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sexta-feira, 25 de abril de 2014

5 razões por que a greve na China é aterradora (para o capitalismo transnacional)

48 mil trabalhadores do fabricante de calçado para a Nike e Adidas, Yue Yuen (parte do grupo Pou Chen), estão em greve desde 14 de abril. Uma situação aterradora não apenas para os patrões fornecedores chineses, mas também para o capitalismo global. Artigo de Ashok Kumar no portal Novaramedia.

48 mil trabalhadores do fabricante de calçado para a Nike e Adidas, Yue Yuen (parte do grupo Pou Chen), estão em greve desde 14 de abril. Os trabalhadores entraram em greve reivindicando o pagamento das contribuições em atraso para a segurança social, um aumento significativo do salário e a assinatura de contratos legais (depois de se ter descoberto que a empresa fez os trabalhadores assinarem falsos contratos de trabalho nos últimos 20 anos). A empresa respondeu com a oferta de um magro aumento salarial e um subsídio que foi rejeitado pelos trabalhadores. A amplitude e longevidade desta ação representa uma viragem histórica na formação do capitalismo global. Há uma série de razões por que esta crise é aterradora não apenas para os patrões fornecedores chineses, mas também para o capitalismo global.
1. É a maior greve na China moderna
Simplesmente, ainda não houve uma greve desta dimensão e magnitude na China moderna. Enquanto as greves na China normalmente terminam assim que há resposta às reivindicações sobre um determinado assunto, esta greve é indefinida e em escalada: uma espécie de negociação coletiva através do motim. Aqui as reivindicações são mais estruturais; os trabalhadores rejeitaram as migalhas caídas da mesa dos patrões e o protesto alastra às províncias vizinhas. As mudanças na produção chinesa podem repercutir-se na produção global. Como assinalou Jacques Rancière: “A dominação do capitalismo a nível global depende da existência de um Partido Comunista Chinês que fornece às empresas capitalistas deslocalizadas trabalho barato e preços baixos, privando os trabalhadores do direito à auto-organização”. Devido às greves, o salário médio na China subiu 17% por ano desde 2009, e é hoje cinco vezes maior do que era em 2000. O alastramento de greves com esta dimensão sem precedentes só irá aprofundar a crise para o cpitalismo industrial.

Embora tenha havido detenções em Yue Yuen, nos últimos anos o estado chinês tem estado menos disposto a reprimir ações militantes do que nas décadas anteriores. Devemos entender isso como uma decisão económica calculada para reorientar a economia para o consumo: maiores salários significa maior poder de compra. O estado está menos interessado em assegurar salários deprimidos para atrair investimento estrangeiro e nos últimos cinco anos o acesso ao crédito ao consumo disparou 67% na China – bem acima dos 10% nos EUA nesse mesmo período – originando o florescer de uma falsa economia. Um relatório de 2012 do FMI via a economia chinesa a atravessar um processo de reorientação, com grande ênfase no investimento interno e uma transição que a afasta do crescimento induzido pelas exportações. Se este passo for bem sucedido, irá aprofundar a crise de rentabilidade e acumulação na “economia real”, pelo menos a curto prazo, para o capital internacional. O capital depende do Estado chinês para prosseguir o seu papel de comprador; um afastamento em relação a esta configuração mina os alicerces do capitalismo industrial.
2. A repressão estatal chinesa atenuou-se
3. É demasiado grande para fugir a sete pés
A indústria do calçado estava até há bem pouco tempo sob o controlo do comprador, ou seja, eram as marcas e os retalhistas – e não os fornecedores – que conduziam a cadeia global de abastecimento. Isto significava que se os trabalhadores atingiam uma fábrica, os compradores (como a Adidas) simplesmente “fugiam a sete pés” para a próxima. No entanto, como a produção começou a consolidar-se em poucos países, os fornecedores mais pequenos foram absorvidos pelos maiores. Estes grandes fornecedores expandiram-se horizontalmente ao longo da cadeia produtiva para incluir a armazenagem, logística e até o retalho. Este desenvolvimento levou ao aparecimento de um quase monopólio dos fornecedores, levando a uma maior captura de valor no fundo da cadeia de abastecimento, e mais despesa de capital para o fornecedor ao nível da inovação tecnológica e processos de produção para aumentar ainda mais a obtenção de valor. Isto acontece em especial no calçado.

4.
O preço dos bens de consumo duráveis está a subir. O grupo chinês Pou Chen é o maior fabricante de calçado prático e desportivo, produzindo 250 milhões de pares de sapatos por ano e com uma quota de 20% desse mercado.  É também um dos “parceiros estratégicos” da Nike e Adidas: o que os trabalhadores veem como a “espinha dorsal”, ao oferecer economias de escala e aglomeração incomparável qualquer outro fornecedor. Enquanto tal, em vez de ser puramente orientada pelo comprador, tanto a marca transnacional como a Pou Chen são mutamente dependentes. Isso pode ser encarado como um processo de dependência em vez de assimetria entre comprador e fornecedor. Estas dinâmicas em mudança fundamentam a estratégia. Uma maior obtenção de valor por parte do fornecedor significa menos poder para as marcas ditarem preços, mas também maiores níveis de poder negocial para os trabalhadores dos maiores fornecedores, independentemente das marcas. Hoje fica extremamente caro a empresas como a Adidas e Nike fugirem a sete pés dos fornecedores em grande escala como o Pou Chen.
Desde a crise dos anos 1970, as economias do ocidente pós-industrial beneficiaram muito do multiplicar da dívida e do baixo preço dos bens de consumo duráveis como os sapatos. Se os trabalhadores chineses fizerem grandes exigências através das greves massivas, os custos do trabalho aumentarão, tal como o preço dos bens de consumo nas economias industrializadas. Este fator, combinado com a queda dos salários reais no mundo ocidental, a redefinição em baixa dos preços dos ativos, a acelerada automatização dos setores industrial e dos serviços e a redução das aquisições financiadas pela dívida, terá como resultado a queda do poder de compra dos consumidores. Como dizia em 2011 Bruce Rockowitz, CEO da Li & Fung, o grupo responsável por 4% das exportações chinesas para os Estados Unidos: “É o fim dos produtos baratos”. Rockowitz foi mais longe ao afirmar que nenhuma das localizações sugeridas em alternativa se aproximaria da China no que toca a limitar os custos e a inflação. Prevendo que o preço das mercadorias iria crescer 5% ao ano, (números otimistas), ele afirmou que “não há uma próxima” a seguir à China, apontando que a atividade da Li & Fung assistira a aumentos de 15% nos preços entre 2010 e 2011.

As organizações locais na província de Guangdong e Hong Kong, que têm apoiado os trabalhadores em greve, apelaram aos seus aliados internacionais para agirem no sentido de obrigar a Adidas a intervir e assegurar que as reivindicações são aceites. Desde o dia 23 de abril as ações alastraram pelo mundo, de Taiwan a Melbourne, São Francisco, Los Angeles, Chicago, Milwaukee e Nova Iorque. Para o dia 25 de abril estão previstas ações junto às lojas da Adidas em Manchester, Oxford e Londres.  
5. Tornou-se global

Ashok Kumar é doutorando no departamento de Geografia e Ambiente da Universidade de Oxford. 
Artigo publicado no portal Novaramedia. Tradução de Luís Branco para o esquerda.net.

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