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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Tortura da água para os palestinos

As famílias no Vale do Jordão vão procurar água potável em tanques a longas distâncias e furtivamente, embora vivam muito próximas das condutas da companhia das águas Mekorot, que transportam água em abundância para as quintas dos colonatos onde crescem plantas para a exportação. Por Amira Hass.
Caminhão-tanque em Beit Omar. Foto de PSP Photos
Caminhão-tanque em Beit Omar. Foto de PSP Photos
Por que é que o regime israelita é tão inclinado a negar a existência de uma discriminação respeitante à água? Porque desta vez o regime israelita não pode usá-la nas habituais desculpas de segurança a que recorre com outros tipos de discriminação óbvia.
Quando toca à situação da água, a máquina de propaganda israelita e os seus ajudantes, os lóbis sionistas na diáspora, veem-se em apuros. Isto foi claro quando o alemão Martin Schulz teve a audácia de perguntar no Knesset – esse refúgio de traficantes do Holocausto – se o boato que ele tinha ouvido era verdade [perguntou se aos israelitas era distribuída quatro vezes mais água do que aos palestinianos].
A discriminação sistemática com respeito à atribuição de água aos palestinos não é só um boato. O serviço público de água israelita não depende dela mas, sem ela, todo o empreendimento da colonização seria bastante mais dispendioso, e talvez mesmo impossível de suportar no seu âmbito atual e planeado.
Não é de admirar que Habayit Hayehudi, o partido mais identificado com os colonos, tenha reagido tão furiosamente às observações de Schulz e tenha saído do Knesset.
A discriminação na água é outro instrumento governamental usado para desgastar social e politicamente os palestinianos.
Na Cisjordânia, dezenas de milhares de famílias gastam uma enorme quantidade de tempo, de dinheiro e de energia emocional e física para tratar apenas de coisas básicas como duches, lavagem de roupa, de chão e de louça. Quando não há água no depósito da casa de banho, até as visitas de familiares se tornam raras.
As famílias no Vale do Jordão vão procurar água potável em tanques a longas distâncias e furtivamente – com medo de serem descobertas pela administração civil –, embora vivam muito próximas das condutas da companhia das águas Mekorot, que transportam água em abundância para as quintas dos colonatos onde crescem plantas para a exportação.
Gaza, mesmo do outro lado da última exploração de plátanos de Ariel Sharon e do Kibbutz Be’eri, depende de estações de depuração de água que consomem eletricidade – muitas vezes em curtos fornecimentos; poderia ser a Índia.
O tempo, dinheiro e energia que se gasta para obter água é à custa de outras coisas a nível tanto pessoal como comunitário: enriquecimento das aulas para as crianças, um computador, passeios em família, projetos de desenvolvimento industrial, desenvolvimento do turismo, agricultura biológica, atividade política e social.
Embora os palestinianos saibam que Israel é responsável pelos cortes de água, a sua ira é dirigida para o pára-raios mais acessível – a Autoridade Palestiniana.
E os empregados da autoridade palestiniana da água, que passam os seus dias a travar uma batalha contra a burocracia israelita de ocupação para obterem aprovação para qualquer cano de água, são vistos como indiferentes, pouco profissionais e ineficientes. Dá tanto jeito!
A realidade dos enclaves palestinianos que Israel está a criar emerge – através de uma manta de retalhos de diferentes leis, para diferentes extensões de um ou outro lado da Linha Verde – da confiscação de terras e de nascentes de água, e da recusa da liberdade de movimento.
A religião da segurança, que é usada para justificar o roubo de terras, os checkpoints e o bloqueio ainda há-de inventar uma explicação sobre por quê uma criança palestiniana tem direito a menos água do que uma criança judia.
O que podem os peritos públicos da diplomacia dizer? Que em Jenine a atribuição média per capita é de 38 litros para consumo doméstico, porque a cidade é um baluarte da Jihad islâmica, que ameaça o nosso pequeno país? Que no verão não há fornecimento regular de água porque o serviço de segurança Shin Bet está ocupado a descobrir células de militantes armados, e que em Gaza mais de 90 por cento da água é imprópria para beber porque os chefes do Hamas estão a planear ataques terroristas na Cisjordânia?
Até as comunidades judaicas mais dedicadas a Israel terão uma grande dificuldade em justificar estas discrepâncias. Assim, o regime engendrou um plano de ataque com quatro passos:
1. Bombardear a mídia com estatísticas parciais e falsas;
2. Confundir o ponto de partida: Israel controla as nascentes de água. Com base nos Acordos de Oslo, que desde então se tornaram permanentes, os palestinianos estão limitados na quantidade de água que lhes é permitido extrair dessas nascentes de forma independente e nos melhoramentos que podem fazer na infraestrutura de água;
3. Apoiar-se na retaguarda da opinião pública israelita, que rejeita os relatórios palestinianos e ignora os relatórios de organizações como B’Tselem – o Centro Israelita de Informação para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados – e o documentário “The Fading Valley” de Irit Gal, e estudos publicados pelo Banco Mundial e a Amnistia Internacional;
4. Contar com que a maioria dos israelitas não se incomodarão em ir ver com os seus próprios olhos a situação real. E, se forem, e lá encontrarem uma discriminação revoltante, contar com que dirão: “Sim, e depois?”
Amira Hass é jornalista e colunista do jornal israelita Haaretz
18 de fevereiro de 2014
Traduzido e publicado porSolidariedade com a Palestina

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