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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Sete anos de crise e de má sorte

Hoje continuamos numa depressão global. Os Estados Unidos não são a história da recuperação que se quer projetar. A Europa continua enredada na crise agravada pelos programas de austeridade. Por sua vez, a China continua a albergar a maior bolha de crédito do mundo. 

Por Alejandro Nadal, La Jornada

Em 2001 Alan Greenspan explicou os fatores que, segundo ele, tinham permitido aos Estados Unidos evitar os perigos da inflação, da volatilidade e da crise desde 1970. Para o então presidente da Reserva federal, os fatores chave foram a política monetária e, além disso, a boa sorte! A política monetária é discutível mas a boa sorte sem dúvida acabou há muito.

Passaram sete anos desde que surgiram os primeiros sintomas da crise econômica e financeira global. Sete anos de má sorte. Foi como se se tivesse partido o espelho de ilusões do neoliberalismo e sete anos de maldições se abatessem sobre a economia global.

As perspectivas para a economia global não são boas, ainda que muitos tenham querido ver todo o tipo de sinais alentadores em indicadores diversos. O principal evento que leva a pensar em 'coisas boas’ é o fim do programa de compra de ativos da Reserva federal, o famoso plano QE de flexibilização quantitativa. O anúncio foi feito na semana passada.

O programa arrancou em 2008 e no mês de setembro passado a Fed já tinha adquirido 4,5 bilhões de dólares em ativos do sistema bancário. O programa QE foi útil para os bancos e mesmo tendo tido um impacto na economia real ao manter baixas as taxas de juros, não serviu como catalisador do crescimento.

Quando assumiu o cargo de presidente da Reserva federal, Janet Yellen anunciou que o QE manter-se-ia enquanto os sinais do mercado laboral assim o exigissem. Hoje a taxa de desemprego aberto é de 5,8 por cento, tornando-a politicamente mais apresentável, permitindo o fim do programa de compra de ativos sem embaraços.

Na realidade, uma parte da redução do desemprego deve-se ao fato de muitos terem abandonado a procura de um trabalho remunerado e por isso já não contarem como desempregados. Além disso, uma percentagem significativa de pessoas ocupadas só tem empregos de part time. Quando estes fatores são incluídos nas estatísticas laborais, o resultado no mercado laboral deixa de ser satisfatório.

Por esta razão, Narayana Kocherlakota, presidente da Reserva Federal de Mineápolis, manifestou o seu desacordo com a decisão da Fed dizendo que o banco central devia ter continuado o seu programa de compras de ativos ou, pelo menos, ter condicionado a sua gestão da taxa de juros à evolução das perspetivas inflacionárias. Segundo Kocherlakota, isto é necessário para incentivar a procura e pôr maior pressão sobre os preços. Assim, a Fed teria enviado um sinal de que está decidida a empurrar a inflação até ao nível dos 2 por cento.

Desta forma se reconhece que a economia dos Estados Unidos ainda se encontra numa situação complicada de deflação. A razão é que todos os agentes continuam a tentar reduzir os seus passivos. As famílias, por exemplo, procuram a todo o custo reduzir o sobreendividamento em hipotecas, cartões de crédito, empréstimos de estudantes, de automóveis e até os tristemente célebres home equity loans, empréstimos sobre a apreciação de bens imóveis. Como os salários reais continuam estancados, a desalavancagem mantém-se.

O processo deflacionário aumenta o peso da dívida em termos reais (é o contrário do processo de evaporação de dívidas através da inflação). Esse aumento do peso da dívida implica uma contração da procura agregada. No passado, esta cresceu à base de impulsos do crédito e de bolhas, mas hoje essa fonte de crescimento já não funciona como antes. Em síntese, a procura agregada não está a relançar-se como se poderia pensar ao ler a imprensa internacional de negócios.

Na Europa diz-se que as medidas adotadas pelo Banco Central Europeu (BCE) sob a direção de Mario Draghi são similares à QE da Fed. Mas a realidade é que a postura da Alemanha continua a dominar a abordagem do BCE e faz com que a sua ação seja ainda muito tímida (o BCE comprou ativos por apenas uns 2 mil 500 milhões de dólares).

Hoje continuamos numa depressão global. Os Estados Unidos não são a história da recuperação que se quer projetar. A Europa continua enredada na crise agravada pelos programas de austeridade. Por sua vez, a China continua a albergar a maior bolha de crédito do mundo. Se esta continua a não rebentar é por causa da capacidade dos bancos de esconder os números, e porque os investidores chineses não têm outras opções para otimizar as suas carteiras de investimentos. Essa é uma das razões que leva os agentes chineses a comprarem hoje grandes quantidades de ouro e a continuarem a adquirir derivados financeiros de muito duvidosa qualidade. Na verdade, esses derivados encontram o seu caminho de regresso ao mercado de bens raízes e retroalimentam o crescimento da bolha que algum dia terá de estourar.

As dificuldades que a economia global atravessa conduzem a uma pergunta de dimensões históricas: é viável o capitalismo dominado pelo capital financeiro?

Publicado no La Jornada

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