Hong Kong: Um mês de derrotas do governo - Blog A CRÍTICA

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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Hong Kong: Um mês de derrotas do governo

Manifestantes de Hong Kong demonstraram não apenas resistência como também criatividade. Polícia conseguiu destruir barricadas, mas não teve força para acabar com as três ocupações que se mantêm e, pelo menos num caso, os polícias foram forçados a retirar-se.

Tomi Mori

Esta semana, a atual fase de luta pela democracia em Hong Kong completa um mês – desde o início da greve dos estudantes universitários, em 22 de setembro, até a atual mobilização e crise do governo.

Apesar dos altos e baixos da mobilização, que constitui um fato real nessa transcendente luta democrática, podemos afirmar sem receio de erro que, neste momento, a situação do governo de CY Leung está muito pior do que há um mês.

Em primeiro lugar, e esse é o fato mais importante, milhares de pessoas participaram na luta democrática durante todos estes dias. Não podemos e tampouco ninguém pode dizer com certeza os números desse movimento mas, como observou o socialista Pasha, apesar de o ápice ter sido o de 200 mil manifestantes, durante a ocupação o número de pessoas que participou foi bem maior. Muitos participaram durante algumas horas na ocupação e foram para casa ou para o trabalho, o que explica que nunca as manifestações atingiram 500 mil ou mesmo um milhão, como poderia ter ocorrido. Apesar dos altos e baixos da manifestação, após um mês, continua demonstrando força, contra o que parece ter sido a aposta de que perderia o fôlego com o passar do tempo. Isso não aconteceu.

Os manifestantes de Hong Kong demonstraram não apenas resistência como também criatividade. Utilizaram as sombrinhas partidas pela policia para fazer protestos, como a costura de dezenas de sombrinhas partidas, formando um mosaico que demonstrava resistência e união. Também a maratona realizada por populares cuja mensagem era bem simples: uma luta longa e de fôlego. A “coleta” de moedas na rua, que paralisava o trânsito foi uma das maneiras criativas de protesto, bem como amarrar os cordões de sapatos no meio da rua, também paralisando o trânsito. No último final de semana, os motoristas demonstraram o seu apoio, conduzindo lentamente nas ruas de Hong Kong. Enfim, a disposição de luta foi demonstrada de várias formas.

Crise do governo aumenta
Dois fatos durante os últimos dias aumentaram a crise do governador CY Leung. O primeiro deles foi o escândalo financeiro denunciado pela imprensa australiana na qual, numa negociata “empresarial”, CY recebeu mais de 6 milhões de dólares. Uma vez exposto o escândalo, o governador alegou que não via problemas em ter recebido esse montante. A opinião da população foi diametralmente oposta, o que ficou demonstrando com milhares a sair às ruas em protesto, dando fôlego novo à ocupação que arrefecia.

O segundo facto foi a divulgação, em todo o mundo, de um vídeo onde se via a policia agredindo um manifestante completamente indefeso. Um grupo de polícias levou um manifestante detido para um local escuro e começou a agredi-lo impiedosamente durante 4 minutos. Infelizmente, para o aparelho repressivo, a televisão de Hong Kong gravou a cena e divulgou-a, o que causou profunda indignação.

Estratégia do governo de liquidar a ocupação fracassa durante a semana
Durante a semana, o governo desenvolveu uma estratégia de destruir as ocupações. O primeiro ataque foi realizado em Admiralty. O governo conseguiu destruir as barricadas, mas não teve força para acabar com os protestos.

Em Admiralty, para destruir as barricadas, os polícias pareciam trabalhadores da construção civil, já que foram equipados com serras elétricas, equipamentos para cortar parafusos e toda a parafernália elétrica para acabar com as barricadas em poucos minutos.

Na sexta-feira, continuando a sua estratégia, a polícia destruiu, de madrugada, as barricadas da ocupação de Ming Kok. Ming Kok é a ocupação com mais participação operária entre as três de Hong Kong. Apesar da destruição inicial das barricadas, durante as horas posteriores os manifestantes conseguiram retomar o espaço reunindo cerca de 9 mil manifestantes, um número muito acima do habitual.

Em Ming Kok, o governo enviou centenas de polícias. Os vídeos divulgados na Internet mostram os polícias atacando os manifestantes com bastões e os ocupantes defendendo-se com as sombrinhas. Não faltou, durante a semana, o famigerado gás pimenta. No entanto, tudo isso foi insuficiente para derrotar os manifestantes.

Durante a noite de sexta-feira e a madrugada de sábado, as centenas de polícias tiveram de se retirar de Ming Kok, numa derrota inesperada para o governo. Durante o final de semana, os confrontos continuaram, levando os liberais democratas a reivindicar que o governo negoceie com os manifestantes, já que a situação está fora do controlo para o gosto deles.

Se ponderarmos todos os factos, vemos que, durante os últimos dias, o governo saiu derrotado nessa longa luta.

No final de semana, em Ming Kok, o governo já enviou a polícia antidistúrbios, o que demonstra que os ânimos estão quentes, sem que ninguém possa dizer o que vai acontecer.

Uma das maiores crises da ditadura do Partido Comunista Chinês
O resultado de um mês de luta demonstra uma profunda crise do Partido Comunista, já que este é obrigado a aceitar uma situação impensável do ponto de vista histórico.

A ditadura chinesa tem aumentado o cerco na Internet, censurando os acontecimentos ao mesmo tempo que acusa o imperialismo americano de estar a orquestrar uma “Revolução Colorida”.

O governo chinês proibiu nos últimos dias todos os pacotes turísticos para Hong Kong. É de se imaginar que, com esta medida, o governo consegue impedir que os chineses vejam a atual convulsão e a divulguem na China. No entanto, é de se imaginar que esta medida, por si só, também gera uma divulgação indireta, já que todos os chineses devem saber que Hong Kong se transformou numa zona ainda mais proibida do que antes.

Um dos aspetos pode residir no facto de a policia de Hong Kong estar a ser atingida por uma crise nas suas fileiras. Se o leitor fosse um polícia em Hong Kong, optaria por esmagar a luta democrática e ficar completamente nas garras do Partido Comunista? É de se pensar que muitos estão pelo menos com essa dúvida na cabeça. A história tem demonstrado que esse é um fenómeno comum em todas as revoluções, sejam elas democráticas ou socialistas.

Uma política de repressão por parte da liderança chinesa é obrigada a levar em conta esse facto. Mesmo que Pequim ordene que a policia de Hong Kong efetue um banho de sangue, não há nenhuma garantia que tal ordem possa ser cumprida. Nem mesmo há garantias de que os soldados do Exército de Libertação Popular, que somam alguns milhares em Hong Kong, possam obedecer ordens desse tipo.

O prolongamento da luta, que já dura cerca de um mês, é uma prova de que se trata de uma das maiores crises política na China desde o massacre de Tiannamen, a Praça da Paz Celestial, em Pequim.

Está marcada uma reunião, na próxima terça-feira, entre o governo de CY Leung e os manifestantes. Não é preciso ser-se um adivinho para saber que a única coisa que será dita, por parte do governo é que os manifestantes têm de terminar as manifestações e abaixar a cabeça a Pequim. No entanto, ninguém sabe dizer qual será a resposta dos manifestantes diante da atual situação.

Solidariedade quase inexistente
Um aspecto lamentável durante todas estas semanas é a completa falta de solidariedade pela maior parte da esquerda mundial. Com raríssimas exceções, que não passaram de moções de apoio, algumas fotos no Facebook e alguns pequenos protestos, a luta de Hong Kong tem merecido um completo silêncio daqueles que dizem lutar contra o capitalismo e por uma outra sociedade, seja isso o que for.

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