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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A fábrica do Pai Natal: a cidade chinesa que produz as decoração de Natal do mundo inteiro

Retrato da globalização: uma única cidade chinesa produz 60% das decorações de Natal de todo o mundo. Quem são os operários. Como vivem e trabalham. 

Artigo de Oliver Wainwright, publicado no The Guardian.

Wei, aos 19, trabalha numa fábrica em Yiwu, China, revestindo flocos de neve de polistireno com pó vermelho. Foto: Imaginechina/Rex

Há vermelho no teto e vermelho no piso, vermelho a pingar dos parapeitos das janelas e dos glóbulos salpicados nas paredes. É como se tivessem deixado o artista Anish Kapoor solta, com o seu canhão de cera, outra vez. Mas é esta, na verdade, a aparência de uma fábrica do Natal. Este é o coração da oficina do Pai Natal – a milhares de quilômetros de distância do Pólo Norte, na cidade chinesa de Yiwu.

Os nossos mitos natalícios parecem sugerir que o Natal é feito por elfos de cara rosada, que martelam numa cabana de madeira rodeada de neve, nalgum lugar do Círculo Polar Ártico. Mas não. É provável que a maior parte dos enfeites, pingentes, lantejoulas e luzes cintilantes de LED que se espalha generosamente, em torno da casa, venham de Yiwu, uma cidade a 300 quilômetros ao sul de Shangai – onde não há um único pinheiro verdadeiro ou um floco de neve natural.

Batizada de “cidade chinesa do Natal”, Yiwu abriga 600 fábricas que, em conjunto, produzem mais de 60% de toda a decoração e acessórios de Natal – das árvores incandescentes de fibra ótica aos chapéus de feltro do Pai Natal. Os “elfos” que trabalham nestas fábricas são, quase sempre, operários migrantes, que trabalham 12 horas por dia, por um salário que equivale a algo entre 250 e 380 euros por mês. E eles talvez não saibam muito bem o que é o Natal.

“Talvez seja como o Ano Novo [Chinês] para estrangeiros, diz, à agência chinesa de notícias Sina, Wei, um trabalhador de 19 anos que chegou a Yiwu este ano, vindo da região rural da província de Guizhou. Junto com o pai, ele cumpre longas jornadas num porão salpicado de vermelho. Pega flocos de neve de polistireno, mergulha-os num banho de cola, coloca-os numa máquina de revestir com pó, até que se tinjam de vermelho – e faz 5 mil peças a cada dia.

No processo, ambos terminam encardidos da cabeça ao tornozelo, com pó fino de carmesim. O seu pai veste um chapéu de Pai Natal (não para celebrar, diz ele, mas para evitar que o cabelo fique vermelho) e ambos gastam pelo menos dez máscaras faciais por dia, tentando não respirar o pó. É um trabalho cansativo e eles provavelmente não o farão de novo no ano que vem: assim que ganharem o suficiente para que Wei se case, querem voltar para Guizhou e, se tiverem sorte, nunca mais ver uma cuba de pó vermelho.

Embalados em sacos de plástico, os seus flocos de neve vermelho-reluzentes estão expostos na imensa parafernália do Mercado Internacional de Yiwu, também conhecido como Cidade das Commodities da China – um mundo maravilhoso de 4 milhões de metros quadrados de quinquilharias de plástico. É um paraíso de 0,6 € um show de vendas infinito de tudo que há no mundo do que não se precisa mas pode, num momento irracional qualquer, sentir-se compelido a comprar. Há ruas inteiras, neste complexo de labirintos, dedicadas a flores artificiais e brinquedos infláveis. Em seguida, vêm as sombrinhas e anoraques, baldes de plástico e relógios. É um monumento palpitante ao consumo global, em muitos andares, como se o conteúdo de todos os aterros do mundo tivesse sido escavado, recomposto e meticulosamente catalogado em 62 mil estandes.

O complexo foi considerado pela ONU o “maior mercado de atacado, de pequenas peças, do mundo” e sua escala exige uma espécie de plano urbano, que organiza este festival de comércio em cindo diferentes distritos. É no Distrito Dois que se encontra o Natal.

Há corredores inteiros repletos apenas de ouropel, ruas a pulsar com shows de luzes LED que competem uns com os outros, meias de todos os tamanhos, árvores de Natal de plástico azul, amarelo e rosa cintilante, cones plásticos de pinheiro dourados e prateados. Algo parece perder-se na tradução. Há carneiros com chapéus de Natal e renas bordadas em tartan – além, é claro de inexplicáveis invenções chinesas, pais natal a tocar saxofone.

Poderia ser a glória, mas os dias de apogeu do mercado parecem ter ficado para trás. Está a perder terreno para gigantes da internet, como o Alibaba e o Made In China. Só no Alibaba, é possível escolher entre 1,4 milhão de itens de Natal diferentes, e recebê-los em casa após alguns cliques. O mercado de Yiwu não é páreo para isso: dispõe apenas de 400 mil produtos.

Voltadas para a faixa de baixo do mercado, as vendas de Yiwu prosperaram durante a recessão, quando o mundo desejava objetos de consumo baratos. Mas as vendas internacionais estão baixas, este ano. Ainda assim, segundo Cai Qingliang, vice-presidente da Associação dos Fabricantes de Produtos Natalícios de Yiwu, o apetite doméstico anda firme, já que a China abraçou a festa anual do consumo. Mais chineses sabem a respeito do Pai Natal que de Jesus, diz a revista Economist.

As vendas fulgurantes do mercado de Yiwu soam sempre alegres, sugerindo um Natal eterno. Para Cheng Yaping, co-fundador da Fábrica de Objetos Boyang, que mantém uma loja adornada como um pequeno paraíso na neve, “sentar aqui todos os dias, poder cercar-se de toda esta bela decoração, é excelente para o ânimo”.

É improvável que sintam o mesmo aqueles a quem restou ocupar a outra ponta da linha de produção, resignados a mergulhar flocos de neve em oficinas emporcalhadas de vermelho, para que possamos encontrá-las nas prateleiras a 1,30 €.

Tradução de António Martins para Outras Palavras.

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