Sequestro massivo na Nigéria: Vender meninas em nome de Alá - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Sequestro massivo na Nigéria: Vender meninas em nome de Alá

Segundo denunciou Netsanet Belay, diretor da Amnistia Internacional para a África, as autoridades tinham informação sobre o que ia ocorrer e não atuaram. Ao que parece, vários cidadãos tinham alertado a Polícia sobre a presença de homens armados com intenção de viajar para Chibok. “É uma vergonhosa negligência do Governo na proteção dos civis”, indicou. Por Jon Custa

Era noite fechada em Chibok, uma pequena localidade da região de Borno, no nordeste da Nigéria. Apesar de no mês anterior todos os colégios da região terem decidido encerrar por causa do alerta de ataque islamista, o colégio estatal feminino da secundária abriu para os exames finais das meninas. Minutos antes da meia-noite, centenas de alunas descansavam no internato quando um numeroso grupo de homens armados do grupo islamista Boko Haram interromperam o repouso e dispararam contra os vigilantes. Depois de horas de confrontos, levaram 276 jovens – de entre 16 e 18 anos - e na sua fuga queimaram casas e mataram várias pessoas.
Há poucos dias soube-se que 53 meninas tinham conseguido escapar, apesar das autoridades nigerianas não parecerem conhecer o paradeiro das jovens que continuam raptadas. Especialistas em Segurança no país declararam ao “Gara” que o Governo tem uma incapacidade absoluta para controlar os grupos jihadistas, instalados na sua maioria nas regiões do norte do país. “O Exército nigeriano não vale nada”, sustentam. “Nem eles nem a Polícia têm a mínima formação e capacidade, são regiões autônomas historicamente abandonadas em que não entra ninguém”. Não é a primeira vez que este grupo fixa como objetivos prioritários dos seus ataques os colégios e os alunos. O que é novo é a repercussão mediática, a hashtag #BringBackOurGirls ('Devolvam-nos a nossas meninas') e a reação unânime de celebridades de todo o planeta. A etiqueta da rede social foi tuitada mais de um milhão de vezes, e personalidades como Michelle Obama, a ativista paquistanesa Malala e diversos atores norte-americanos aderiram à campanha.
Segundo denunciou Netsanet Belay, diretor da Amnistia Internacional para a África, as autoridades tinham informação sobre o que ia ocorrer e não atuaram. Ao que parece, vários cidadãos tinham alertado a Polícia sobre a presença de homens armados com intenção de viajar para Chibok. “É uma vergonhosa negligência do Governo na proteção dos civis”, indicou.
Tudo aponta que as meninas estão na reserva natural de Sambisa, uma floresta gigante com 60.000 quilômetros quadrados próxima da fronteira com os Camarões e convertida desde há anos em campo de operações dos jihadistas. O Governo ofereceu 200.000 euros por pistas fiáveis, mas o resgate parece complicado apesar do otimismo do presidente nigeriano, Jonathan Goodluck. “Este sequestro será o princípio do fim do terror na Nigéria”, afirmou Goodluck.
Desde 2009, ano em que Boko Haram radicalizou a sua estratégia violenta, calcula-se que 4.000 pessoas morreram em território nigeriano. Mas só agora, cinco anos depois, a comunidade internacional reagiu à campanha mediática e ao impacto do caso. Os EUA já enviaram vários especialistas e admitem utilizar drones para tentar localizar as meninas. Além disso, o Exército francês está a colaborar na vigilância da fronteira entre a Nigéria e os Camarões e inclusive a China ou o Canadá ofereceram a sua colaboração para apoiar os trabalhos de resgate.
O especialista em segurança conhece bem as peculiaridades do país e considera que “não seria difícil” acabar com o grupo armado se houvesse verdadeira vontade. Como exemplo fala do Delta de Níger, no sul do país. Ali concentram-se alguns dos maiores interesses petrolíferos, e a pressão das grandes empresas estrangeiras fez desaparecer a atividade criminosa e de pirataria que surgiu devido às riquezas do lugar. Considera que o impacto mediático deste caso tornará mais fácil justificar uma intervenção. “Os americanos querem evitar a todo o custo que pareça uma operação contra o jihadismo como as dos últimos anos”, disse.O Executivo de Jonathan Goodluck pouca atenção tinha dado à violência no norte do país, um território abandonado à sua sorte onde os próprios governantes regionais tinham laços com os islamistas, que supostamente utilizavam como milícias de segurança privada. No entanto, as mortes e a insegurança chegaram já a Abuya, a capital, fazendo perigar os interesses económicos do segundo país mais rico da África. “Aqui estão todas as grandes empresas estrangeiras, todas as embaixadas e os grandes interesses”, explica a partir da Nigéria Motea Bela, uma guineense que cresceu na Nigéria e que trabalha atualmente com a organização Wanafrica, assessorando empresários e desenvolvendo diferentes atividades humanitárias em vários estados do país. “Há anos que cometem atrocidades no norte, matando pessoas e queimando igrejas, e só agora quando os terroristas chegaram à capital é que se preocupam e pedem ajuda internacional”, denuncia.
“Eu sequestrei as vossas filhas. Agora são escravas e vou vendê-las no mercado, em nome de Alá”. Foi desta forma, com indumentária militar e escoltado por seis islamistas, que Haram Abubakar Shekau, líder do Boko Haram, anunciou ao mundo num vídeo de 57 minutos que as meninas estavam em seu poder. “A educação ocidental deve cessar. As meninas devem abandonar a escola e casar”. Segundo diversas fontes, algumas das meninas podem já ter sido vendidas como esposas por apenas 2.000 nairas (menos de 9 euros) nos países vizinhos Chade e Camarões. Outras, segundo líderes locais, poderão ter sido obrigadas a casar com os próprios sequestradores e usadas como escravas sexuais.
Não é caso único
Uma sequestrada que conseguiu escapar afirmou que ela própria e outras meninas eram violadas pelos seus captores 15 vezes por dia e forçadas a converterem-se ao Islão. Se se negassem, cortavam-lhes o pescoço. “Nem Boko Haram representa o Islão, nem a comunidade muçulmana da Nigéria tem nada a ver com estes terroristas”, esclarece Ezechi Chukwu, analista e professor universitário nigeriano.
No discurso disfarçado de fanatismo religioso, a discriminação contra a mulher e o ódio ao Ocidente são apenas a ponta do iceberg. Por detrás dessa publicidade existe um grupo com grandes interesses económicos focalizado em todo o tipo de contrabando, tráfico de armas, sequestros e venda de escravas sexuais. Algumas dessas escravas acabam por chegar ao Estado espanhol em barcaças. “Existe uma possibilidade real de que algumas dessas meninas sequestradas acabem em Espanha com fins de exploração sexual”, comenta Viviana Waisman, presidenta da Women's Link Worldwide. Este organismo, que apresentou em abril o relatório “O tráfico de mulheres e meninas nigerianas: escravatura entre fronteiras e preconceitos'', reclama a responsabilidade dos países europeus para prevenir este tipo de atividades. Atualmente, existe uma falta de identificação efetiva e correta das vítimas de tráfico e de menores que chegam à Europa, não só nigerianas. “Desgraçadamente, também existem vítimas noutros países”, sustenta. “A estigmatização da mulher não é só um problema da Nigéria ou da África, mas também do mundo inteiro”.Este sequestro massivo é um dos ataques mais extremados contra as crianças, os professores e as escolas, ainda que não seja um caso único. “Não são estranhos nem se limitam só a Nigéria”, comenta Zama Coursen-Neff, diretora executiva da divisão dos direitos humanos das crianças da Human Rights Watch. “Nos últimos cinco anos, 30 países sofreram ataques semelhantes contra a educação. Escolas e universidades foram bombardeadas e queimadas, e muitos estudantes e professores foram assassinados”. Segundo esta organização internacional, outros países como o Paquistão, a Somália ou a República Democrática do Congo registaram acontecimentos semelhantes.
A história de uma vingança com mais de cinco mil vítimas
Em hausa, o idioma mais falado no norte da Nigéria, Boko Haram significa “a educação ocidental é pecado”. Corria o ano de 2002 quando um grupo de estudantes estabeleceu uma comuna no estado de Borno, ao norte da Nigéria, o país mais povoado de África. Impulsionados por Mohammed Yusuf, procuravam estabelecer um Estado islâmico, não só nas regiões do norte - de maioria muçulmana -, mas também em todo o país.
Nos últimos cinco anos, as ações de Boko Haram e as réplicas do Exército nigeriano deixaram um saldo aproximado de 5.000 mortos e milhares de deslocados. O seu líder, que foi dado como morto várias vezes, é hoje um dos islamistas mais procurados do mundo.Nos primeiros anos eles foram relativamente pacíficos. Yusuf tratou de ganhar apoios para o seu Estado islâmico ideal falando da pobreza e da corrupção generalizada entre as autoridades do país. Até 2009. Nesse ano iniciaram-se os confrontos com a Polícia. Yusuf foi detido e morreu quando estava sob custódia de agentes de uniforme. Esse foi o ponto de inflexão para a vingança do sucessor: Abubakar Shekau.
Artigo de Jon Custa, publicado no jornal Gara e disponível em rebelion.org. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages