Joseph Stiglitz. O preço da desigualdade - Blog A CRÍTICA

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sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Joseph Stiglitz. O preço da desigualdade

O mais recente livro do Prêmio Nobel da Economia de 2001, Joseph Stiglitz, aborda uma questão normalmente descurada nas políticas econômicas: a desigualdade. 

Por Nuno Ramos de Almeida - Jornal I de Portugal


Desde o final dos anos 70 que a desigualdade não pára de crescer nos países desenvolvidos. As políticas de redistribuição do produto social do pós-guerra foram substituídas por orientações de política econômica que diminuíram a participação tributária dos ricos, desregulamentaram o chamado mercado do trabalho e foram amputando, às fatias, o Estado social. Se a isto somarmos uma globalização que liberalizou a circulação de capitais e retirou quase todos os entraves à criação de produtos especulativos, temos o caldo que criou a crise em que vivemos. 

Nas vésperas da crise financeira global de 2008, tínhamos no mundo desenvolvido, e de uma forma mais acentuada em países como os EUA e Portugal, níveis de desigualdade comparáveis com os dos dias anteriores à Grande Depressão de 1929-30. Esta relação entre a desigualdade e a crise não é espúria. A crescente desigualdade foi acompanhada por políticas que favoreciam o capital especulativo e aumentavam muito as diferenças de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres nas nossas sociedades. Foram estes ingredientes que tornaram ainda mais instável o sistema. 

O capitalismo tornou-se uma máquina virtual de especular com dinheiro, em que a relação entre os rendimentos e o trabalho real despendido se perde. Se no final dos anos 80, a relação entre o salário médio de um trabalhador e um administrador de uma grande empresa era de 1 para 30, nos dias de hoje ultrapassa 1 para 200. Isto para não falar dos prêmios e dos dividendos milionários que faziam que no auge da crise financeira os CEO das grandes empresas retirassem milhões em prêmios de gestão enquanto os seus bancos estavam à beira da falência.

Embora a desigualdade de poder e econômica entre ricos e pobres nos tenha levado à catástrofe econômica, as políticas traçadas para a sua alegada “superação” apostaram apenas em fazer que 99% da população pagasse a crise provocada por uma política econômica que apenas tinha em atenção o 1% mais rico. As políticas austeritárias traçadas na Europa a esse respeito são absolutamente claras nos seus objetivos e nos seus resultados. Recentemente, um estudo da organização não governamental Oxfam, “A cautionary tale: The true cost of austerity and inequality in Europe”, alertou: se as medidas de austeridade atualmente em vigor continuarem a ser implementas, em 2025 vão estar em risco de pobreza cerca de 25 milhões de europeus. “Fazemos um apelo aos governos europeus, para que liderem um novo modelo social e econômico que invista nas pessoas, reforce a democracia e procure um sistema fiscal justo”, diz Natalia Alonso, responsável pela Oxfam na União Europeia. 

Em países como Portugal e a Grécia, o resultado desastroso destas políticas é ainda mais claro: em Portugal é também  dito que entre 2010 e 2011 a desigualdade nos rendimentos tem beneficiado as “elites econômicas”. Após as crises financeiras em geral os mais ricos vêem os seus rendimentos crescer 10% enquanto os mais pobres os perdem na mesma proporção. 

O livro de Stiglitz é uma espécie de relatório de CSI deste processo. O cadáver é a economia do país capitalista mais de-senvolvido, os Estados Unidos da América, e a autópsia não é nada simpática: 

“a) O recente crescimento dos rendimentos nos EUA ocorre essencialmente no 1% de topo da distribuição dos rendimentos; 
b) Em resultado disso, verifica-se uma crescente desigualdade; 
c) Os cidadãos da base e da classe média vivem hoje pior do que viviam no início do século; 
d) As desigualdades de riqueza são ainda maiores que as desigualdades de rendimentos; 
e) As desigualdades são evidentes não só nos rendimentos, mas também em muitas outras variáveis que refletem os padrões de vida, como a insegurança e a saúde; 
f) A vida é particularmente difícil para a classe mais baixa e a recessão tornou--a muito pior; 
g) Tem-se verificado um certo esvaziamento da classe média; 
i) Existe pouca mobilidade dos rendimentos – a ideia dos EUA enquanto terra de oportunidades não passa de um mito.” 

Stiglitz mostra com muita clareza que, embora os cidadãos dos EUA acreditem no “sonho americano”, segundo uma sondagem da Pew Foundation, quase sete em cada dez americanos acreditam no seu sucesso econômico. A realidade é que a sociedade norte-americana tem índices de mobilidade social comparáveis com as plutocracias de África. Os ricos serão mais ricos e os pobres ainda mais miseráveis.

Para o Prêmio Nobel da Economia de 2001 esta situação não é inevitável nem decorre da existência de uma entidade, encarada como sobrenatural e imutável, que seriam os mercados. Stigliz demonstra de uma forma muito clara que os mercados resultam de um processo de construção social e devem-se na sua atual configuração a uma relação de forças política que dá excessivo poder aos ricos e desvirtua a democracia. “Os mercados não existem no vácuo. São moldados pelas nossas políticas, muitas vezes de forma a beneficiar os do topo”, observa. Para ele a economia tem de responder aos problemas da totalidade da população. Ela não existe como um jogo virtual que dá prêmios aos do costume, mas como uma atividade que deve servir a humanidade. Deste ponto de vista, as nossas sociedade preparam-se para uma explosão descontrolada quando mantêm milhões de pessoas no desemprego em países em que há necessidades para preencher e trabalho que deveria estar a ser feito. 

Como escreve na abertura do seu prefácio Joseph Stiglitz: “Há momentos na história em que os povos de todo o mundo parecem erguer-se para afirmar que algo está mal. Foi isso que aconteceu nos tumultuosos anos de 1848 e 1968. Cada uma destas datas de convulsão social marcou o início de uma nova era.” Fica o aviso.

Um comentário:

  1. Olá, boa noite.
    Adorei o texto, cheguei até aqui procurando o livro O PREÇO DA DESIGUALDADE. Você tem ou conhece alguém que tenha?

    Abs.

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