Desde a eclosão da crise bancária em 2007, os bancos centrais dos países
mais industrializados emprestam massivamente aos bancos a taxas de juro
muito baixas, a fim de evitarem falências, permitindo que os bancos
economizem somas consideráveis em termos de reembolso dos juros.
Por Éric Toussaint.
Foto de Emilian Robert Vicol/flickr
A Fed compra massivamente aos bancos norte-americanos produtos estruturados hipotecários. O Banco Central Europeu (BCE) não compra, até agora, produtos estruturados, mas aceita que os bancos os usem como colateral,
que é como quem diz como garantia, dos empréstimos que lhes concede.
Quanto aos governos, concedem garantias e injetam massivamente capitais,
a fim de recapitalizarem os bancos. Os bancos sistemicos
sabem que, em caso de surgirem problemas, graças à sua dimensão e ao
risco que representa a falência de um deles (“too big to fail”), podem
contar com o apoio dos Estados que os alimentam sem pestanejar. Os
governos pedem emprestado nos mercados financeiros, emitindo títulos de
dívida pública soberana. Confiam na venda desses títulos aos grandes
bancos privados. Por outro lado, os bancos beneficiam de reduções de
impostos sobre os seus rendimentos. Além disso, no seio da Europa, os
bancos aproveitam o monopólio do crédito destinado ao setor público.
A partir de 2007, os governos e os
bancos centrais dos países ocidentais mais industrializados, mergulhados
na maior crise económica desde os anos trinta, deram prioridade
absoluta ao resgate dos bancos privados e ao sistema financeiro que os
rodeia (seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensões privados,
…)1.
O resgate dos bancos é feito à custa da esmagadora maioria da população
(os 99%). Os poderes públicos tudo fizeram para manterem os principais
privilégios dos bancos privados e para conservarem intacto o poder
destes. O custo do resgate é enorme: explosão da dívida pública, perda
de receitas fiscais, forte restrição dos empréstimos às famílias e às
PME (pequenas e médias empresas), continuação das atividades
especulativas e aventureiras que, nalguns casos, provocam a necessidade
de novos resgates de elevado montante.
Os empréstimos massivos dos bancos centrais aos bancos privados
Desde a eclosão da crise bancária, em 2007, os grandes bancos centrais dos países mais industrializados (BCE, Banco de Inglaterra, Fed
dos EUA, Banco Nacional Suíço, Banco do Japão) emprestam massivamente
aos bancos, a taxas de juro baixas, a fim de evitarem falências. Sem
essa linha de crédito ilimitado, uma grande parte dos bancos teria
entrado em incumprimento de pagamentos, pois as fontes habituais de
financiamento estancaram; os empréstimos interbancários deixaram de
funcionar (os bancos desconfiavam uns dos outros); a venda de obrigações
bancárias é muito fraca e os empréstimos a curto prazo, assegurados
pelos money market funds , são aleatórios (ver caixa).
O total acumulado dos empréstimos dos bancos centrais aos bancos
privados, desde 2007, ultrapassa muito largamente os 20 bilhões de
dólares. Como este maná de crédito funciona com uma taxa de juro muito
baixa, isto permite aos grandes bancos, que dele beneficiam, economizar
montantes consideráveis no que diz respeito ao reembolso dos juros.
O que são os money market funds?
Os money market funds
(MMF) são sociedades financeiras dos EUA e da Europa, pouco ou nada
controladas e regulamentadas, porque não possuem licença bancária. Fazem
parte da shadow banking ,
a banca sombra. Em teoria, os MMF têm uma política prudente, mas a
realidade é bem diferente. A administração Obama pretende
regulamentá-los, porque em caso de falência de um MMF, o risco de ter de
utilizar dinheiros públicos para os salvar é muito elevado. Os MMF
suscitam grande inquietação, em razão dos consideráveis fundos que gerem
e da queda da sua margem de lucro desde 2008. Em 2012, os MMF
norte-americanos movimentavam 2,7 bilhões de dólares de fundos, contra
3,8 bilhões em 2008. Enquanto fundos de investimento, os MMF coletam
capitais dos investidores (bancos, fundos de pensão, etc.). Esta
poupança é depois emprestada a muito curto prazo, frequentemente de um
dia para o outro, a bancos, empresas e aos Estados. Nos anos zero, o
financiamento através dos MMF tornou-se um componente importante do
financiamento a curto prazo dos bancos. Entre os principais fundos,
encontramos o Prime Money Market Fund,
criado pelo principal banco dos EUA, o JP Morgan, que geria, em 2012,
115 bilhões de dólares. Nesse mesmo ano, o Wells Fargo, quarto banco
dos EUA, geria um MMF de 24 bilhões de dólares. O Goldman Sachs,
quinto banco norte-americano, controlava um MMF de 25 bilhões de
dólares. No mercado dos MMF em euros, voltamos a encontrar as sociedades
norte-americanas – JP Morgan (com 18 bilhões de euros), Black Rock
(11,5 bilhões), Goldman Sachs (10 bilhões) – e europeias, onde
pontuam o BNP Paribas (7,4 bilhões) e o Deutsche Bank (11,3 bilhões), isto no que respeita ao ano de 2012. Certos MMF operam
igualmente em libras esterlinas. Embora Michel Barnier, comissário
europeu encarregado dos mercados financeiros, tenha anunciado a intenção
de regulamentar o setor, até hoje nada foi feito. Mais uma declaração
de intenções que deu em nada.2
A agência de notação Moody’s
calculou que, durante o período 2007-2009, 62 MMF tiveram de ser salvos
da falência pelos bancos ou pelos fundos de pensões, que os tinham
criado. Trata-se de 36 MMF que operam nos EUA e 26 na Europa, com um
custo total de 12,1 bilhões de dólares. Entre 1980 e 2007, 146 MMF
foram salvos pelos seus promotores. Em 2010-2011, ainda segundo a
Moody’s, 20 MMF foram salvos.3 Isto mostra a que ponto podem os MMF pôr em perigo a estabilidade do sistema financeiro privado.
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Fora financiamentos diretos, os bancos centrais utilizam outros meios para ir em socorro dos bancos privados.
Assim, a Fed compra massivamente aos bancos norte-americanos os produtos estruturados hipotecários (mortgage backed securities, MBS). Entre 2008 e inícios de 2014, a Fed comprou-os por um pouco mais de 1,5 trilhões de dólares.4 Em 2012-2013, comprou por mês aos bancos e às agências imobiliárias,5 que garantem os créditos
hipotecários, 40 bilhões de dólares desses produtos altamente
tóxicos, a fim de lhes aliviar o fardo. Em finais de 2013, começou a
reduzir estas compras que se elevavam, em março de 2014, a 35 bilhões de dólares por mês. Em outubro de 2014, a Fed deterá 1,7 trilhões
de dólares de MBS, ou seja, cerca de 21% do volume total desses
produtos tóxicos6 É gigantesco!
O BCE não compra produtos estruturados, mas aceita que os bancos os depositem como colateral,
que é como quem diz garantia, dos empréstimos que lhes concede. No
período entre 2010 e 2013, a quantidade de produtos estruturados (ABS) depositados pelos bancos no BCE oscilou entre 325 e 490 bilhões de euros.
Além disso, o BCE compra obrigações (covered bonds), emitidas pelos bancos privados para se financiarem.7
Trata-se duma ajuda muito importante do BCE aos bancos que estão em
graves dificuldades para se financiarem nos mercados. Esta ajuda é pura e
simplesmente silenciada na m[idia. Desde a eclosão da crise, o BCE
comprou 76 bilhões de covered bonds – 22 bilhões no mercado
primário e 54 bilhões no mercado secundário. Note-se que no meio
disto tudo o BCE comprou covered bonds que têm uma má notação (BBB-), o
que significa que as agências de notação não tinham confiança na saúde
dos bancos que as emitiram. Em 18 de março de 2014, o BCE possuía 52 bilhões de euros de covered bonds dos bancos. É um montante muito
considerável, quando comparado com o volume de emissões dos bancos. Em
2013, apenas somava 166 milhões de euros, uma queda de 50% relativamente
a 2011.8
Artigo de Éric Toussaint, tradução de Rui Viana Pereira, revisão de Maria da Liberdade. Publicado em cadtm.org
1
No Japão, o governo e o banco central fizeram o mesmo a seguir ao
rebentamento da bolha imobiliária e da crise bancária no início dos anos
noventa. Ver Daniel Munevar, “Décennies perdues au Japon”, in Damien
Millet e Eric Toussaint, La dette ou la vie, Aden-CADTM, 2011, cap.15.
2
Financial Times, “EU shadow banking plan rapped”, edição de 26 de março
de 2012; “MMF lose worth in low interest rate world”, edição de 10 de
setembro de 2012; “EU abandons reform on money market funds”, edição de
10 de março de 2014.
3 Financial Times, “20 money market funds rescued”, edição de 21 de outubro de 2013.
4
Fins de janeiro de 2014, o balanço da Fed era superior a 4 biliões de
dólares: 2,228 biliões em títulos do Tesouro e 1,586 biliões em créditos
hipotecários titularizados (MBS)
5 Fannie Mae, Freddie Mac e Ginnie Mae.
6 Natixis, EcoHebdo, 25 de julho de 2014, n.º 29, http://cib.natixis.com/flushdoc.asp...
7
O banco Natixis, que é evidentemente, como todos os bancos, muito
favorável a estas compras, publicou um relatório entusiástico sobre a
questão em 2009: http://cib.natixis.com/flushdoc.asp...
8
A emissão de covered bonds pelos bancos, em 2013, foi a mais fraca
desde 1996! Comparando com 2011, baixou mais de 50%. Em 2011, a emissão
de covered bonds elevou-se a 370 mil milhões de dólares, enquanto, em
2013, não chegou a 166 mil milhões de dólares. Ver Financial Times,
“Europe covered bond issues slump”, edição de 27 de novembro de 2013.
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