Onde está a recuperação económica internacional? - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Onde está a recuperação económica internacional?

Os dois principais organismos econômicos internacionais da economia capitalista mundial continuam a rever em baixa as suas previsões de crescimento. 

Por Michael Roberts.










Os dois principais organismos econômicos internacionais da economia capitalista mundial continuam a rever em baixa as suas previsões de crescimento econômico para este e para o próximo ano.
Numa atualização das suas previsões realizadas em maio, a OCDE anunciou que “o panorama havia se escurecido para os anos de 2014 e 2015” para quase todas as grandes economias do mundo.
A OCDE reviu em baixa as suas previsões de crescimento do ano 2014 para todas as economias, exceto para a Índia. Agora, espera um crescimento de 2,1% nos EUA, 0,8% na zona Euro e de 0,9% no Japão, as revisões em baixa para cada economia são entre 0,3% e 0,5% pontos.
O Reino Unido será o líder entre as economias capitalistas avançadas com 3,1% de crescimento. Para 2015, a OCDE mantém a esperança de alta no Reino Unido mas, inclusive neste caso, reduziu novamente a maior parte das suas previsões.
O prognóstico é que os EUA cresçam 3,1% em 2014 abaixo da previsão de 3,5% feita em maio, enquanto agora se espera que a zona Euro e o Japão cresçam apenas 1,1%.
A OCDE reconheceu que o crescimento do PIB mundial de pouco mais de 3% ao ano foi muito abaixo das taxas anteriores à crise, confirmando que não houve retorno à “normalidade”.
O interessante é que as chamadas economias emergentes também estão a desacelerar. Segundo a OCDE, das principais economias emergentes, a China continuará a ser vanguarda com um crescimento de 7,4%, apesar dessa taxa parecer cada vez mais duvidosa. E o Brasil alcançará apenas 0,3% de crescimento este ano.
Num novo relatório, o FMI estima que o crescimento médio do PIB real das economias emergentes, incluindo a China, reduziu de 7% durante o período anterior à crise (2003-8) para 6% no período pós-crise (2010-13) e agora desacelerará para 5% para os próximos cinco anos (2014-18).
As taxas de crescimento foram as mais baixas do que a média anterior à crise em mais de 70% dos mercados emergentes desde 2012.
Ironicamente, depois de ter invocado a moderação salarial e a austeridade fiscal durante vários anos desde o final da Grande Recessão no ano 2009, a OCDE agora diz que “enquanto [a redução dos salários] ajudou a conter as perdas de emprego durante a crise e era necessária em alguns países da zona do Euro com o fim de recuperar a competitividade, agora está a travar uma recuperação mais forte do gasto do consumidor”. O crescimento da produtividade nas principais economias é patético, em torno de 1%, mas inclusive já está a ser devorado, pois o crescimento dos salários reais esteve praticamente plano desde o final da Grande Recessão.
Assim, não é de se estranhar que os mercados financeiros tenham tido alta enquanto o crescimento da economia real global não. Isto preocupa a OCDE. “Os mercados financeiros são exuberantes e marcham em descompasso com o crescimento da economia real, e isto coloca em destaque a possibilidade de subestimar riscos e os perigos concomitantes de uma correção repentina”.
O FMI, em documento elaborado antes da reunião do G2O dos ministros de Economia e governadores de bancos centrais na Austrália, disse que o crescimento no primeiro semestre deste ano foi mais fraco do que o prognóstico de abril e a expectativa é que os próprios prognósticos sejam reduzidos ainda mais.
O FMI adverte que “a recuperação mundial está em equilíbrio precário, assim como o aumento das tensões geopolíticas e a perspetiva de uma política monetária mais rígida nos Estados Unidos colocam em risco o crescimento global”.
Isto contrasta com o discurso otimista que sai dos EUA e do Reino Unido através dos seus economistas e funcionários sobre a recuperação económica. A mais rápida taxa de crescimento do Reino Unido ainda parece estar baseada numa economia desequilibrada, liderada pelo auge de preços dos imóveis e os mercados financeiros, em vez de uma recuperação na indústria de manufatura, as exportações e os investimentos produtivos, que poderiam aumentar a produtividade.
Os últimos dados oficiais sobre os preços imobiliários do Reino Unido mostram um mercado imobiliário em espiral, com os preços médios das casas em Londres que vão de 500 mil libras esterlinas a 850.000 libras! Até julho, os preços das casas estavam a subir a 11,7% ao ano, com Londres a mostrando altas de até 19%.
Ao mesmo tempo, enquanto o desemprego diminuiu, os salários reais também caíram. O crescimento salarial de apenas 0,7% ao ano está ainda muito abaixo de uma taxa de inflação de apenas 1,7% ao ano. E o rendimento real disponível é provavelmente mais baixo, levando em conta os impostos. Esta não é uma receita para o crescimento económico sustentável e é provável que um ajuste finalmente chegue ao Reino Unido.
O panorama do rendimento dos lares repete-se nos EUA. Certamente os lares norte-americanos sofreram outro ano com a estagnação do rendimento e a “recuperação” económica não se traduziu no aumento da prosperidade nas famílias.
O rendimento ajustado pela inflação para uma família norte-americanas média aumentou somente 0,3% em 2013, segundo o Censo, e não é superior em termos reais aos de um quarto de século atrás.
A crescente desigualdade bem documentada desde meados da década de 1990 foi confirmada pelo United States Census Bureau. Desde a década de 1990, 5% dos lares norte-americanos do alto da pirâmide aumentaram os seus rendimentos reais em 1,4% ao ano, enquanto os lares de rendimento média conseguiram apenas um aumento de 0,4% a cada ano, mais de três vezes mais rápido na cúpula do que na base.
E houve uma grande descida nos rendimentos familiares para os 20% mais pobre das famílias, que tiveram o seu pico em 1999.
De facto, 60% dos lares norte-americanos viram uma queda de rendimento real de cerca de 10% desde o ano 2000 e o golpe maior no rendimento é nas famílias com adultos de idades entre 45 e 54 anos, que teriam gastos grandes para que os seus filhos fossem à escola, para manter cuidado com a saúde etc. Desde 1999, os rendimentos reais das famílias deste grupo de idade reduziram-se em cerca de 16%.
Até mesmo Janet Yellen, presidenta da Reserva Federal, viu-se obrigada a se pronunciar a respeito. Admitiu que a recessão de 2007-2009 tinha “cicatrizes duradouras nas famílias norte-americanas mais pobres, que ainda têm que esperar mais de cinco anos para fechar” no sentido da recuperação da economia oficial.
Assim, os economistas esperam uma recuperação sustentada, baseada no aumento do gasto dos consumidores e podem desiludir-se de maneira triste. Não é estranho que a OCDE esteja preocupada.
Certamente, a produção capitalista pode recuperar através do investimento empresarial, que gera mais empregos. Mas o investimento na economia real e, sobretudo, nos setores produtivos, continua em queda a nível mundial, enquanto o crescimento dos lucros corporativos parecem ter chegado ao seu limite neste ciclo, inclusive nos EUA. Assim, o panorama não augura nada de bom para esperar por uma retoma do crescimento mundial também no ano de 2015.
(*) Michael Roberts é reconhecido economista marxista britânico que trabalhou durante 30 anos no centro financeiro de Londres como analista económico e publica no blog The Next Recession.
Artigo publicado em The Next Recession

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages