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quarta-feira, 25 de junho de 2014

Não se pode entender o mundo do capital sem entender o mundo do trabalho


Artigo publicado por Vicenç Navarro no diário digital EL PLURAL, 23 de junio de 2014

Este artículo analisa brevemente os pontos fortes e os pontos débeis do livro de Thomas Piketty “Capital In The Twenty-First Century”.


O Livro de Thomas Piketty Capital No século XXI criou uma celeuma, pois tem documentado o que, por certo, outros economistas (associações pertencentes a heterodoxos economistas) haviam indicado em seus escritos: a enorme concentração da propriedade do capital, que vem ocorrendo em grande parte dos países capitalistas desenvolvidos. A fama merecida do livro é porque ele detalha como tem ocorrido, ainda quando surpreendentemente não analisa em detalhe as causas políticas desta enorme concentração, como tem sido o desenvolvimento de políticas públicas neoliberais iniciadas pelo presidente Reagan nos EUA e Margaret Thatcher no Reino Unido, e amplamente implementado em ambos os lados do Atlântico Norte, onde a concentração de capital adquiriu níveis sem precedentes.

É lógico que a maioria das críticas ao livro tenham partido de meios como o Wall Street Journal (que tem definido-o como um panfleto comunista),  porta-vozes do capital financeiro. E na Espanha, os maiores críticos foram conhecidos por suas sensibilidades liberais e economistas ultra-liberais, de que existe uma elevada densidade nos meios de comunicação e persuasão.

Deve-se notar, entretanto, que também houve críticas de posições de esquerda, enfatizando que Piketty tem se concentrado no mundo do capital, sem relacioná-lo com o mundo do trabalho, vendo a acumulação e concentração de capital como um processo autônomo sem conexão com a deterioração das condições (incluindo salário), do mundo do trabalho. Esta deterioração foi muito marcada, também da década de oitenta. Então, Jack Rasmus, em seu relatório sobre a situação do mercado de trabalho nos EUA publicou a a raiz do 01 de maio (ZCommunications, 01/05/14) observa que o declínio dos salários durante as recessões foi tão grande e que o crescimento dos mesmos salários foi menor durante o período 1980-2009 do que no período anterior, 1950-1980, em contraste com o comportamento dos rendimentos do capital, que cresceu dramaticamente durante todo o período. Assim, os rendimentos do trabalho (como uma porcentagem da renda nacional) desceu nos EUA, passando de 55,6% em 1983 para 52% em 2007, quando a crise começou, em queda livre a partir da recessão, atingindo apenas 49,1%. Os rendimentos do capital aumentaram de modo que no final do período em estudo já tinham ultrapassado os rendimentos do trabalho.

Na verdade, a crise marcou uma queda dramática dos rendimentos do trabalho. E, portanto, a renda familiar média, que perdeu 10% do seu poder de compra. Houve uma alta destruição de postos de trabalho bem remunerados  (US$ 14 por hora), sendo substituídos - os mesmos postos de trabalho - por outros com salários de quase  metade, 7,64 dólares.

E a pergunta que deveria ter sido feito e não foi feita por Piketty é: existe uma relação entre a enorme concentração de capital e sua renda nos últimos trinta anos - acentuada durante estes anos de recessão - e a grande queda na renda do trabalho? E a evidência mostra claramente que existe. Na realidade, o fenômeno não pode ser explicado em primeiro lugar, sem o segundo. Como dito em um artigo anterior ("A exploração social como a principal causa da crescente desigualdade", Público, 01/05/14), o crescimento da produtividade explica que se haja continuado a criação de riqueza. Mas o enorme poder do capital - sobre as instituições políticas - explica que a maior parte da riqueza foi para os primeiro - para os proprietários e gestores do capital - e não para os segundo - os trabalhadores.

As políticas públicas derivadas deste fato deveriam ir muito além do que é proposto por Piketty, o qual se centra sobre uma tributação extraordinária dos rendimentos do capital em todo o mundo. Esta medida, que muitos têm considerado como uma condição necessária, mas um tanto utópica, deve ser acompanhada de medidas para aumentar a renda do trabalho, com um aumento significativo dos salários e gastos sociais visando as massas, medidas esquecidas, se não reprimidas nos centros de decisão dos governos, tanto na Espanha como na União Europeia.


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