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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Em dez anos, o Brasil fechou, em média, oito escolas rurais por dia

Mobilizações de comunidades rural e da sociedade civil, além do ensino contextualizado, são caminhos de resistência a essa prática que traz graves consequências para a população do campo
Verônica Pragana - Asacom
15/07/2014
As salas de aula no meio rural têm ficado cada vez mais raras | Foto: Fred Jordão/Arquivo Asacom

Há vários anos, os movimentos sociais - a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra com sua campanha "Fechar escolas é crime"- vêm denunciando um fenômeno que traz grandes prejuízos para a sua população e para a agricultura familiar: o fechamento de milhares de escolas. De 2003 a 2013, 32,5 mil unidades deixaram de funcionar. A cada dia, em média, são oito instituições a menos no campo. Os dados são do Censo Escolar reunidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Ministério da Educação e Cultura (MEC). 


No intervalo de sete anos – de 2002 a 2009 – o número de matrículas no campo reduziu 15,6%. O percentual se traduz em mais de 1 milhão e 200 mil alunos que estão sem escola ou foram obrigados a estudar na cidade. Frequentar a sala de aula na sede do município significa se deslocar muitos quilômetros. Dados do Ibope (2010) apontam que 10% dos estudantes nas áreas rurais levam mais de uma hora para chegar nas escolas.



Fazendo um recorte regional, nestes sete anos, 22,5% das escolas rurais fechadas estão no Nordeste, que ficou com menos 14 mil instituições. O maior índice de todas as regiões do país. Vale ressaltar também um dado histórico que demonstra a ausência de políticas públicas eficazes na área de educação para a população nordestina: essa região concentra o dobro (18,7%) da média de analfabetos do país (9,7%).



A maioria das escolas fechadas pertence à rede municipal, responsável pelo ensino fundamental (1º ao 9º ano) e o argumento mais utilizado para justificar a ação é que não tem mais alunos para frequentar as escolas. O que é rebatido com vigor por Vera Carneiro, coordenadora de educação rural do Movimento de Organização Comunitária (MOC), organização que faz parte da ASA Bahia e tem atuação no território sisaleiro.



“A educação não pode ser vista apenas do ponto de vista de números. É um direito subjetivo. Não é só espaço de sala de aula que se está fechando. Fecham espaços pra expressão da cidadania, da organização da comunidade, de expressão da cultura e própria identidade. [A escola] é um dos poucos serviços públicos que chegam na comunidade rural”, assegura Vera.



Para o coordenador executivo da ASA pelo estado do Piauí, Carlos Humberto Campos, a diminuição das escolas na zona rural agrava a situação de abandono das unidades rurais, que não têm água e são desprovidas de estrutura de lazer. “A escola não pode ser vista como gasto, custo. É um investimento. A situação atual demonstra todo um descuidado do Estado com a população mais empobrecida e excluída historicamente não só do campo, mas também da área urbana”, diz, chamando a atenção também para os gastos desnecessários que passam a ser gerados com transporte escolar, que na maioria das vezes não é seguro, expondo os alunos a situações de vulnerabilidade.



Outro elemento problematizado por Carlos é a violência simbólica que as crianças e jovens sofrem ao estudar numa escola com referências urbanas. “Quando as crianças e os jovens vão para cidade, é reforçado no seu imaginário a ilusão de que o espaço urbano oferece melhores condições de realização em detrimento do seu lugar de origem. Isso provoca um movimento interno de negação da vida no meio rural e, consequentemente, de esvaziamento do campo. Assim se abre a perspectiva de que o campo não é mais para a agricultura familiar, dando lugar para os projetos dos grandes latifúndios”, problematiza.



Lei Federal - Para tentar conter essa avalanche de escolas desativadas, foi aprovada em março passado uma lei que traz a exigência da consulta aos órgãos normativos do sistema de ensino, os Conselhos Municipais de Educação, antes da prefeitura decidir encerrar as atividades de uma instituição de ensino. Na Lei 3534/12, o Conselho deve basear sua recomendação na análise da justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, no diagnóstico do impacto de ação e na manifestação da comunidade escolar.


Vera Carneiro: "Se tem uma instituição que debata os problemas da comunidade, que é bem atuante, aquela comunidade não vai permitir que a escola feche.” | Foto: Acervo pessoal

Na avaliação de Vera Carneiro, esta é uma lei que tenta impedir, mas não proíbe a intenção. “A ação tem que ser mais enérgica”, assegura. Ela defende a criação de políticas municipais de educação no campo não só para garantir a manutenção da unidade, mas para que os seus equipamentos e ensino sejam qualificados, oferecendo condições de funcionamento com laboratórios de ciências e de informática, quadras esportivas, espaços para expressão da cultura, entre outros.


“Se tem uma lei municipal, o Ministério Público e a sociedade civil organizada e mobilizada têm instrumentos para garantir que a escola não seja fechada. Se tem uma instituição que debata os problemas da comunidade, que é bem atuante, aquela comunidade não vai permitir que a escola feche”, declara Vera, que acompanha o trabalho que o MOC desenvolve junto a 21 municípios, dos quais nove estão com leis municipais de educação no campo aprovadas e 12 estão com a legislação em trâmite.



Portas reabertas – No sertão de Sergipe, no município de Poço Redondo, a comunidade rural de Queimadas se orgulha por sua resistência. Fábio Santos Silva, ex-presidente da Associação Comunitária de Queimadas, estima que no município foram fechadas cerca de oito escolas. Uma delas, que ficou desativada por dois ou três anos, voltou a funcionar por mérito e mobilização da comunidade, que teve a assessoria do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Coletivo da Juventude.



A escola Nossa Senhora dos Passos, a mais antiga da comunidade, foi reaberta depois que a comunidade se organizou para exigir não só esse pleito como também para discutir e acompanhar o projeto político-pedagógico da unidade. Hoje, a instituição atende a cerca de 300 alunos que estudam do 1º ao 9º ano e moram em comunidades vizinhas, no máximo, a 6 km de distância. “Quando a escola foi fechada, alguns estudantes precisavam se deslocar 17, 20 quilômetros pra estudar na rua [sede do município]”, conta Fábio.



Ele atribui a esta vitória o envolvimento da comunidade na reivindicação para trazer uma universidade pública para o Sertão sergipano, a primeira fora da capital. Em Poço Redondo, 15 mil pessoas foram às ruas numa caminhada de cinco quilômetros. O resultado disto é a Universidade Nossa Senhora da Glória, que está sendo construída no Assentamento Queimada Grande.



Trazendo as práticas rurais para a escola - Quando os conteúdos trabalhados na escola dialogam com a realidade dos alunos, a instituição também entra na vida comunitária e atrai a presença constante dos pais. Isso foi experimentado pela professora Maria de Fátima Pereira da Costa quando a escola Maria Cardoso de Almeida reabriu após 10 anos desativada. 



A instituição fica na comunidade Riacho dos Currais, no município de São Bentinho, na Paraíba, onde mora a professora Fátima, que antes fazia parte do grupo de docentes de uma instituição da sede da cidade. Desde que teve a oportunidade de ensinar às crianças de sua localidade, Fátima incluiu nos planos de aula elementos e práticas da convivência com o Semiárido, que teve acesso através da ASA.



Desde maio de 2013, a professora, junto a seus alunos e com apoio ativo dos pais, está revolucionando a escola. Eles desenvolvem um projeto que transformou o quintal da escola em um espaço com um canteiro econômico – o segundo já está com a construção encomendada – pomar, farmácia viva com 18 plantas, jardim, viveiro de mudas, minibanco de sementes. O que colhem na horta, parte vira merenda e a outra é vendida na comunidade. O recurso que entra é investido no projeto.



“As crianças estão amando porque elas vivem aquilo nas suas casas e os seus pais também vivenciam isso quando participam das formações do P1MC e do P1+2”, comenta a professora com empolgação, completando: “Como a comunidade recebe muitas visitas [intercâmbios do P1+2], ela leva os alunos para participar também e isso tem dado muito certo.”



Entrevista com Vera Carneiro



O que significa fechar uma escola?


Fechar escola é um dos direitos neglicenciados. Quando se fecha as portas, já se fecharam muitos direitos antes. O direito a ter uma educação que trabalhe com o conteúdo da vida das pessoas, de não ser uma escola que transfira, transmita conteúdos, mas que construa conhecimentos para mudar a realidade. O direito de ter uma educação contextualizada, problematizadora, que os problemas da comunidade sirvam de conteúdo curricular na escola para ajudar a encontrar soluções, exercendo seu papel mobilizador para transformar a história daquela comunidade.


Quando a escola apenas repassa os conteúdos e, muitas vezes, os mesmos conteúdos trabalhados nos grandes centros urbanos, ela desconsidera a identidade dos sujeitos, e está violando o direito da identidade do sujeito do campo, das especificidades do campo, se torna desinteressante e acontece a evasão escolar, o êxodo. Quando não oferece condições físicas, não tem água, alimentação de qualidade, ela está negligenciando esses direitos...


Me fale de uma experiência interessante com relação à educação que aconteceu num dos municípios que o MOC acompanha?

Em Riachão do Jacuípe, a partir desta experiência de educação contextualizada que desenvolvem, a avaliação do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], da Prova Brasil, foi melhor do que as crianças que estudavam na sede, que não tinham a metodologia de educação contextualizada. Com isso, o município investiu mais, as crianças estão ganhando computador, espaços para brinquedos educativos. As crianças não podem ficar de fora das tecnologias, da informação. A educação contextualizada também não é só ficar ali, mas parte dali [da comunidade]. Não se pode neglicenciar os direitos do acesso à informação, da comunicação.


A lei está na Câmara de Vereadores, ainda não foi aprovada, mas houve todo processo de mobilização do município para aprovação. Eles já vêm efetivando a lei na prática até mais que os municípios que já aprovaram.


Como é desenvolvido o trabalho do MOC para estimular a construção da política pública de educação no campo municipal?

O MOC já vinha no debate de políticas públicas havia anos, mas para efetivar mesmo fizemos vários seminários - 4 seminários regionais de 3 dias em 2011 - com representantes da sociedade civil, educadores, coordenadores, para elaborar uma minuta de lei. Depois, cada município fez uma lei a partir de suas especificações, a partir de elementos da própria realidade do município.


A partir de 2012, seguimos no processo de mobilização dos municípios, fase que estamos até hoje. É um trabalho longo que depende da realidade, principalmente do envolvimento da sociedade civil e movimentos sociais de cada município.

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