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quinta-feira, 10 de julho de 2014

A recessão persistente nos EUA

Os dados sobre o crescimento para o primeiro trimestre de 2014 da economia norte-americana indicam que o PIB caiu 2,9 por cento (em relação ao trimestre anterior), o que significa a pior contração num trimestre nos últimos cinco anos. Que aconteceu? Por Alejandro Nadal


A grande recessão nos Estados Unidos terminou oficialmente no verão de 2009. Em julho, os dados indicaram um crescimento positivo que interrompeu o caminho de queda iniciado com a crise financeira de 2008. O governo, a Reserva federal e a imprensa de negócios anunciaram que assim começava a recuperação. A bolsa de valores começou um período de auge que também foi apresentado como sinal claro de que o pior tinha passado.
O crescimento da economia norte-americana tem sido medíocre a partir de 2009, no entanto os dados sempre foram apresentados como correspondentes a uma recuperação. Mas este ano o comboio das boas notícias descarrilou.
Os dados sobre o crescimento para o primeiro trimestre de 2014 indicam que o PIB caiu 2,9 por cento (em relação ao trimestre anterior), o que significa a pior contração num trimestre nos últimos cinco anos. Que aconteceu?
A maior parte dos analistas e observadores esperava uma redução, mas não desta magnitude. Esta foi a pior queda no PIB fora de períodos de recessão desde a segunda guerra mundial. Em termos de valor, esta contração num único trimestre é equivalente às perdas da recessão de 2001, de modo que as perguntas sobre as causas subjacentes são importantes.
Muitos opositores do governo dos EUA têm assinalado que a causa principal da contração do PIB é a reforma do sistema de saúde introduzida por Obama. Em torno desta questão existe uma verdadeira campanha de desinformação que vaticinou ao longo de 2013 a queda drástica no número de empregos de tempo completo. A razão seria que as empresas procurariam cortar o número de horas trabalhadas para menos de 30 horas semanais com o fim de evitarem o custo de terem que outorgar prestações em matéria de saúde aos seus empregados. A realidade é diferente: o departamento de estatísticas laborais dos Estados Unidos revelou que a partir de abril de 2013 aumentou o emprego a tempo completo e foram eliminados 230 mil empregos a tempo parcial. Isto indica que as reformas do setor da saúde não podem estar por detrás do colapso do PIB. Para os analistas oficiais, a queda do PIB é produto de dois fatores centrais. O primeiro é o inverno de 2013-14, um dos mais severos dos últimos cem anos. E seguramente as baixas temperaturas desempenharam um papel, ainda que não se possa determinar que proporção da queda do PIB é diretamente atribuível ao inverno rigoroso. A despesa total dos consumidores (que explica dois terços do crescimento do PIB dos Estados Unidos) aumentou só um ponto percentual, quando se esperava que cresceria pelo menos 3 por cento, mas nem tudo isso se pode atribuir ao frio. Numa economia robusta, nem o inverno mais forte provoca uma queda desta magnitude.
Há cinco anos terminou oficialmente a recessão no país que detonou a crise financeira e econômica global. Desde então, a economia norte-americana cresceu a um ritmo muito abaixo do que teve noutras “recuperações”. Claramente, esta recessão e a sua “recuperação” não tem sido como outras. O outro fator que joga um papel chave no mau desempenho da economia norte-americana é o das exportações. Estas contraíram-se em mais de 9 por cento, quando o prognóstico era que só caíssem 6 por cento. Esta é a consequência direta da persistente crise na Europa e da perda de dinamismo em economias como Brasil, China e Índia. Isto é, a economia mundial ainda está a sofrer com a crise global.
A realidade é que existem distorções estruturais na economia norte-americana que explicam este comportamento medíocre. Duas dessas distorções encontram-se intimamente relacionadas. A primeira é o tamanho desmedido do setor financeiro. A outra é a que constitui a base para a grande crise de 2008: trata-se do nível salarial que se mantém deprimido e que explica não só a desigualdade, mas também o sobre-endividamento.
Por que estão deprimidos os salários? Porque os poderes estabelecidos triunfaram de maneira espetacular na sua ofensiva contra os trabalhadores, os seus sindicatos e tudo o que cheire a cultura operária e camponesa. Por isso hoje continuamos a observar aumentos de produtividade e salários que não crescem. Isso significa que alguém está a ficar com os ganhos.Na atualidade nos Estados Unidos o nível de remunerações do trabalho (não diretivo) está nos níveis de 1970. Isso torna quase impossível que o ritmo da economia possa assentar algum dia numa procura sã baseada em empregos de boa qualidade.
Diz-se que são precisos dois trimestres consecutivos com crescimento negativo para poder falar de recessão. É possível que o próximo trimestre mostre um crescimento positivo e as autoridades possam evitar o emprego dessa palavra. Mas recessão ou não, tudo anuncia que o tom medíocre do desempenho económico nos Estados Unidos vai permanecer longos anos. Não será uma surpresa, é o que se pode esperar do capital na sua fase neoliberal.
Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada

Sobre o/a autor(a)

         Alejandro Nadal
         Economista, professor em El Colegio do México.

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