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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

As ajudas massivas dos bancos centrais aos grandes bancos privados

Desde a eclosão da crise bancária em 2007, os bancos centrais dos países mais industrializados emprestam massivamente aos bancos a taxas de juro muito baixas, a fim de evitarem falências, permitindo que os bancos economizem somas consideráveis em termos de reembolso dos juros. 

Por Éric Toussaint.


Foto de Emilian Robert Vicol/flickr

A Fed compra massivamente aos bancos norte-americanos produtos estruturados hipotecários. O Banco Central Europeu (BCE) não compra, até agora, produtos estruturados, mas aceita que os bancos os usem como colateral, que é como quem diz como garantia, dos empréstimos que lhes concede. Quanto aos governos, concedem garantias e injetam massivamente capitais, a fim de recapitalizarem os bancos. Os bancos sistemicos sabem que, em caso de surgirem problemas, graças à sua dimensão e ao risco que representa a falência de um deles (“too big to fail”), podem contar com o apoio dos Estados que os alimentam sem pestanejar. Os governos pedem emprestado nos mercados financeiros, emitindo títulos de dívida pública soberana. Confiam na venda desses títulos aos grandes bancos privados. Por outro lado, os bancos beneficiam de reduções de impostos sobre os seus rendimentos. Além disso, no seio da Europa, os bancos aproveitam o monopólio do crédito destinado ao setor público.

A partir de 2007, os governos e os bancos centrais dos países ocidentais mais industrializados, mergulhados na maior crise económica desde os anos trinta, deram prioridade absoluta ao resgate dos bancos privados e ao sistema financeiro que os rodeia (seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensões privados, …)1
O resgate dos bancos é feito à custa da esmagadora maioria da população (os 99%). Os poderes públicos tudo fizeram para manterem os principais privilégios dos bancos privados e para conservarem intacto o poder destes. O custo do resgate é enorme: explosão da dívida pública, perda de receitas fiscais, forte restrição dos empréstimos às famílias e às PME (pequenas e médias empresas), continuação das atividades especulativas e aventureiras que, nalguns casos, provocam a necessidade de novos resgates de elevado montante.

Os empréstimos massivos dos bancos centrais aos bancos privados

Desde a eclosão da crise bancária, em 2007, os grandes bancos centrais dos países mais industrializados (BCE, Banco de Inglaterra, Fed dos EUA, Banco Nacional Suíço, Banco do Japão) emprestam massivamente aos bancos, a taxas de juro baixas, a fim de evitarem falências. Sem essa linha de crédito ilimitado, uma grande parte dos bancos teria entrado em incumprimento de pagamentos, pois as fontes habituais de financiamento estancaram; os empréstimos interbancários deixaram de funcionar (os bancos desconfiavam uns dos outros); a venda de obrigações bancárias é muito fraca e os empréstimos a curto prazo, assegurados pelos money market funds , são aleatórios (ver caixa). O total acumulado dos empréstimos dos bancos centrais aos bancos privados, desde 2007, ultrapassa muito largamente os 20 bilhões de dólares. Como este maná de crédito funciona com uma taxa de juro muito baixa, isto permite aos grandes bancos, que dele beneficiam, economizar montantes consideráveis no que diz respeito ao reembolso dos juros.

O que são os money market funds?
Os money market funds (MMF) são sociedades financeiras dos EUA e da Europa, pouco ou nada controladas e regulamentadas, porque não possuem licença bancária. Fazem parte da shadow banking , a banca sombra. Em teoria, os MMF têm uma política prudente, mas a realidade é bem diferente. A administração Obama pretende regulamentá-los, porque em caso de falência de um MMF, o risco de ter de utilizar dinheiros públicos para os salvar é muito elevado. Os MMF suscitam grande inquietação, em razão dos consideráveis fundos que gerem e da queda da sua margem de lucro desde 2008. Em 2012, os MMF norte-americanos movimentavam 2,7 bilhões de dólares de fundos, contra 3,8 bilhões em 2008. Enquanto fundos de investimento, os MMF coletam capitais dos investidores (bancos, fundos de pensão, etc.). Esta poupança é depois emprestada a muito curto prazo, frequentemente de um dia para o outro, a bancos, empresas e aos Estados. Nos anos zero, o financiamento através dos MMF tornou-se um componente importante do financiamento a curto prazo dos bancos. Entre os principais fundos, encontramos o Prime Money Market Fund, criado pelo principal banco dos EUA, o JP Morgan, que geria, em 2012, 115 bilhões de dólares. Nesse mesmo ano, o Wells Fargo, quarto banco dos EUA, geria um MMF de 24 bilhões de dólares. O Goldman Sachs, quinto banco norte-americano, controlava um MMF de 25 bilhões de dólares. No mercado dos MMF em euros, voltamos a encontrar as sociedades norte-americanas – JP Morgan (com 18 bilhões de euros), Black Rock (11,5 bilhões), Goldman Sachs (10 bilhões) – e europeias, onde pontuam o BNP Paribas (7,4 bilhões) e o Deutsche Bank (11,3 bilhões), isto no que respeita ao ano de 2012. Certos MMF operam igualmente em libras esterlinas. Embora Michel Barnier, comissário europeu encarregado dos mercados financeiros, tenha anunciado a intenção de regulamentar o setor, até hoje nada foi feito. Mais uma declaração de intenções que deu em nada.2

A agência de notação Moody’s calculou que, durante o período 2007-2009, 62 MMF tiveram de ser salvos da falência pelos bancos ou pelos fundos de pensões, que os tinham criado. Trata-se de 36 MMF que operam nos EUA e 26 na Europa, com um custo total de 12,1 bilhões de dólares. Entre 1980 e 2007, 146 MMF foram salvos pelos seus promotores. Em 2010-2011, ainda segundo a Moody’s, 20 MMF foram salvos.3 Isto mostra a que ponto podem os MMF pôr em perigo a estabilidade do sistema financeiro privado.

Fora financiamentos diretos, os bancos centrais utilizam outros meios para ir em socorro dos bancos privados.

Assim, a Fed compra massivamente aos bancos norte-americanos os produtos estruturados hipotecários (mortgage backed securities, MBS). Entre 2008 e inícios de 2014, a Fed comprou-os por um pouco mais de 1,5 trilhões de dólares.4 Em 2012-2013, comprou por mês aos bancos e às agências imobiliárias,5 que garantem os créditos hipotecários, 40 bilhões de dólares desses produtos altamente tóxicos, a fim de lhes aliviar o fardo. Em finais de 2013, começou a reduzir estas compras que se elevavam, em março de 2014, a 35 bilhões de dólares por mês. Em outubro de 2014, a Fed deterá 1,7 trilhões de dólares de MBS, ou seja, cerca de 21% do volume total desses produtos tóxicos6 É gigantesco!

O BCE não compra produtos estruturados, mas aceita que os bancos os depositem como colateral, que é como quem diz garantia, dos empréstimos que lhes concede. No período entre 2010 e 2013, a quantidade de produtos estruturados (ABS) depositados pelos bancos no BCE oscilou entre 325 e 490 bilhões de euros.

Além disso, o BCE compra obrigações (covered bonds), emitidas pelos bancos privados para se financiarem.7 Trata-se duma ajuda muito importante do BCE aos bancos que estão em graves dificuldades para se financiarem nos mercados. Esta ajuda é pura e simplesmente silenciada na m[idia. Desde a eclosão da crise, o BCE comprou 76 bilhões de covered bonds – 22 bilhões no mercado primário e 54 bilhões no mercado secundário. Note-se que no meio disto tudo o BCE comprou covered bonds que têm uma má notação (BBB-), o que significa que as agências de notação não tinham confiança na saúde dos bancos que as emitiram. Em 18 de março de 2014, o BCE possuía 52 bilhões de euros de covered bonds dos bancos. É um montante muito considerável, quando comparado com o volume de emissões dos bancos. Em 2013, apenas somava 166 milhões de euros, uma queda de 50% relativamente a 2011.8

Artigo de Éric Toussaint, tradução de Rui Viana Pereira, revisão de Maria da Liberdade. Publicado em cadtm.org

1 No Japão, o governo e o banco central fizeram o mesmo a seguir ao rebentamento da bolha imobiliária e da crise bancária no início dos anos noventa. Ver Daniel Munevar, “Décennies perdues au Japon”, in Damien Millet e Eric Toussaint, La dette ou la vie, Aden-CADTM, 2011, cap.15.
2 Financial Times, “EU shadow banking plan rapped”, edição de 26 de março de 2012; “MMF lose worth in low interest rate world”, edição de 10 de setembro de 2012; “EU abandons reform on money market funds”, edição de 10 de março de 2014.
3 Financial Times, “20 money market funds rescued”, edição de 21 de outubro de 2013.
4 Fins de janeiro de 2014, o balanço da Fed era superior a 4 biliões de dólares: 2,228 biliões em títulos do Tesouro e 1,586 biliões em créditos hipotecários titularizados (MBS)
5 Fannie Mae, Freddie Mac e Ginnie Mae.
6 Natixis, EcoHebdo, 25 de julho de 2014, n.º 29, http://cib.natixis.com/flushdoc.asp...
7 O banco Natixis, que é evidentemente, como todos os bancos, muito favorável a estas compras, publicou um relatório entusiástico sobre a questão em 2009: http://cib.natixis.com/flushdoc.asp...
8 A emissão de covered bonds pelos bancos, em 2013, foi a mais fraca desde 1996! Comparando com 2011, baixou mais de 50%. Em 2011, a emissão de covered bonds elevou-se a 370 mil milhões de dólares, enquanto, em 2013, não chegou a 166 mil milhões de dólares. Ver Financial Times, “Europe covered bond issues slump”, edição de 27 de novembro de 2013.

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