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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Noam Chomsk: Sobre o anarquismo, o leninismo e o capitalismo…

Noam Chomsky
1.“Fui atraído pelo anarquismo logo a partir da adolescência, quando comecei a pensar o mundo para além das coisas pequeninas, e desde então não tive muitas razões para corrigir essa atitude inicial. Penso que, de facto, o que faz sentido é investigar e identificar as estruturas de autoridade, hierarquia e domínio, em todos os aspectos da vida, para depois nos confrontarmos com elas. A menos que tenham uma justificação são ilegítimas e deveriam ser desmanteladas de forma a que a liberdade humana pudesse ser ampliada. Isto inclui o poder político, a propriedade e a administração, as relações entre homens e mulheres, pais e filhos, o nosso controlo sobre o destino das gerações futuras (o imperativo moral básico por trás do movimento para o meio ambiente, segundo penso), e muito mais. Naturalmente isto significa um desafio às poderosas instituições de coerção e controlo: o Estado, as inúmeras tiranias privadas que dominam a maior parte da economia nacional e internacional, etc.. e mais do que isto. Foi tudo isso que sempre entendi ser a essência do anarquismo: a convicção de que o ónus da prova deve ser dado pela própria autoridade, e que ela deve ser desmantelada se não conseguir dar uma resposta positiva. É que, por vezes, essa prova existe. Se eu for dar um passeio com os meus netos e eles se precipitarem para uma rua movimentada, eu usarei não só da minha autoridade mas também da coerção física para os impedir de atravessarem a rua. É um exemplo típico. E existem outros casos; a vida é uma coisa complexa, há muitas coisas que não entendemos sobre o ser humano e a sociedade, e grandes declarações são frequentemente fonte de mais sofrimentos do que de benefícios. Mas penso que a perspectiva é válida e que nos pode levar longe. (…)
2. A crítica à “democracia” entre os anarquistas tem sido frequentemente a crítica à democracia parlamentar, porque ela surgiu em sociedades com características profundamente repressivas. Tomemos os EUA por exemplo, que foram livres desde as suas origens. A democracia americana foi fundada no princípio, sublinhado por James Madison na Convenção Constitucional de 1787, de que a primeira função do governo é “proteger a minoria da maioria.” Deste modo ele argumentava que na Inglaterra, o único modelo quase-democrático da época, se fosse dada palavra à população em geral, nos destinos públicos, ela implementaria uma reforma agrária ou outras atrocidades, e que o sistema americano devia ser cuidadosamente concebido para evitar tais crimes contra “os direitos da propriedade,” os quais devem ser defendidos (de facto, devem prevalecer). A democracia parlamentar dentro deste quadro merece uma crítica aguda pelos libertários genuínos, e deixei de fora muitas outras características que dificilmente se podem considerar subtis – a escravatura, para mencionar apenas uma, ou a escravatura do salário que foi amargamente condenada por gente trabalhadora que nunca ouviu falar de anarquismo ou comunismo durante o século XIX, e para além deste.
Marxismo- Leninismo
3.(…) Se por esquerda é suposto incluir o “bolchevismo”, então eu dissocio-me terminantemente da esquerda. Lenine foi um dos maiores inimigos do socialismo, na minha opinião, pelas razões que temos discutido. Os avisos de Bakunine sobre a “Burocracia Vermelha” que instituiria “o pior de todos os governos despóticos” foram feitos muito antes de Lenine, e eram dirigidos contra os seguidores de Marx. Existiam, de facto, seguidores de muitos tipos diferentes: Pannekoek, Luxembourg, Mattick e outros estão muito distantes de Lenine, e as suas posições convergem frequentemente com elementos do anarco-sindicalismo. Korsch e outros manifestaram  simpatia pela revolução em Espanha..Existe uma relação de continuidade entre Marx e Lenine, mas também existe uma continuidade mesmo até aos marxistas que eram severos críticos de Lenine e do bolchevismo. O trabalho de Teodor Shanin nos últimos anos sobre as atitudes tardias de Marx em relação à revolução camponesa também é relevante. Eu não sou propriamente um estudioso de Marx, e não arriscaria nenhum julgamento sério sobre qual destas continuidades reflecte o “verdadeiro Marx”, mesmo que exista uma resposta a essa questão.(…)
 4.O Marx inicial aproxima-se consideravelmente do meio em que viveu, e encontram-se muitas semelhanças com o pensamento que animou o liberalismo clássico, aspectos do Iluminismo, e do Romantismo francês e germânico. Uma vez mais, não sou um grande estudioso de Marx para pretender dar um julgamento com opinião autorizada. A minha impressão, sem qualquer garantia, é que o Marx inicial era uma figura do Iluminismo tardio, e o Marx posterior era um activista altamente autoritário, e um analista crítico do capitalismo, que tinha pouco a dizer sobre alternativas socialistas. Mas isto são impressões. (…)
5.A minha reacção ao fim da tirania soviética foi semelhante à minha reacção à derrota de Hitler e Mussolini. Em qualquer dos casos foi uma vitória do espírito humano. Devia ter sido particularmente festejada pelos socialistas, uma vez que um grande inimigo do socialismo tinha por fim caído. Tal como você, fiquei admirado ao ver como as pessoas — incluindo gente que se tinha considerado anti-estalinista e anti-leninista — estavam desmoralizadas pelo colapso da tirania. O que revela que elas estavam mais profundamente comprometidas com o leninismo do que acreditavam.
6.Existem, contudo, outras razões a considerar acerca da eliminação deste sistema brutal e tirânico que tinha tanto de “socialista” como de “democrático” (lembre-se que ele se reclamava de ambos, e a última pretensão era ridicularizada no Ocidente, enquanto a primeira era ansiosamente aceite, como uma arma contra o socialismo — um dos muitos exemplos do serviço prestado pelos intelectuais do ocidente ao poder). Uma das razões tem a ver com a natureza da Guerra Fria. Do meu ponto de vista, isto deveu-se, sobretudo ao caso especial do “conflito Norte-Sul,” para usar um eufemismo que descreve a conquista europeia da maior parte do mundo. A Europa Oriental tinha sido o “terceiro mundo” original e a Guerra Fria desde 1917 não tinha a mais ligeira semelhança com a resposta às tentativas de prosseguir um caminho independente desencadeado por outros países do terceiro mundo, embora, neste caso, as diferenças de escala tenham dado ao conflito leste-oeste uma vida própria. Por esta razão, era razoável esperar que a região voltasse ao seu estatuto anterior: para algumas zonas do Ocidente, como a República Checa ou a Polónia Ocidental, existia a expectativa que se voltasse ao espaço europeu,, enquanto outras reverteriam ao tradicional papel de prestadora de serviços, com a ex-Nomenklatura a tornar-se na habitual elite terceiro-mundista (com a aprovação do poder corporativo-estatal do Ocidente, que normalmente os prefere às alternativas). Isto não era uma perspectiva agradável e levou a muito sofrimento.
Outro motivo de preocupação tem a ver com a intimidação e o não-alinhamento. Apesar de grotesco, o império soviético pela sua existência oferecia um certo espaço para o não-alinhamento e, por razões absolutamente cínicas, por vezes oferecia assistência às vítimas dos ataques ocidentais. Essas opções acabaram, e o Sul sofre agora as consequências.
Uma terceira razão tem a ver com aquilo a que a imprensa económica denomina de “trabalhadores ocidentais mal-habituados” com o seu “estilo de vida luxuoso.” Com a maior parte da Europa Oriental a voltar ao rebanho, o patronato e os gestores têm armas novas e poderosas contra as classes trabalhadoras e os pobres dos seus próprios países. A GM e a VW podem não só transferir a sua produção para o México ou para o Brasil (ou pelo menos ameaçar fazê-lo, o que geralmente vai dar no mesmo), mas também para a Polónia e Hungria, onde podem encontrar trabalhadores experientes e qualificados por uma fracção do custo. E, compreensivelmente,  estão a regozijar-se com isso, dados os valores vigentes.
Podemos aprender muito sobre o que significou a Guerra Fria (ou qualquer outro conflito) ao procurar quem lucrou ou quem ficou prejudicado depois dela acabar. Por esse critério, nos vencedores da Guerra Fria incluem-se as elites ocidentais e a ex-Nomenklatura, agora mais ricos do que alguma vez sonharam, e nos derrotados inclui-se uma parte substancial da população do Leste, lado a lado com os trabalhadores e os pobres do Ocidente, bem como sectores populares do Sul que procuraram seguir um caminho independente.

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