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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Super bactérias: os riscos de uma crise global

Um número crescente de doenças tem sido afetado pela resistência, um fenómeno que se dá quando as bactérias não podem ser mortas, mesmo quando distintos medicamentos são ministrados a alguns pacientes, que sucumbem. Isso gera a perspetiva sombria de um futuro em que os antibióticos já não funcionam e muitos de nós, ou dos nossos filhos, não vão resistir a doenças como tuberculose, cólera, formas mortais de disenteria e germes contraídos durante cirurgias.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) vai discutir o tema em maio, na sua assembleia anual de ministros da saúde. A agenda inclui o debate de um plano global de ação contra a resistência microbiana. Em momentos anteriores, houve diversas resoluções a esse respeito, mas pouca ação. Este ano, pode ser diferente, porque países como o Reino Unido estão convencidos de que anos de inatividade tornaram o problema cada vez mais grave.
Chatham House, uma organização internacional sediada no Reino Unido, foi local de duas reuniões recentes a esse respeito: uma em outubro e outra no mês passado (coorganizada pelo Geneva Graduate Institute). Ambas foram presididas pela Diretora Geral da Saúde de Inglaterra, a professora Dame Sally Davies, que transformou a resistência a antibióticos numa campanha emergente. Num livro recente, The Drugs Don’t Work (“Os remédios não funcionam”), ela revelou que o seu relatório anual sobre saúde focou-se, em 2012, em doenças infecciosas.
“As nossas descobertas são simples: estamos a perder a batalha contra doenças infecciosas. As bactérias estão a reagir e a tornar-se resistentes à medicina moderna. Para resumir: os remédios não funcionam”. Davies lembrou que os antibióticos adicionaram em média vinte anos à expectativa de vida dos seres humanos e que, por mais de setenta anos, eles permitiram-nos sobreviver a infeções e cirurgias que ameaçavam a nossa vida. Contudo, “a verdade é que temos abusado deles como pacientes, médicos, viajantes e na nossa comida”, diz ela no seu livro.
Davies prossegue: “Nenhuma classe de antibióticos foi descoberta nos últimos 26 anos e os micróbios estão a contra-atacar. Em poucas décadas, poderemos começar a morrer por cirurgias mais comuns e por doenças que hoje podem ser tratadas facilmente.”
Nas duas reuniões da Chatham House, às quais compareci, diferentes aspetos da crise e das possíveis ações foram discutidas. Numa das sessões, fiz um sumário das ações necessárias, incluindo:
- Mais pesquisa científica sobre como a resistência é causada e se espalha, incluindo a emergência de genes resistentes a antibióticos como no caso do NDM-1 [cuja ação é explicada mais adiante].
- Pesquisas em todos os países para determinar os níveis da resistência a antibióticos e bactérias que causam várias doenças.
- Diretrizes e regulações de saúde em todos os países para orientar os médicos sobre quando (e quando não) prescrever antibióticos.
- Regulamentações para indústrias de drogas sobre marketing ético dos seus remédios, para evitar que promoções de venda dirigidas a médicos ou ao público levem a um uso elevado e desnecessário.
- Educar o público a usar antibióticos apropriadamente, incluindo informações sobre quando eles não devem ser usados.
- Banir o uso de antibióticos na alimentação animal (com o propósito de obter crescimento acelerado). Restringir o uso em animais apenas para doenças de risco.
- Promover o desenvolvimento de novos antibióticos e criar mecanismos (inclusive financeiras) que não tornem as novas drogas propriedade exclusiva das indústrias farmacêuticas.
- Assegurar que pessoas pobres também tenham acesso aos novos remédios.
Quanto ao primeiro ponto, um facto novo e alarmante foi a descoberta de um gene, conhecido como NDM-1, que tem a habilidade de alterar a bactéria e fazê-la altamente resistente a qualquer droga conhecida.
Em 2010, só se localizou a presença do gene NDM-1 (detetado em 2006) em dois tipos de bactérias — E. coli e pneumonia Klebsiella. Mas descobriu-se que este gene pode facilmente saltar de uma espécie de bactéria para o outro. Em maio de 2011, cientistas da Universidade de Cardiff (Reino Unido), que fizeram os primeiros relatos sobre a existência da NDM-1, descobriram que este gene se espalhou para vinte espécies de bactérias.
Também em maio de 2011, houve um surto de uma doença mortal, causada por uma nova cepa da bactéria E. coli, que matou mais de vinte pessoas e afetou outras duas mil na Alemanha. Apesar de a E. coli “normal” produzir doenças suaves de estômago, este novo tipo causa diarreia com sangue e dores de estômago severas. Em casos mais sérios, atinge as células sanguíneas e os rins.
A tuberculose é outra doença que está a retornar de forma agravada. Em 2011, a Organização Mundial de Saúde (OMS) descobriu que meio milhão de novos casos no mundo eram do tipo resistente a múltiplas drogas (MDR-TB), significando que não poderiam ser tratados pela maior parte dos remédios. Além disso, cerca de 9% das tuberculoses resistentes a drogas múltiplas também têm resistência a duas outras classes de remédios. São conhecidas como tuberculoses extensivamente resistente a drogas (XDR-TB). Pacientes com XDR-TB não podem ser tratados com sucesso.
Pesquisadores também descobriram que, no sudeste da Ásia, cepas de malária estão a tornar-se resistentes a tratamentos. Em 2012, a diretora-geral da OMS, Margaret Chan alertou que todos os antibióticos já produzidos até hoje poderão tronar-se inúteis.
Assembleia Mundial de Saúde, convocada para o próximo mês é uma oportunidade que não pode ser perdida para finalmente lançar um plano de ação global para resolver esta crise.


Tradução de Gabriela Leite para o Outras Palavras.
*Martin Khor é diretor executivo do South Centre, uma organização intergovernamental de países em desenvolvimento, com sede em Genebra. É jornalista, economista e antigo diretor da Third World Network. É ativo nos movimentos da sociedade civil.



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