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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A batalha por Kobane: Uma guerra civil sem fim

Ao atacar Kobane, a direção do Estado Islâmico queria provar que ainda podia derrotar os seus inimigos, apesar dos ataques aéreos dos EUA contra as suas forças. Mas a inevitável vitória do EI em Kobane não ocorreu. 

Por Patrick Cockburn, CounterPunch.

Combatente das YPG em Kobane. Foto de Firat news
Combatente das YPG em Kobane. Foto de Firat news
Durante o verão, o EI/ISIS – o Estado Islâmico do Iraque e da Síria – derrotou o exército iraquiano, o exército sírio, os rebeldes sírios e os peshmerga curdos iraquianos; estabeleceu um Estado que se estende de Bagdá a Alepo, e da fronteira norte da Síria aos desertos do Iraque no sul. Grupos étnicos e religiosos que o mundo mal ouvira falar – incluindo os yazidis de Sinjar e os cristãos caldeus de Mossul – converteram-se em vítimas da crueldade e da intolerância sectária do EI. Em setembro, o EI virou a atenção para os dois milhões e meio de curdos sírios que tinham conquistado a autonomia de fato em três cantões ao sul da fronteira turca. Um desses cantões, centrado na cidade de Kobane, tornou-se o alvo de um ataque decidido. A 6 de outubro, os combatentes do EI tinham aberto o caminho até ao centro da cidade. Recep Tayyip Erdogan previu que a sua queda era iminente; John Kerry falou da “tragédia” de Kobane, mas afirmou – de modo implausível – que a sua captura não seria de grande significado. Uma conhecida combatente curda, Arin Mirkan, fez-se explodir diante do avanço dos combatentes do EI: pareceu um sinal de desespero e de iminente derrota.
Ao atacar Kobane, a direção do EI queria provar que ainda podia derrotar os seus inimigos apesar dos ataques aéreos dos EUA contra as suas forças, que começaram no Iraque em 8 de agosto e se estenderam à Síria a 23 de setembro. Enquanto afluíam para Kobane, os combatentes do EI gritavam: “O Estado Islâmico mantém-se, o Estado Islâmico expande-se”. No passado, o EI preferiu – uma decisão tática – abandonar batalhas que achava possível vencer. Mas a batalha de cinco semanas por Kobane durou demasiado e foi demasiado bem publicitada para que os seus combatentes pudessem se retirar sem perder prestígio. A atração que o Estado Islâmico exerce sobre os sunitas na Síria, no Iraque e em todo mundo provém de um sentimento de que as suas vitórias são uma dádiva de Deus e inevitáveis, de forma que qualquer derrota prejudica a sua afirmação de que recebem apoio divino.
Mas a inevitável vitória do EI em Kobane não ocorreu. Em 19 de outubro, revertendo a sua política anterior, aviões dos EUA lançaram armas, munição e remédios para os defensores da cidade. Sob pressão dos EUA, a Turquia anunciou no mesmo dia que iria garantir aos peshmerga curdos iraquianos um acesso seguro do norte do Iraque até Kobane; combatentes curdos voltaram a capturar parte da cidade. Washington compreendeu que, dada a retórica de Obama sobre o plano de “enfraquecer e destruir” o EI, e com eleições para o Congresso dentro de apenas um mês, não podia permitir que os jihadistas conseguissem outra vitória. Ainda para mais sendo muito provável que esta vitória em particular fosse seguida de um massacre dos curdos sobreviventes diante das câmaras de televisão reunidas no lado turco da fronteira. No início do cerco, o apoio aéreo dos EUA aos defensores de Kobane fora incoerente; por temor de ofender a Turquia, a força aérea dos EUA evitara coordenar-se com os combatentes curdos no terreno. Em meados de outubro, a política mudou, e os curdos começaram a fornecer informação detalhada sobre os alvos aos norte-americanos, possibilitando que destruíssem tanques e artilharia do EI. Antes, os comandantes do EI tinham sido hábeis a esconder o seu equipamento e a dispersar os seus homens. Na campanha aérea até então, só 632 de 6.600 missões tinham resultado em verdadeiros ataques. Mas como queriam conquistar Kobane, os líderes do EI tiveram de concentrar as forças em posições identificáveis e tornaram-se vulneráveis. Num período de 48 horas houve cerca de quarenta ataques aéreos dos EUA, alguns a meros cinquenta metros da linha da frente curda.
Não foi apenas o apoio aéreo dos Estados Unidos que fez a diferença. Em Kobane, pela primeira vez, o EI estava a combater um inimigo – as Unidades de Defesa Popular (YPG) e a sua ala política, o Partido de União Democrática (PYD) – que em importantes aspetos tinham semelhança com ele. O PYD é o ramo sírio do Partido dos Trabalhadores do Kurdistão (PKK), que desde 1984 luta pelo autogoverno dos 15 milhões de curdos turcos. Tal como o EI, o PKK combina um compromisso ideológico fanático com perícia militar e experiência ganha em longos anos de guerra de guerrilha. Marxista-Leninista na sua ideologia original, o PKK é dirigido a partir de cima e procura monopolizar o poder no interior da comunidade curda, seja na Turquia ou na Síria. O líder do partido, Abdullah Ocalan, que está preso, é objeto de um poderoso culto à personalidade, emite instruções da prisão turca numa ilha no Mar de Mármara. A direção militar do PKK opera a partir de um bastião na Montanha Qandil, no norte de Iraque, uma das grandes fortalezas naturais do mundo. A maior parte dos seus combatentes, calculados em sete mil, retiraram-se de Turquia como resultado de um cessar-fogo em 2013, e ainda se movem de campo em campo nas profundas gargantas e vales de Qandil. São altamente disciplinados e intensamente dedicados à causa do nacionalismo curdo: isso permitiu que travassem uma guerra durante três décadas contra o enorme exército turco, sempre firmes, apesar das devastadoras perdas sofridas. O PKK, tal como o EI, enaltece o martírio: os combatentes mortos são enterrados em cemitérios cuidadosamente protegidos, cheios de roseiras no alto das montanhas, com elaboradas lápides sobre os túmulos. Há fotografias de Ocalan por toda a parte: há seis ou sete anos, visitei uma aldeia em Qandil ocupada pelo PKK; no alto havia um enorme retrato de Ocalan realizado com pedras de cores na encosta de uma montanha próxima. É uma das poucas bases de guerrilha que podem ser vistas do espaço.
Síria e Iraque estão repletos de exércitos e milícias que não combatem contra ninguém que possa devolver o fogo, mas o PKK e seus sócios sírios, o PYD e as YPH, são diferentes. Frequentemente criticados por outros curdos como estalinistas e antidemocráticos, pelo menos têm a capacidade de lutar pelas suas próprias comunidades. As vitórias do Estado Islâmico contra forças superiores deste ano ocorreram porque estava a enfrentar soldados, como os do exército iraquiano, que têm uma moral baixa e estão mal abastecidos de armas, munições e alimentos, graças a comandantes corruptos e incompetentes, muitos dos quais tendem a fugir. Quando alguns milhares de combatentes do EI invadiram Mossul em junho, enfrentavam em teoria 60 mil soldados e polícias iraquianos. Mas a cifra real ascendia provavelmente a um terço: o resto eram só nomes no papel, e os oficiais punham no bolso esses salários; ou existiam, mas entregavam mais da metade do seu pagamento aos comandantes, em troca de não ter de sequer se aproximar jamais dos quartéis do exército. Pouca coisa mudou nos quatro meses desde a queda de Mossul, a 9 de junho. Segundo um político iraquiano, uma recente inspeção oficial a uma divisão blindada iraquiana “que devia ter 120 tanques e 10.000 soldados, revelou que o que havia era 68 tanques e só 2.000 soldados”. Ospeshmerga turcos iraquianos – literalmente “os que enfrentam a morte” – também não são muito eficientes. Frequentemente são considerados melhores soldados que os do exército iraquiano, mas a sua reputação foi conseguida há trinta anos quando combatiam contra Saddam; desde então não lutaram muito, exceto nas guerras civis curdas. Mesmo antes de serem derrotados pelo EI em Sinjar, em agosto, um observador próximo dos peshmerga referiu-se a eles depreciativamente como pêche melba (pêssegos em calda); serviam, disse, “só para emboscadas nas montanhas”.
O sucesso do Estado Islâmico explica-se não só à incompetência dos seus inimigos mas também às divisões evidentes entre eles. John Kerry vangloria-se de ter reunido uma coligação de sessenta países, todos comprometidos com o combate ao EI, mas desde o início ficou claro que muitos membros importantes não estavam demasiado preocupados com a ameaça do EI. Quando o bombardeio da Síria começou em setembro, Obama anunciou com orgulho que a Arábia Saudita, a Jordânia, os Emirados Árabes Unidos, o Qatar, o Bahrein e a Turquia se juntavam aos EUA como parceiros militares contra o EI. Mas, como sabiam os norte-americanos, estes eram todos Estados sunitas, que tinham desempenhado um papel central na promoção dos jihadistas na Síria e no Iraque. Isso constituía um problema político para os Estados Unidos, como Joe Biden revelou para embaraço da administração numa conferência em Harvard a 2 de outubro. Disse que a Turquia, a Arábia Saudita e os Emirados tinham promovido “uma guerra sunita-xiita por interposta pessoa” na Síria e “enviado centenas de milhões de dólares e dezenas de milhares de toneladas de armas a qualquer um que quisesse lutar contra Assad” só que os que estavam a ser abastecidos eram a al-Nusra e a al-Qaida e as alas extremistas dos jihadistas provenientes de outras partes do mundo”. Admitiu que os rebeldes moderados sírios, supostamente centrais para a política dos EUA na Síria, constituíam uma força militar insignificante. Biden desculpou-se mais tarde por estas palavras, mas o que dissera era demonstravelmente verdade e reflete o que pensa realmente a administração em Washington. Mesmo mostrando indignação pela franqueza de Biden, os aliados sunitas dos EUA confirmaram rapidamente os limites da sua cooperação. O príncipe al-Waleed bin Talal al-Saud, um magnata empresarial e membro da família real saudita, disse: “a Arábia Saudita não será envolvida diretamente em combates contra o EI no Iraque ou na Síria, porque estes não afetam explicitamente a nosso país”. Na Turquia, Erdogan disse que, do seu ponto de vista, o PKK era tão mau quanto o EI.
Quase todos os que lutavam realmente contra o EI, incluindo o Irão, o exército sírio, os curdos sírios e as milícias xiitas no Iraque estavam excluídos desta estranha coligação. Este caos foi muito vantajoso para o Estado Islâmico, como ilustra um incidente no norte do Iraque a princípios de agosto, quando Obama enviou forças especiais dos EUA ao Monte Sinjar para monitorizar o perigo que corriam os milhares de yazidis cercados. Etnicamente curdos, mas com a sua própria religião não islâmica, os yazidis tinham fugido dos seus povoados e cidades para escapar ao massacre e à escravização pelo EI. Os soldados norte-americanos chegaram de helicóptero e foram eficientemente protegidos e levados de visita por milicianos curdos uniformizados. Mas pouco depois os yazidis que tinham esperado ser resgatados ou pelo menos ajudados pelos norte-americanos ficaram horrorizados ao ver que os soldados voltavam apressadamente ao seu helicóptero e partiam. A razão para a sua rápida partida foi revelada posteriormente em Washington: o oficial responsável do destacamento norte-americano tinha falado com os seus guardas curdos e descoberto que não se tratava dos peshmerga, amigos dos Estados Unidos, do governo regional do Curdistão, mas sim de combatentes do PKK – ainda qualificados de “terroristas” pelos EUA, apesar do papel central que tinham tido na ajuda aos yazidis e a repelir o EI. Só quando Kobane estava à beira de cair, Washington aceitou que não tinha nenhuma alternativa à cooperação com o PYD: era, afinal de contas, praticamente a única força efetiva que continuava a combater o EI no terreno.
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E depois havia o problema turco. Aviões dos EUA que atacaram as forças do EI em Kobane tiveram de voar 2.000 quilómetros desde as suas bases no Golfo, porque a Turquia não permitiu a utilização da sua base aérea em Incirlik, apenas a 160 km de Kobane. Ao não impedir o envio de reforços, armas e munições ao EI em Kobane, Ancara demonstrava que preferiria que o EI controlasse a cidade: qualquer coisa era preferível ao PYD. A posição da Turquia fora clara desde julho de 2012, quando o exército sírio, sob pressão dos rebeldes noutros lugares, se retirou das principais áreas curdas. Os curdos sírios, há muito perseguidos por Damasco e marginais politicamente, obtiveram repentinamente uma autonomia de facto sob crescente autoridade do PKK. Vivendo na sua maioria ao longo da fronteira com a Turquia, uma área de importância estratégica para o EI, os curdos converteram-se inesperadamente em protagonistas na luta pelo poder na Síria, que se desintegrava. Foi um acontecimento importuno para os turcos. As organizações políticas e militares dominantes dos curdos sírios eram ramos do PKK e obedeciam a instruções de Ocalan e da direção militar em Qandil. Os insurgentes do PKK, que tinham lutado durante tanto tempo por alguma forma de autogoverno em Turquia, governavam agora um quase Estado na Síria, centrado nas cidades de Qamishli, Kobane e Afrin. Era provável que grande parte da região fronteiriça síria permanecesse em mãos curdas, já que o governo sírio e os seus opositores eram demasiado fracos para fazer alguma coisa. É possível que Ancara não seja o mestre de xadrez que colabora com o EI para romper o poder curdo, como creem os partidários da teoria da conspiração, mas viu a vantagem de permitir que o EI debilitasse os curdos sírios. Nunca foi uma política com muita visão de futuro: se o EI conseguisse tomar Kobane, e portanto humilhar os EUA, o suposto aliado deste último, a Turquia, seria visto como parcialmente responsável, por ter isolado a cidade. No fim, a mudança de direção turca foi embaraçosamente rápida. Horas depois de Erdogan dizer que a Turquia não ajudaria os terroristas das YPG, deu permissão para que os curdos iraquianos reforçassem as forças das YPG em Kobane.
A repentina mudança de posição de Turquia foi o último de uma série de erros de cálculo sobre os eventos na Síria desde o primeiro levante contra Assad em 2011. O governo de Erdogan poderia ter controlado o equilíbrio do poder entre Assad e os seus oponentes, mas em lugar de fazê-lo convenceu-se de que Assad – como Kadhafi na Líbia – seria inevitavelmente derrubado. Quando isso não sucedeu, Ancara deu apoio a grupos jihadistas financiados pelas monarquias do Golfo, que incluíam a al-Nusra, a filial síria da al-Qaida, e o EI. A Turquia desempenhou em grande parte o mesmo papel no apoio aos jihadistas na Síria que o Paquistão tinha tido ao apoiar os talibans no Afeganistão. O número estimado de 12.000 jihadistas estrangeiros que combatem na Síria, que despertam tanta apreensão na Europa e nos EUA, entraram quase todos através do que chegou a ser conhecido como a “autoestrada dos jihadistas”, utilizando postos da fronteira turca enquanto os guardas olhavam para outro lado. Na segunda metade de 2013, quando os EUA pressionaram a Turquia, foi mais difícil aceder a essas rotas, mas os militantes do EI continuam a atravessar a fronteira sem grande dificuldade. A natureza exata da relação entre os serviços de espionagem turcos e o EI e a al-Nusra continua a ser confusa, mas existe forte evidência de um verdadeiro grau de colaboração. Quando rebeldes sírios dirigidos pela al-Nusra capturaram a cidade arménia de Kassab, em território controlado pelo governo sírio no início deste ano, parece que os turcos tinham permitido que operassem no interior do território turco. Também foi misterioso o caso dos 49 membros do consulado turco em Mossul que permaneceram na cidade quando esta foi tomada pelo EI; foram tomados como reféns em Raqqa, a capital síria do Estado Islâmico, e depois inesperadamente libertados após quatro meses em troca de prisioneiros do EI presos na Turquia.
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Se Erdogan tivesse preferido ajudar os curdos cercados em Kobane em vez de isolá-los, teria fortalecido o processo de paz entre o seu governo e os curdos turcos. Em lugar de fazê-lo, as suas ações provocaram protestos e distúrbios dos curdos em toda a Turquia; em cidades e aldeias onde não tinham ocorrido manifestações curdas na história recente, foram queimados pneus e houve 44 mortos. Pela primeira vez em dois anos, aviões militares turcos atacaram posições do PKK no sudeste do país. Pareceria que Erdogan tinha desperdiçado um dos principais ganhos dos seus anos no poder: o começo de um fim negociado da insurgência armada curda. A hostilidade étnica e os maus tratos entre turcos e curdos aumentaram. A polícia reprimiu manifestações contra o EI mas não tocou nas manifestações a favor do EI. Uns 72 refugiados que tinham fugido para Turquia de Kobane foram devolvidos à cidade. Quando cinco membros das YPG foram presos pelo exército turco, os militares disseram que se tratava de “terroristas separatistas”. Houve explosões histéricas por parte de partidários de Erdogan: o presidente da câmara de Ancara, Melih Gökçek, twitou que “há pessoas no leste que se fazem passar por curdos mas que na realidade são arménios ateus pela sua origem”. Os meios turcos, crescentemente servis ou intimidados pelo governo, subestimaram a seriedade das manifestações. A CNN Turk, famosa por mostrar um documentário sobre pinguins durante o apogeu das manifestações no Parque Gezi do ano passado, preferiu transmitir um documentário sobre as abelhas durante os protestos curdos.
Seria um grande revés para o EI se não conseguisse capturar Kobane? A sua reputação de derrotar sempre os seus inimigos seria abalada, mas mostrou que consegue resistir aos ataques aéreos dos EUA, mesmo quando as suas forças estão concentradas num só lugar. O califado declarado por Abu Bakr al-Baghdadi a 29 de junho continua expandindo-se: as suas maiores vitórias, na Província de Anbar, entregaram-lhe outro quarto do Iraque. Uma série de ataques bem planeados em setembro permitiu ao EI a captura de território ao redor de Faluja, a 64 km a oeste de Bagdade. Um acampamento militar iraquiano foi sitiado durante uma semana e capturado: trezentos soldados iraquianos foram mortos. Como no passado, o exército foi incapaz de montar uma contraofensiva efetiva, apesar do apoio de ataques aéreos dos Estados Unidos. A 2 de outubro, o EI lançou uma série de ataques que capturaram Hit, uma cidade ao norte de Ramadi, o que levou a que o governo mantivesse só uma base do exército na área. As forças do EI encontram-se atualmente bem perto de enclaves sunitas no oeste de Bagdade: até agora mantêm-se tranquilos, ainda que todas as demais áreas sunitas no país estão mergulhadas no caos. Segundo prisioneiros pertencentes ao EI, as células da organização na cidade esperam ordens para sublevar-se em coordenação com um ataque vindo dos arredores da capital. É possível que o EI não possa capturar Bagdade inteira, uma cidade de sete milhões de habitantes (na sua maioria xiitas), mas poderia ocupar as áreas sunitas e causar pânico em toda a capital. Em ricos distritos mistos como al-Mansour no oeste de Bagdade, metade dos habitantes partiram para a Jordânia ou para o Golfo porque esperam um ataque do EI. “Penso que o EI vai atacar Bagdade, mesmo que seja sozinho, para ocupar os enclaves sunitas”, disse um residente. “Se conseguirem apoderar-se nem que seja de parte da capital, aumentarão a credibilidade da sua afirmação de ter estabelecido um Estado”. Enquanto isso, o governo e os média locais fazem questão de subestimar obstinadamente a seriedade da ameaça de uma invasão do EI, para evitar a fuga em massa de áreas xiitas mais seguras no sul.
A substituição do governo corrupto e desfuncional de Nouri al-Maliki por Haider al-Abadi não significou uma diferença tão grande quanto gostariam os seus patrocinadores estrangeiros. Como o exército não mostra um desempenho melhor que antes, as principais forças que enfrentam o EI são as milícias xiitas. Altamente sectárias e frequentemente criminalizadas, lutam esforçadamente em torno de Bagdade para repelir o EI e limpar áreas mistas da sua população sunita. Sunitas são frequentemente detidos nos pontos de controlo, sequestrados para obter resgates de dezenas de milhares de dólares e habitualmente assassinados mesmo quando o resgate é pago. A Amnistia Internacional diz que as milícias, incluindo a Brigada Badr e Asaib Ahl al Haq, operam com total imunidade; acusa o governo dominado por xiitas de “avalizar crimes de guerra”. Como o governo iraquiano e os EUA pagam grandes somas de dinheiro a homens de negócios, líderes tribais e a qualquer um que diga que combaterá o EI, os senhores da guerra locais voltam a aparecer: entre vinte e trinta novas milícias foram criadas desde junho. Isto significa que os iraquianos sunitas não têm nenhuma alternativa a não ser apoiar o EI. A única alternativa é o regresso de ferozes milicianos xiitas que suspeitam que todos os sunitas apoiam o Estado Islâmico. Mal recuperado da última guerra, o Iraque está a ser destruído por um novo conflito. Independentemente do que ocorra em Kobane, o EI não vai a implodir. A intervenção estrangeira só aumentará o nível de violência e a guerra civil sunita-xiita ganhará força, sem que se vislumbre um final.
Patrick Cockburn é correspondente no Médio Oriente do The Independent; antes disso, trabalhou para o Financial Times. Escreveu três livros sobre a história recente de Iraque e um ensaio, “The Broken Boy”; junto com o seu filho, escreveu um livro sobre a esquizofrenia: “Henry's Demons”. Em 2005, ganhou o Prémio Gelhom; em 2006, o Prémio James Cameron; e em 2009, o Prémio Orwell de jornalismo. O seu próximo livro é “The Jihadis Return: ISIS and the New Sunni Uprising”. Este artigo foi publicado originalmente na London Review of Books.
Reproduzido a partir da versão publicada no Counterpunch
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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