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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Programa Drones: o que realmente acontece

Poucos políticos, que proclamam abertamente os benefícios dos drones, têm alguma ideia de como eles realmente funcionam. Eu, pelo contrário, tive estas horríveis visões, em primeira mão. Por Heaher Linebaugh*
Um drone Elbit Hermes 450. Foto de Gerald L. Nino
Sempre que leio comentários de políticos a defender o programa Unmanned Aerial Vehicle Predator and Reaper (também conhecido como drones) desejaria poder colocar algumas questões. Começaria com esta: “Quantos homens viste a arrastarem-se pelos campos, tentando conseguir ajuda no acampamento mais próximo, enquanto sangram abundantemente pelas suas pernas cortadas?” Ou ainda, mais diretamente: “Quantos soldados viste morrer à borda da estrada, no Afeganistão, porque os nossos sempre-muito-precisos UAVs (aviões não tripulados – siglas em inglês) foram incapazes de detetar um IED (artefacto explosivo improvisado) que esperava o seu comboio?”.
Poucos políticos, que proclamam abertamente os benefícios dos drones, têm alguma ideia de como eles realmente funcionam. Eu, pelo contrário, tive estas horríveis visões, em primeira mão. Conheci o nome de alguns jovens soldados que vi sangrar até morrerem à borda da estrada. Vi jovens, em idade militar, morrer no Afeganistão, em campos desertos, ao longo das margens dos rios e, alguns, perto dos acampamentos, onde as suas famílias os esperavam, quando voltavam da mesquita.
Os militares norte-americanos e britânicos insistem que este é um programa reconhecido e, apesar disso, é curioso como sentem a necessidade de entregar informação falsa, escassa ou nenhuma sobre a morte de civis e relatórios tecnológicos manipulados sobre as capacidades dosdrones. Estes incidentes não são isolados: a taxa de vítimas civis não baixou apesar do que gostam de dizer os nossos representantes da Defesa.
O que as pessoas necessitam de entender é que, normalmente, a imagem proporcionada por umdrone não é suficientemente clara para detetar alguém com uma arma, mesmo num dia cristalino com poucas nuvens e uma luz perfeita. Isto faz com que para os melhores analistas seja incrivelmente difícil identificar, com segurança, se alguém leva armas. Um exemplo que me vem à cabeça: “A transmissão está muito pixelizada. E se se tratar de uma pá e não de uma arma?”. Eu, tal como os meus companheiros analistas, sentia constantemente esta confusão. Perguntávamo-nos sempre se matávamos as pessoas certas, se atacávamos as pessoas erradas, se destruíamos uma vida inocente… tudo por causa de uma má imagem ou de um mau ângulo.
Também é importante que as pessoas compreendam que há seres humanos que operam e analisam a informação destes drones. Sei disso, porque eu era uma delas. Ninguém se pode preparar para uma rotina quase diária de missões de vigilância aérea numa zona de guerra. Os defensores dos drones proclamam que as tropas, que trabalham desta forma, não se veem afetadas por este tipo de combate pois nunca estão diretamente perante um perigo físico.
Mas aqui está o tema: pode ser que eu não tenha pisado diretamente o solo do Afeganistão, mas vi partes do conflito com grande detalhe durante dias e dias. Conheço a sensação que se experimenta quando se vê alguém morrer. O horror vai-te cobrindo. E quando se está exposto a isto, uma e outra vez, fica-se com um pequeno ecrã de vídeo instalado na cabeça, que se repete permanentemente, causando uma dor psicológica e sofrendo de uma forma que espero que ninguém chegue a experimentar. Os soldados encarregados dos drones são vítimas não só das recordações constantes que este trabalho acarreta, mas também da culpa de não estarem sempre certos de saber se as confirmações de armas hostis eram corretas ou não.
Supostamente, fomos treinados para não experimentar estas sensações e lutamos e voltamos amargurados. Alguns procuram ajuda psicológica em clínicas facilitadas pelo exército, mas nelas estamos limitados sobre com quem podemos falar e onde, devido ao segredo das nossas missões. Parece-me significativo que não se informe sobre as estatísticas de suicídios neste terreno, que não haja dados sobre a quantidade de soldados que trabalham com drones e que são medicados por depressão, desordens de sono e ansiedade.
Recentemente, The Guardian publicou um comentário do Secretário de Estado para a Defesa da Grã-Bretanha, Philip Hammond. Desejaria poder falar-lhe de dois amigos e colegas que perdi, um ano depois de deixar o exército, por se suicidarem. Estou segura de que ele não teve noticias deste pequeno pedacito do programa secreto dos drones. Caso contrário, certamente teria de verificar melhor o programa, antes de voltar a defendê-lo.
Os drones, no Médio Oriente, são usados como armas, não como proteção. Enquanto as pessoas continuarem a ignorar isto, esta ameaça séria à inviolabilidade da vida humana – no país e no estrangeiro – continuará.
Publicado em The Guardian
Nota do editor: Heather Linebaug não possui material classificado e cumpriu o seu acordo de não-divulgação, desde o momento da sua dispensa.
Tradução: António José André
Heather Linebaugh esteve na Força Área dos EUA desde janeiro de 2009 até março de 2012; foi Analista Geo-Espacial, fazendo parte do Esquadrão de Inteligência; agora dá conferências sobre as suas experiências e o Programa Drone durante as ocupações do Iraque e Afeganistão.

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