Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate]
O consumo total de energia no mundo passou de cerca de 4 bilhões de
toneladas de óleo equivalente, em 1965, para pouco mais de 12 bilhões em
2013, um crescimento de 3 vezes, enquanto a população mundial dobrou de
tamanho no mesmo período. A energia fóssil (petróleo, carvão e gás)
responde por mais de 80% do consumo mundial. Cresceu a disponibilidade
de energia extrassomática per capita, o que possibilitou o aumento da
renda per capita e uma elevação do padrão médio de vida humana.
Segundo o Conselho Global de Energia Eólica (Global Wind Energy
Council – GWEC), a capacidade instalada de energia eólica era de 6,1
Gigawatts (GW) em 1996 e atingiu pouco mais de 318 GW em 2013 (isto
equivale a mais de 22 usinas de Itaipu). Um crescimento de quase 52
vezes em 15 anos. De 1995 a 2013 a capacidade global de produção de
energia solar fotovoltaica aumentou mais de 200 vezes, passando de 0,6
gigawatts (GW) para mais de 120 GW. Foi um crescimento exponencial
impressionante.
Porém, a energia renovável, a despeito de todo o crescimento recente,
representa somente 2% das fontes energéticas utilizadas no mundo. A
soma das fontes renováveis, hidrelétricas e nuclear fica em torno de 20%
do total global.
Portanto, os combustíveis fósseis vão continuar responsáveis pelo
atendimento da maior parte das necessidades energéticas mundiais, nas
próximas décadas. Daí surgem dois problemas graves: 1) a continuidade da
queima de combustíveis fósseis vai manter elevada a emissão de CO2,
aumentando os efeitos deletérios do efeito estufa que provoca o
aquecimento global, com todas as suas consequências negativas; 2) o alto
consumo de combustíveis fósseis, em um quadro de depleção dos antigos
poços, deve gerar um desequilíbrio entre oferta e demanda, provocando a
elevação dos preços.
Atualmente, o preço do petróleo, em termos constantes, está em seus
mais altos patamares históricos. O preço do petróleo era muito alto no
começo da exploração entre os anos de 1861 e 1869. Mas com as novas
descobertas e o avanço tecnológico, os preços foram caindo até o início
da década de 1970. A instabilidade do Oriente Médio e as guerras do Yom
Kipur e do Irã Iraque jogaram os preços na “estratosfera”. O fim da
Guerra Fria e a maior estabilidade política possibilitaram que os preços
voltassem aos seus níveis mais baixos da história na virada do milênio.
Contudo, mesmo sem grande conflitos sangrentos, os preços voltaram a
subir na primeira década do século XXI e, após uma redução na recessão
de 2009, voltaram a subir para os maiores patamares da série.
Quais são as perspectivas para os próximos anos?
Tudo depende do Pico do Petróleo. Diversos estudiosos argumentam que o
pico da produção vai ser atingido entre 2015 e 2020. O petróleo e
demais combustíveis fósseis não vão acabar totalmente e de repente, mas a
exploração de novas reservas está ficando economicamente muito cara,
tornando-as inviáveis comercialmente. Os custos crescentes no
transporte, no armazenamento, no refino, etc, devem agravar a situação.
Por exemplo, os custos de exploração do pré-sal no Brasil são muito
altos e a Petrobras se endividou de maneira perigosa para tentar
viabilizar a ideologia dos governos Lula e Dilma de que o pré-sal é “o
passaporte para o futuro” do Brasil. Porém, o pré-sal pode ser um poço
sem fundo no endividamento brasileiro devido às dificuldades econômicas e
ambientais de extração do óleo.
Na primeira metade do século XX, a EROEI (energia retornada sobre
energia investida) era alta, possibilitando preços baixos. Atualmente
existe uma redução da EROEI e um aumento dos custos de produção. Assim,
atingindo o limite viável para o aumento da produção, deve ocorrer um
aumento do preço dos combustíveis fósseis. Há também a instabilidade
política no Oriente Médio, na África e em outras partes do mundo, como
no caso da Ucrânia. A guerra civil da Síria e do Iraque (que envolve
outros países da região), as ações terroristas na Nigéria, os problemas
na Argélia, Líbia e Egito e outros conflitos armados tende a reduzir a
produção de petróleo e aumentar os custos de produção e segurança.
O pico de Hubbert (ou Pico do Petróleo) é uma realidade que deve
reconfigurar toda a dinâmica econômica das próximas décadas. Se fosse
possível o aumento da produção de energias renováveis no mesmo ritmo de
queda da produção de combustíveis fósseis, não haveria escassez de
energia. Até seria muito bom para o meio ambiente.
Mas com um aumento muito grande dos preços do petróleo e derivados
nos próximos anos, a própria produção de energia renovável pode ficar
comprometida. Os agentes políticos e econômicos deveriam ter investido
na mudança da matriz energética no momento em que havia ventos
favoráveis. Contudo, o que foi feito foi aumento do consumo conspícuo
(casas enormes, carros, produtos de luxo, etc), via elevação do crédito,
o que gerou um enorme endividamento. Segundo Tyler Durden (2014) a
dívida total – do governo, das empresas, das famílias e dos consumidores
– dos Estados Unidos é de US$ 60 trilhões (4 vezes o tamanho do PIB). O
endividamento do mundo é de US$ 223 trilhões (3 vezes o PIB mundial).
Desde a Revolução Industrial, o rápido crescimento econômico dependeu
de uma oferta ampla e barata de energia, como mostraram Ayres e
Voudouris (2014):
“We argue that the empirical results presented in Section 4.2
confirm the economic intuition that growth since the industrial
revolution has been driven largely by the increased stock of capital and
the adequate supply of useful energy due to the discovery and
exploitation of relatively inexpensive fossil fuels. Thus energy
policies need to continuously explore the existence of plausible signs
of collision between increasing consumption of useful energy and the
finite energy resources of the planet” (p.27).
Assim, o mundo tem que se preparar para a nova realidade energética,
em um quadro de endividamento e de redução da energia extrassomática per
capita, o que significa redução do crescimento econômico e da renda,
aumento do desemprego e do preço dos alimentos. Os problemas da Líbia,
Egito, Síria, Iraque, Ucrânia, etc, já refletem, de alguma forma, a
crise energética mundial.
Não vai ser fácil reordenar o modelo de desenvolvimento extremamente dependente dos hidrocarbonetos em um quadro que os problemas sociais tendem a se agravar, assim como os conflitos étnicos, religiosos e nacionais.
Referências:
ALVES, JED. Bolha de Carbono: crise ambiental ou crise financeira? EcoDebate, RJ, 05/02/2014
ALVES, JED. Ascensão e queda da civilização dos combustíveis fósseis, APARTE, IE/UFRJ, 28/03/2014
ALVES, JED. 100% Energia Renovável. EcoDebate,, RJ, 26/03/2014
Tyler Durden. The United States of Debt: Total Debt In America Hits a New Record High of Nearly 60 Trillion Dollars, 06/17/2014
R. Ayres, V. Voudouris. The economic growth enigma: Capital, labour and useful energy? Energy Policy Volume 64, January 2014, Pages 16–28
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
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