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quinta-feira, 6 de março de 2014

Vicenç Navarro: As consequências negativas do crescimento do setor financeiro


Artigo de Vicenç Navarro publicado no diário digital NUEVA TRIBUNA da Espanha
Neste artigo Navarro analisa as consequências negativas do crescimento do setor financeiro.
A característica do capitalismo atual é a vasta extensão do setor financeiro, que de uma maneira crescente se expande e até mesmo substitui o seu papel na concessão de crédito para empresas e indivíduos pela atividade puramente especulativa sem relação com o mundo da produção de bens e serviços. É esta atividade especulativa que determinou a enorme crise financeira que estamos vivendo.

O excelente livro de Costas Lapavitsas Profiting Without Producing: How Finance Exploits Us All, detalha essa expansão, embora não ressalte bem  o papel que o conflito capital-trabalho teve sobre o crescimento do setor financeiro. Como tenho afirmado repetidamente, a redução da renda do trabalho no mundo capitalista avançado, como resultado da implementação das políticas neoliberais iniciadas pela administração Reagan maciçamente nos EUA e Thatcher no Reino Unido, e seguido por Schröder e Blair na UE, determinou uma queda no poder de compra da população que se tentou supri com o crescimento do crédito, produzindo-se uma grande expansão do setor financeiro. Esta diminuição dos rendimentos do trabalho criou um problema de demanda que afetou a economia produtiva, reduzindo sua rentabilidade. Daí que os investimentos financeiros na economia se deslocaram do setor produtivo para o setor especulativo, gerando bolhas, explodindo, causando o perigo de colapso do setor financeiro, sempre salvo pela intervenção. Novamente, o caso mais claro deste último foi o resgate internacional do setor bancário ( ver meu artigo O conflito capital-trabalho nas crises atuais).

Mas o setor financeiro, na sua busca de alternativas de onde obter maiores lucros, está penetrando profundamente no que se chama salário coletivo, ou seja, o estado de bem-estar. O ataque frontal que estamos vendo à Europa Social é uma tentativa de privatizar, tanto as pensões e cuidados de saúde, incluindo as transferências e serviços públicos do Estado de bem-estar, a fim de encontrar mais e mais oportunidades de lucros elevados. Mais uma vez, estamos vendo os bancos, companhias de seguros, companhias de seguros, os  hedge funds e as associações de capital de risco estão recebendo maciçamente não só as pensões, mas também nos serviços públicos, como saúde. A pressão da Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) para que baixem salários (o que força um endividamento da população) e para que se privatize as pensões e a saúde  são componentes fundamentais da política de austeridade. Esse ataque do capital financeiro ao Estado-providência, que já está bem avançado na Europa, com a aliança do capital produtivo, para obter essas medidas e enfraquecer o mundo do trabalho, objetivo deste capital.

Fico feliz em encontrar no livro de Costas Lapavitsas esta dimensão do capital financeiro, como já indicado em outros estudos, é de enorme importância para explicar o ataque frontal à Europa social, especialmente o ataque liderado pelo Banco Central Europeu. Costas Lapavitsas faz um excelente trabalho relativo ao capital e serviços financeiro e industrial, com ênfase na relação entre eles, com uma nova simbiose entre eles. Assim, as grandes empresas industriais não apenas se sustentam, mas oferecem crédito aos seus clientes. Veja as vendas de carros como um exemplo. A grande maioria das empresas que vendem os carros,  também oferecem crédito para comprá-los. O setor financeiro em empresas de capital produtivo tem crescido tremendamente. Assim, o capital industrial também se torna o capital financeiro, a expansão nas mesmas áreas especulativas. Na verdade, os ganhos de capital derivados cada vez mais das atividades financeiras são um grande negócio. Assim, o capitalismo torna-se dominado pelos gestores do capital financeiro, que possuem uma enorme influência política e na mídia dos países. Isso explica o resgate bancário, sempre realizado favoravelmente com o apoio de agências reguladoras públicas e financiado pelos Estados. E isso acontece apesar do fato de que a solução do problema da falta de crédito é muito fácil de ver, incluindo a nacionalização dos bancos, que pode incluir formas de propriedade coletiva e cooperativa e outras formas de nacionalização. Com a quantidade de dinheiro que tem sido dado aos bancos poderiam ter sido estabelecidos agências de crédito público, que teria resolvido a crise atual.

Além disso, a redução necessária do setor financeiro e da remoção da sua atividade especulativa que exige o aumento da renda do trabalho, à custa da redução do rendimento do investimento, bem como uma eliminação e reversão da privatização do Estado-Providência. Que a solução passa por essas políticas alternativas é fácil de demonstrar. O que acontece é que o poder do capital é enorme, a democracia, portanto, é extremamente curta, e  a situação não se resolve. Tão claro. Apesar de tudo isso, você leitor não vai ler ou ver nos maiores meios de comunicação.

Vicenç Navarro foi Catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona. Atualmente é Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidad Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha). É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA). Dirige o Programa em Políticas Públicas e  Sociais patrocinado conjuntamente pela Universidad Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige também o Observatório Social da Espanha.

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