pesquisadores encabeçados por Frances Moore Lappé, que fizeram recomendações específicas, principalmente em relação à metodologia do trabalho e à maneira como apresentava as estimativas da fome.
Os pesquisadores destacaram que as medições para determinar a insegurança alimentar de fato subestimavam a realidade, pois baseavam-se numa disponibilidade de alimentos e uma necessidade calórica para satisfazer um “estilo de vida sedentário”. Uma estimativa mais ampla levaria a quantidade de famintos no mundo para 1 bilhão 330 milhões, e não aos 868 milhões como calculava o relatório de 2012, segundo os especialistas.
Outro fator de preocupação é o enfoque do relatório na fome mundial, o que de alguma maneira mascara as realidades e diferenças entre as regiões. Na verdade, apenas os progressos na China e no Vietnã respondem por mais de 90% da queda no número de famintos no mundo. Os casos de êxitos nacionais, como os de Brasil e Gana, “perdem-se nas estimativas mundiais, bem como os países e as regiões em crise”, apontaram os críticos.
“O relatório deste ano introduz importantes inovações. Vamos além do tradicional indicador da FAO sobre prevalência da desnutrição, e procuramos medir as diferentes dimensões da insegurança alimentar, em particular as suas consequências nutricionais”, destacou ontem Pietro Gennari, diretor da Divisão de Estatística do Desenvolvimento Agrícola desta agência.
Gennari se referia à disponibilidade, ao acesso, à utilização e à estabilidade dos alimentos. Estas dimensões “podem ser medidas por meio de diferentes indicadores, e embora na maioria dos casos estes coincidam com as tendências de prevalência de desnutrição, nem sempre é assim”, explicou. “Estudamos países específicos para entender o motivo de termos essas divergências e para saber quais políticas podem ser adotadas para abordá-las”, acrescentou.
O documento destaca que o crescimento económico é crucial para reduzir a fome. “Mas não é suficiente. São necessárias políticas específicas e programas sociais para conseguir a meta de erradicar a fome em todo o mundo”, pontuou Gennari. Alguns especialistas questionam a ênfase no crescimento económico.
“O relatório oferece elementos úteis, alguns deles incluídos no novo índice, e informação mais sistemática sobre a insegurança alimentar”, reconheceu Antonio Onorati, do Comité Internacional de Planeamento para a Soberania Alimentar, uma rede internacional de organizações não governamentais e associações de agricultores pequenos e médios, pescadores, trabalhadores agrícolas e povos indígenas. “Contudo, em matéria de soluções, propõe receitas velhas e ineficazes”, afirmou à IPS.
Por exemplo, “a ideia de que os 600 milhões de pequenos agricultores que sofrem insegurança alimentar só precisam aumentar sua produtividade para colocar o seu excedente no mercado. Como se o mercado local fosse funcional à pequena agricultura e à segurança alimentar, quando não o é”, ressaltou Onorati.
Segundo Onorati, os mercados locais são apenas uma reprodução do mercado global, “que gera crise e inclusive causa a morte de pequenos agricultores, e que é, em definitivo, um componente fundamental da insegurança alimentar”. E, lamentou, “esperávamos uma análise mais profunda do papel dos mercados locais”.
Os resultados deste relatório serão discutidos por representantes de governos, da sociedade civil e do setor privado na reunião do Comité de Segurança Alimentar Mundial, que acontecerá em Roma entre os dias 7 e 11 deste mês. 

Artigo publicado por Envolverde/IPS

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