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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Olhares sobre a Amazônia: Dossiê Acre

"Nada menos que 400.000 almas migraram assim no decorrer do chamado ciclo da borracha. Na região do rio Juruá, no extremo oeste do país, na fronteira com o Peru e os Estados do Acre e do Amazonas, no Brasil, os trabalhadores nordestinos se depararam com as tribos ameríndias, habitantes naturais dessas regiões, e o resultado se deu em violentos combates para se apossar dessas terras onde a seringueira é espontânea."
“Aqueles que vendem sol a prestações, os coqueiros, os palácios, a areia branca, nunca virão por aqui [...]. Aqui não tem nada!”
Quando Bernard Lavilliers falava assim do Brasil, há mais de 30 anos, ele falava da região central do Nordeste chamada Sertão. Mas o olhar sobre a Amazônia que lhes proponho aqui, tampouco está à venda pelos mercadores de sol...

Por Lucas Matheron*
Mas primeiramente, o que o Sertão tem a ver com a Amazônia?
Pois é nessa região semiárida perpetuamente castigada por longos períodos de seca – mal que os políticos nunca deram jeito de solucionar duravelmente – que se encontra mão de obra barata para as mais diversas finalidades. As grandes construções dos últimos cinquenta anos no Rio, Iguaçu, São Paulo ou Brasília, notadamente, deslocaram milhares de Nordestinos, mas essa reserva de mão de obra já tem sido utilizada no século XIX para o desenvolvimento da produção de látex e foi aos milhares que esses trabalhadores foram mandados colonizar a Amazônia, tal um eldorado para essas pessoas carentes de tudo.
Nada menos que 400.000 almas migraram assim no decorrer do chamado ciclo da borracha. Na região do rio Juruá, no extremo oeste do país, na fronteira com o Peru e os Estados do Acre e do Amazonas, no Brasil, os trabalhadores nordestinos se depararam com as tribos ameríndias, habitantes naturais dessas regiões, e o resultado se deu em violentos combates para se apossar dessas terras onde a seringueira é espontânea.
Esse desvio histórico nos traz à fonte do atual conflito cujas raízes se encontram, portanto, no século XIX. E é nessa região da Amazônia Ocidental que reencontramos Lindomar Padilha, coordenador do CIMI, já apresentado no meu artigo anterior [1] quando o escritório dele havia sido arrombado e saqueado.
Numa entrevista no Rádio Mundo Real – RMR [2], da rede internacional dos Amigos da Terra, Lindomar expõe alguns dos conflitos existentes na região de que cuida e aos quais ele toma parte para apoiar as comunidades indígenas. Ele denuncia, notadamente, que nesta segunda-feira 13 de outubro, um grupo de pistoleiros (milícias contratadas por fazendeiros) foram intimidar os índios de uma tribo Jaminawa, entrando na sua aldeia e atirando para cima, tribo essa que está em conflito para a demarcação das suas terras, das quais 7 grandes fazendeiros se recusam a sair, apesar da decisão da Justiça. Na mesma região do alto-Juruá, outro grupo Jaminawa, subgrupo Kayapuca, está em conflito com madeireiros que retiram madeira ilegalmente da reserva para levá-la para locais onde estes têm autorizações. Num outro local, grupos de não índios invadiram áreas da reserva e se recusam a se retirar. Constatam-se também cortes ilegais de madeira que está sendo levada para o Peru vizinho, bem como caça ilegal. Numa outra zona ainda, um grupo de índios até então isolados fez contatos recentemente para tentar escapar às pressões dos madeireiros e dos narcotraficantes.
Enfim, são muitos os conflitos existentes e, portanto, as origens possíveis das ameaças e das agressões sofridas pelo CIMI Amazônia Ocidental, agressão narrada no meu artigo anterior e que se reproduziu na madrugada desse domingo 12 de outubro, ou seja, três semanas depois da primeira, desta vez com bastante mais danos, tal como documentos queimados e equipamentos danificados. Lindomar salienta nessa entrevista que ele já foi vítima de ameaças de morte por telefone, tal como a coordenadora da Comissão Pastoral da Terra – CPT, outra organização ligada à CNBB [3], mais especificamente voltada para as comunidades camponesas.
Torna-se mais grave ainda nessas regiões em que a “lei” é frequentemente na mão dos poderosos que intimidam, e mesmo calam, as mídias locais, como o denunciou recentemente esse jornal regional online (Folha do Juruá) do qual reproduzo aqui alguns trechos: “Mas isso [a liberdade de imprensa] não é visto pelo os ditadores do Acre. Leandro Altheman [o jornalista suspendido por ter criticado o orçamento da renovação de uma praça da cidade] não é o primeiro a passar por esse tipo de arrogância dos poderosos da politica e comunicação do Acre. [...]os gestores não aceitam profissionais que falem a verdade.”
Como o salienta o Lindomar, que visitou a aldeia Jaminawa no fim de setembro [5] e conta os fatos, “As autoridades tem o nome e o endereço dos principais fazendeiros responsáveis pela contratação de capangas e, consequentemente responsáveis pelas ameaças, tentativas de assassinato e intimidações. A região de Sena Madureira, Estado do Acre [...] não pode se firmar como terra sem lei.”
É o porquê, entre outros motivos e na medida do possível, nós repassamos essas informações em redes nacionais e internacionais.
Dia 17 de outubro, uma manifestação de solidariedade é prevista na capital do Estado, Rio Branco, atendendo o chamado de várias organizações locais entre as quais da Universidade Federal do Acre, tanto pelos seus docentes que seus estudantes, o CIMI e a CPT, no intuito de pedir uma ação enérgica das autoridades a fim de preservar a integridade física e material daqueles que dedicam seu trabalho aos mais desfavorecidos, geralmente para preencher o vácuo deixado pelo poder público, e das próprias comunidades. Essa manifestação será coberta pelo rádio do MEC (Ministério da Educação e Cultura) do Rio de Janeiro, com uma entrevista especial do Lindomar Padilha no programa “Planeta Lilás” [6].
Pode parecer irrisório, com vista os conflitos armados que surgem em todo lugar do planeta, mas aí também mulheres e homens são ameaçados, agredidos ou mortos [7] e já é tempo, creio, de ultrapassar a midiatização da guerra para tentar favorecer, simplesmente, o bem-estar do homem, na escala do mundo. Com exceção das fofocas, a grande imprensa está ausente. Portanto, é do nosso dever de cidadãos, nacionais ou planetários, de nos levantarmos contra o arbitrário, onde quer que esteja e qualquer seja a forma que se expressa.
Notas
[1] Aquí
[2] Aquí
[3] La CPT travaille auprès des communautés paysannes, notamment « les femmes et les hommes qui luttent pour leur liberté et leur dignité sur une terre libre de la domination de la propriété capitaliste » comme le signale son site Internet [aqui]
[4] Aquí
[5] Aquí
[6]Le programme quotidien (du lundi au vendredi) « Planeta Lilás » est un espace de débats sur les questions de genre et de développement durable qui a vu le jour après la réunion des femmes de plusieurs réseaux ayant participé du Sommet des Peuples lors de la Conférence de Rio+20 en 2012 à Rio de Janeiro. [Aquí]
[7] Aquí
* Lucas Matheron, é ecologista, francês de origem, radicado no Brasil há 30 anos, tradutor independente nos idiomas francês e português. Membro da Aliança RECOS (Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras) desde 1999, da qual é coordenador de comunicação para os países francófonos. www.lucas-traduction.trd.br
Publicado originalmente em francês em Agora Vox

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