Como é que o Iraque perdeu um terço do território para o EIIL em três dias? - Blog A CRÍTICA

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sexta-feira, 13 de junho de 2014

Como é que o Iraque perdeu um terço do território para o EIIL em três dias?

O Exército Islâmico do Iraque e o Levante, também conhecido por EIIL, capturou um terço do território do Iraque em poucos dias. A terceira maior cidade do país, Mosul, caiu poucas horas depois do início do ataque, apesar da força governamental de 27 mil homens para a defender. Artigo de Ali Mamouri no portal The Conversation.

O EIIL é uma amálgama de paramilitares sunitas ativos no Iraque e na Síria. É o mais recente e bem sucedido grupo extremista a aparecer na região e junta antigos militares do tempo do Baas, ex-membros da Al-Qaeda e fundamentalistas de países estimulados pela Primavera Árabe. Muçulmanos afastados do Ocidente também foram atraídos pelos feitos do EIIL na guerra civil síria.
Os ganhos territoriais recentes do EIIL significam que o grupo controla praticamente as regiões de maioria sunita ao longo da fronteira com a Síria. Como pode uma força rebelde com menos de 10 mil combatentes derrotar o aparelho de segurança do Iraque com mais de um milhão de pessoas? Poderá o governo eleito do Iraque vencer esta ameaça à sua autoridade e até mesmo à sua existência?
Porque falharam os militares iraquianos?
Um novo exército iraquiano foi restabelecido a partir de membros de milícias e baixas patentes do exército do Baas, quando este foi dissolvido em 2003. As altas patentes das forças leais a Saddam Hussein foram então desmobilizadas, o que originou dois problemas de segurança. Em primeiro lugar, os oficiais do antigo exército reorientaram-se para grupos terroristas. E em segundo lugar, o novo corpo militar padeceu de falta de experiência e disciplina que os antigos oficiais lhe conferiam.
A falta de uma agência de informações competente no Iraque também permitiu ao EIIL infiltrar-se no exército. Para mais, os líderes políticos que tomam as decisões definitivas sobre operações militares são normalmente ineficazes, já que o governo não tem uma visão nem uma estratégia clara, nem táticas eficazes para ultrapassar os problemas nacionais.Daqui resulta a falta de experiência e disciplina do exército iraquiano para combater um grupo terrorista. Os combatentes do EIIL têm na maior parte das vezes mais experiência de combate do que as tropas melhor equipadas do governo.
A fraqueza da governação levou ao alastrar da corrupção tanto na esfera política como na militar. As tropas são acusadas frequentemente de aceitarem subornos, especialmente nas zonas sunitas do Iraque.
Um dos exemplos mais dramáticos e cômicos da corrupção foi o recente contrato de 85 milhões de dólares para aquisição de 651 dispositivos de deteção de bombas. Custaram 40 mil dólares cada, mas foi descoberto mais tarde que eram uma fraude e não passavam de brinquedos para crianças.
O governo britânico interveio para suspender a produção, encerrar a empresa que os fabricava e investigar o fornecedor, Jim McCormick; ele foi condenado a 10 anos de cadeia em 2013. Apesar da ineficácia deste equipamento militar, o governo iraquiano ainda usa estes aparelhos em vez de procurar encontrar alternativas que funcionem.
O fracasso da justiça de transição

Os membros do governo eleito julgaram e condenaram alguns criminosos mais conhecidos associados ao anterior regime. Mas por outro lado negligenciaram outros aspectos deste processo de justiça de transição: a busca da verdade, a reconciliação nacional e o combate ao sectarismo e à discriminação. 
A justiça de transição é um dos componentes mais importantes do processo de democratização em países como o Iraque que sofreram os efeitos de longo prazo  da ditadura seguida pela violência sectária. Este projeto foi outro fracasso do novo governo do Iraque.
Os iraquianos sunitas estão a viver a mesma experiência dos xiitas sob o regime de Saddam Hussein. Um número significativo vai parar à cadeia sem acusação. Organizações nacionais e internacionais relatam uma grande variedade de violações dos direitos humanos que envolvem o governo. E o exército está entre os autores dos altos níveis de discriminação e sectarismo.
O governo do Iraque também discrimina a favor das milícias xiitas em detrimento das sunitas. Ele permite às primeiras agir livremente no Iraque e na Síria sem as considerar terroristas. Algumas, como a Al-Asaeb, até agem como aliados do governo.
Ao mesmo tempo, o governo suprime qualquer tipo de milícias da oposição sunita - incluindo algumas dominadas por civis. Isto tem levado ao alastrar do descontentamento entre a população sunita. Podem não concordar com o EIIL, mas dão as boas vindas a qualquer alternativa à atual situação.
O Iraque como frente de guerra sectária regional

Isto levou à abertura de uma fissura mortal no interior da sociedade iraquiana. Os sunitas acusam os xiitas de seguir as agendas iranianas. Os xiitas acusam os sunitas de serem a quinta coluna da Arábia Saudita e do Qatar porque não querem viver sob o comando da maioria xiita no seu próprio país.
O Iraque tornou-se um campo de batalha para os interesses sectários em disputa no Médio Oriente. A Arábia Saudita e o Qatar deram apoio às milícias sunitas no Iraque para pressionar o Irão e afastá-lo do apoio a Bashar al-Assad na Síria. Por seu lado, o Irão ficou amarrado aos partidos xiitas extremistas, mostrando tolerância zero em relação aos partidos sunitas moderados ou até aos xiitas moderados.
Mesmo que o EIIL não consiga manter o território que ocupou nos últimos tempos, a situação atual está longe de ser otimista e permanece frágil. Problemas sérios resultantes de décadas de ditadura juntaram-se aos problemas emergentes do novo regime falhado.
Ao mesmo tempo, a solução de dividir o país em fronteiras sectárias é rejeitada pela maior parte dos iraquianos, que querem viver num Iraque unido. A existência prolongada de áreas comuns a sunitas e xiitas torna qualquer divisão em linhas sectárias num processo muito doloroso e sangrento - um processo que as vitórias do EIIL podem ter iniciado.

Ali Mamouri é doutorando no Social Justice Institute da Australian Catholic University. Artigo publicado no portal The Conversation. Tradução de Luís Branco.

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