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sábado, 18 de janeiro de 2014

Reino Unido tem 13 milhões na pobreza

Em 2011-2012, 128.697 pessoas recorreram a bancos de alimentos. Em 2012-2013, a cifra quase triplicou: 346.992. Já há mais de 400 bancos alimentares no país. Por Marcelo Justo, Carta Maior.
 “Nós intervimos nestes momentos de emergência e se for necessário ampliamos a nossa assistência. Mas o que é preciso é uma política social para o emprego, a habitação, salários dignos e estímulos ao crescimento", diz o responsável pelo banco alimentar
“Nós intervimos nestes momentos de emergência e se for necessário ampliamos a nossa assistência. Mas o que é preciso é uma política social para o emprego, a habitação, salários dignos e estímulos ao crescimento", diz o responsável pelo banco alimentar
Londres - É a sexta economia mundial, origem da revolução industrial, ex-império que dominou o mundo tem cerca de 13 milhões de pessoas a viver abaixo da linha de pobreza. Com um duro plano de austeridade que está socavando lentamente o Estado de Bem estar, salários estagnados, explosão do emprego temporário e de meio-turno, muitos têm de recorrer aos bancos de alimentos das ONGs no Reino Unido.
A Fundação Trussell Trust tem mais de 400 bancos de alimentos em todo o país. O impacto do programa de austeridade aplicado pela coligação de conservadores e liberais democratas desde 2010 é claro. Em 2011-2012, 128.697 pessoas recorreram a estes bancos. Em 2012-2013, a cifra quase triplicou: 346.992. “Há muita gente que come uma vez ao dia ou tem de escolher entre comer e acionar a calefação em pleno inverno”, disse à Carta Maior o diretor da Trussel Trust Chris Mould.
Os especialistas medem a pobreza em termos absolutos (virtual incapacidade de sobrevivência) e relativos (em relação à renda média e às expectativas de uma época). Hoje em dia não ter uma frigorífico é um indicador de pobreza; em 1913, data de invenção do frigorífico doméstico, era um luxo. Segundo o Trussel Trust, um de cada cinco britânicos encontram-se hoje em situação de pobreza relativa ou absoluta. “É fácil esquecer que se pode cair muito rapidamente nesta situação. Um despedimento, uma conta muito alta de eletricidade, uma redução dos benefícios sociais, um drama familiar e essas pessoas ficam sem nada”, explica Mould.
Esta pobreza estende-se para além do desemprego. A atual taxa de desocupação de 7,7% (2,5 milhões de pessoas) encobre um panorama social complexo. Quase um milhão e meio de pessoas tem trabalhos de meio turno e com salários baixíssimos que geraram o movimento pelo chamado “living wage” (salário digno).
O percentual de subempregados (que desejariam trabalhar mais se pudessem) aumentou de 6,2% em 2008 para 9,9% hoje. “A maioria da ajuda estatal não vai para os desempregados, mas sim para pessoas que estão subempregadas ou têm salários muito baixos. Muitas vezes pela própria instabilidade destes trabalhos as pessoas entram e saem de situações de extrema necessidade”, diz Mould.
A esta pobreza de receita somam-se outras formas no Reino Unido, como a chamada “pobreza energética” dificilmente visualizada na América Latina seja pela diferença climática ou porque ainda não foi conceitualizada. Este nível de pobreza afeta cerca de 3,4 milhões de pessoas (cerca de 6% da população) que tem de gastar mais de 10% de suas receitas para “manter um nível adequado de calefação” durante os cinco meses ou mais de duração do inverno britânico. Muitos não têm escolha e deixam o aquecimento desligado porque não podem pagar as contas.
Um caso particular
Uma britânica que não pode ligar o aquecimento no inverno é Geraldine Pool, de Salisbury, sudoeste da Inglaterra, diagnosticada com depressão, divorciada, com um filho e sem trabalho. ACarta Maior conversou com Pool, um caso típico do impacto devastador que a austeridade está a ter em muitas vidas. “Em 2011 perdi o meu trabalho numa biblioteca pública pelos cortes do governo. Desde então, procurei trabalho em administração, supermercados, seja o que for, mas é muito difícil para alguém com mais de 50 anos porque sempre preferem os mais jovens”, disse Pool.
O Estado paga-lhe 61 libras semanais (99 dólares) a título de subsídio de desemprego e fornece assistência habitacional. “Não é suficiente. Se uso o aquecimento, as contas sobem para quase 300 libras semanais”. Neste momento não tenho água quente. Tenho de aquecer a água para me lavar”, explica Pool.
Pool tinha ouvido falar dos bancos de alimentos, mais foi por causa da sua médica do Sistema Nacional de Saúde que acabou por ir a um. “Não queria recorrer a isso. Mas foi fundamental. Com os “vouchers” (vales) deram-me latas de carne, peixe, massa, leite, açúcar. Umas seis semanas depois, no último Natal, tive um segundo pacote muito completo de alimentos”, assinalou à Carta Maior.
Os Bancos de Alimentos procuram trabalhar muito perto da comunidade e funcionam com as contribuições voluntárias da população e, em muito menor medida, de supermercados ou fazendeiros. “Cerca de 95% dos alimentos que temos vem das pessoas a quem pedimos que adquiram dois itens adicionais num supermercado que sirvam para uma nutrição balanceada”, informa Mould.
Os bancos ligam-se a figuras chave da comunidade em consultórios médicos, hospitais, serviços sociais, igrejas e, nalguns casos, da polícia que identificam as pessoas que podem necessitar estes vales para ter acesso a um pacote de alimentos. Num caso raro de sensibilidade social, a polícia de Islington, no norte de Londres, não prendeu um jovem que havia tentado roubar pão e ovos de um mercado, após passar dias sem se alimentar. Quando a pessoa em questão, Adam, relatou o seu drama, levaram-no ao banco de alimentos onde, segundo o testemunho dos próprios policiais, começou a chorar.
A Trussell Trust calcula que necessitará de uns “mais uns 200 ou 300 bancos de alimentos” para cobrir todo o Reino Unido, mas é consciente de que, com toda a sua boa vontade, funciona como um paliativo: necessário, muito útil, mas insuficiente. “Nós intervimos nestes momentos de emergência e se for necessário ampliamos a nossa assistência. Mas o que é preciso é uma política social para o emprego, a habitação, salários dignos e estímulos ao crescimento. Devido a todos os cortes que ocorreram, estamos inundados de trabalho”, apontou Mould à Carta Maior.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer para a Carta Maior

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