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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

As raízes profundas da rivalidade entre sunitas e xiitas

A insurgência do Estado Islâmico é uma violenta revanche sunita contra os xiitas do Iraque e, em última instância, contra o Irã, pelo seu apoio ao deslocamento dos sunitas no Iraque e pela influência que agora exerce no país vizinho. 

Por Farhang Jahanpour

A insurgência do Estado Islâmico é uma violenta revanche sunita contra os xiitas do Iraque e, em última instância, contra o Irã

Quando o grupo extremista Estado Islâmico (EI) irrompeu inesperadamente no Iraque, a sua declaração de guerra colocou entre os seus primeiros objetivos os xiitas e os chamados safávidas. A dinastia safávida (1501-1736) criou um poderoso reino no Irã após a sua conversão ao islamismo.

No seu esplendor, os safávidas governaram um território que duplicava a extensão do Irã moderno e incluía partes de Iraque, Kuwait, Bahrein, Turquia, Síria, Balochistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Afeganistão e Cáucaso.

O principal antagonismo do ponto de vista dos jihadistas sunitas provém do fato de os safávidas terem adotado o xiismo como religião oficial. Curiosamente, o credo original da dinastia safávida foi o sunismo, mas depois da conversão ao xiismo se esforçaram para impô-lo em todo o Irã.

O zelo proselitista dos safávidas era em parte motivado pela sua oposição ao império otomano. Portanto, a sua adesão ao xiismo obedece ao objetivo político de se diferenciar dos sultões otomanos, que por sua vez eram califas dos sunitas.

A Revolução Constitucional iraniana (1904-1911) colocou as bases do Irã moderno, e adotou a monarquia constitucional como regime de governo. Sucessivamente, os dois xás Pahlevi (1925-1979), embora se tenham transformado em monarcas absolutistas, professavam o laicismo e tentaram modernizar o Irã de acordo com o modelo dos países ocidentais.

A revolução islâmica de fevereiro de 1979, guiada pelo aiatolá Ruholá Khomeini, não apenas pôs fim às reformas laicistas, como também a 2.600 anos de monarquia, substituída por um regime clerical. O aspecto singular da revolução islâmica foi que, pela primeira vez na história do Irã e do islamismo, os sacerdotes assumiram o poder.

Embora Khomeini atribua a si próprio a liderança de uma revolução islâmica, na realidade tratava-se de uma revolução xiita que derivava a sua legitimidade do conceito xiita de imanato (teocracia regida por um imã, ou mais).

Segundo o xiismo, o legado do profeta Maomé não corresponde aos califas ortodoxos mas aos imãs xiitas numa sucessão que foi interrompida no século 9, com a ocultação do Duodécimo Imã, que regressará ao final dos tempos para estabelecer a justiça no mundo.

Tanto Khomeini quanto o atual líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, fundamentam a sua autoridade na representação do Imã Oculto, que cessará quando este reaparecer. Por esta razão, a crença do ex-presidente Mahmoud Ahmadineyad (2005-2013) sobre o iminente reaparecimento do Duodécimo Imã e a sua assunção ao poder causou consternação entre os líderes religiosos que governam o país.

No início da revolução, Khomeini declarou a sua intenção de propagá-la em todo o mundo muçulmano, mas a sua identidade xiita levantou uma barreira diante da maioria dos muçulmanos, que são sunitas.

A devastadora guerra (1980-1988) que o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein (1979-2003) lançou contra o Irã contou com maciço apoio dos países do Conselho de Cooperação do Golfo, cifrado em dezenas de milhares de milhões de dólares, e deixou cerca de um milhão de vítimas entre mortos e feridos dos dois lados. A amarga recordação desta contenda é outro fator que mantém viva a animosidade entre iranianos e iraquianos, e entre xiitas e sunitas.

Desde 2003, quando a coligação guiada pelos Estados Unidos invadiu o Iraque, depôs o sunita Hussein e substituiu-o por um governo representativo da maioria xiita, somou-se outro fator de rancor entre os dois credos.

O islamismo iraniano foi a fonte de inspiração de uma literatura de alta qualidade, celebrada como uma das mais profundas e humanas expressões de misticismo. Porém, a República Islâmica do Irã hoje é conhecida pela sua estreita interpretação do Islão, pelo grande número de execuções, apedrejamento de mulheres, flagelações e outras práticas desumanas. A dogmática adesão a esta variante do xiismo foi negativa para os interesses do Irã e para a causa do Islão no mundo.

Da insurgência do EI (antes autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante – Isis) participam dezenas de milhares de oficiais do exército iraquiano e do Partido Baas, de Hussein, que foram expulsos por Paul Bremer, o administrador da Autoridade Provisória da Coligação imposta pelos Estados Unidos.

Esta insurgência é uma violenta revanche sunita contra os xiitas do Iraque e, em última instância, contra o Irã, pelo seu apoio ao deslocamento dos sunitas no Iraque e pela influência que agora exerce no país vizinho.

Artigo de Farhang Jahanpour*

Envolverde/IPS

* Farhang Jahanpour é ex-decano da Faculdade de Línguas da Universidade de Isfahan, no Irão, e atualmente professor na Universidade de Oxford.

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