Umberto Eco: Qual é o destino do mundo? - Blog A CRÍTICA

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domingo, 1 de junho de 2014

Umberto Eco: Qual é o destino do mundo?

Vamos deixar de lado, por ora, as interpretações alarmantes do calendário maia e todas as outras profecias apocalípticas. O que nós sabemos ao certo é que, dia após dia, os jornais estão anunciando um futuro que parece cada vez mais sombrio: elevação dos oceanos, desaparecimento das estações e (em breve, ao que parece) calote econômico –tanto que o filho de 10 anos de meus amigos, após ouvir seus pais lhe contarem sobre o destino do mundo, caiu em lágrimas e perguntou: “Não restará nada de bom no meu futuro?”

Para consolá-lo, eu poderia citar várias profecias realmente sombrias ao longo da história, já que era uma prática comum nos séculos passados fazer essas previsões temíveis. Aqui está uma passagem de autoria do teólogo francês Vicente de Beauvais, escrevendo no século 13: “Após a morte do Anticristo (...) o juízo final será precedido por muitos sinais revelados nos Evangelhos. (...) No primeiro dia, o mar subirá 30 côvados acima das montanhas e sua superfície se erguerá como um muro. No segundo dia, ele descerá tão profundamente que será difícil vê-lo”.

“No terceiro dia, monstros marítimos aparecerão na superfície do oceano e seus rugidos se erguerão até o céu. No quarto dia, o mar e todas as águas pegarão fogo. No quinto dia, a relva e as árvores escorrerão um orvalho de sangue. No sexto dia, os prédios ruirão. No sétimo dia, as rochas colidirão umas contra as outras. No oitavo dia, haverá um terremoto universal.”

“No nono dia, a terra será achatada. No 10º dia, os homens sairão das cavernas e perambularão loucos e mudos. No 11º dia, os ossos dos mortos se levantarão de novo. No 12º dia, as estrelas cairão. No 13º dia, os sobreviventes morrerão e serão ressuscitados com os mortos. No 14º dia, os céus e a terra queimarão. No 15º dia, haverá um novo céu e uma nova terra, e todos serão ressuscitados.”

Como você pode ver, mesmo desde o século 13 as pessoas já previam tsunamis e outros efeitos da mudança climática que nos ameaçam atualmente.

Se me permitir pular os seis séculos seguintes de proclamações fatais, aqui está Honoré de Balzac, em 1839: “A indústria moderna, trabalhando para as massas, destrói as criações da arte antiga, as obras que antes eram tão pessoais ao consumidor quanto eram para o artesão. Atualmente temos produtos; nós não temos mais obras”.

Segundo o alerta de Balzac, as pessoas que criam esses “produtos” carentes de qualquer valor artístico incluiriam o poeta Giacomo Leopardi, que escreveu “La Ginestra” (“A vassoura”) em 1836, e Alessandro Manzoni, que, por volta dessa época, estava trabalhando na segunda edição de “Os Noivos”. Em 1839, Stendhal publicaria “A Cartuxa de Parma”; enquanto isso, Chopin estava compondo sua Sonata para Piano Nº2 em si bemol menor, Op.35. Quase 20 anos depois, Flaubert publicou “Madame Bovary”. Nos anos 1860, apareceram os impressionistas e, em 1879, foi publicado “Os Irmãos Karamazov” de Fiódor Dostoiévski. Claramente, faz parte de nossa natureza ter um medo exagerado do futuro.

Mas talvez, por outro lado, tempos ruins realmente se aproximem –especialmente se, como diz a tradição, um dos sinais do final dos tempos é o de que o mundo virará de cabeça para baixo.

Por exemplo, no passado, os pobres viajavam de trem e apenas os ricos podiam pagar para voar; agora, a viagem aérea é mais barata (e os assentos mais baratos lembram os vagões de gado dos tempos da guerra), enquanto a viagem ferroviária oferece classes de serviços mais caras, exclusivas e luxuosas do que antes.

Igualmente, houve um tempo em que os ricos passavam férias na Riviera do Adriático, em Riccione –ou, nos piores casos, em Rimini– enquanto as ilhas do Oceano Índico eram habitadas por populações terrivelmente pobres ou eram destinadas a servir como colônias penais. Hoje, altos políticos vão para as Maldivas, e Rimini é reservada aos “muzhiks” russos, que apenas recentemente foram libertados da servidão.

Onde o mundo vai parar?

UMBERTO ECO
Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. É autor de "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault".

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