Maria do Carmo Aquino veio para a vida e a viveu sem se
curvar ao deus dólar e dela partiu sem pedir licença ao Deus das religiões.
Abominava os cretinos que se transvestiam de democratas para melhor sangrar os
povos.
Não conseguindo assistir
o nosso país vencer uma estrutura sociopolítica de séculos de espoliação, recolheu-se
à ilha de Itamaracá, PE e de lá bradava: “Não
serei conivente com a patifaria de um capitalismo cruel que faz dos povos
rebanhos humanos e do capital um mito”. Assim, aquela valente se indignou
até o último suspiro de vida.
No dia anterior ao seu
falecimento, ouço a sua palavra por telefone: “Agassiz, fui convidada para falar sobre o teu livro ‘A ditadura dos
generais’, em Recife. Que obra esta tua! É um anátema eterno contra os
tiranos”.
Esta grande indignada irrompeu
para a vida descendente de uma cepa de indomáveis resistentes, da qual se
irradiou têmpera de fortes personificados em Osmar de Aquino e Laura Aquino.
Carregava-se da avidez de
um ideal por justiça, da dissecação dos fatos e uma força voluntariosa de
lutar. No seu rosto, liam-se os sentimentos de irresignação contra as
atrocidades sociais. “Que crueldade os
camponeses carregarem cinco séculos de latifúndio”.
Ao olhar milhares de
camponeses num encontro em Sapé, PB, vergastava: “Não se pode conviver com uma sociedade na qual os trabalhadores do
campo são relegados a párias”.
Trazia consigo uma força
ingente em defesa dos injustiçados, e desta forma ela soube compreender a
natureza humana: Fez-se forte e não autoritária; enérgica sem ser prepotente.
Dois impulsos moviam
aquela personalidade que ora tomba no chão da História: o sentimento do mundo
pelas liberdades e a luta em favor de milhões de camponeses cujo fardo de cinco
séculos arrastam pelos rincões da América Latina. Frente a estes desafios construiu
o seu templo de vida.
Certa vez, me disse
tocada de indômita revolta: “Prefiro as
tempestades da liberdade do que o silêncio e o conforto do oportunismo”.
Aquela combatente simbolizou
o espírito de luta do seu tempo. Predestinou-se a enfrentar forças poderosas, sem
temer adversidades. Acreditava no amanhã dos povos. Arrebatava-a um turbilhão
revolucionário, e assim abraçou as grandes causas. Depois do golpe militar de
64, tornou-se feroz contra os torturadores ante os quais vituperava: “Não suporto pisar o mesmo chão destes
infames”. Que valente guerreira!
Viandante incansável pelos
caminhos da vida viajava muito. De Cuba para Moscou e de lá descortinou o mundo
sem jamais ensarilhar as armas contra qualquer tipo de tirania.
Nas horas tempestuosas o que
aquela filha de Guarabira nos legou? A altivez de jamais ceder aos lacaios.
Quando a covardia humana
pelas garras militares encurralava a nação, Maria do Carmo Aquino ergueu a sua
fortaleza de resistência na ilha de Itamaracá, e de lá soltava os seus petardos
contra os tiranos. Que segurança ela nos passava. Transfigurava-se numa
verdadeira “La Passionaria” da Guerra
Civil Espanhola! Lá estávamos nós tocados por seu olhar imperativo: Gregório
Bezerra, Osmar de Aquino, Francisco Julião, Agassiz Almeida, Abelardo da Hora,
Clodomir Morais, Edval Cajá, Assis Lemos e tantos outros companheiros.
No seu mundo de Itamaracá
onde conviveu com os trabalhadores do mar - se fez quase um personagem mítico
de Hemingway - ouvia relatos fascinantes sobre o universo das águas e, desta
forma, abria diálogos oceânicos com os pescadores.
Que fiquem estas palavras
à guerrilheira que partiu: os fanfarrões e os degradados morais passam no
cotejo interminável dos dias, a história marca os passos dos fortes, e entre
estes lá está o nome de Maria do Carmo Aquino de Araújo.
Obs.: Agassiz Almeida é escritor, ativista
dos direitos humanos, deputado federal constituinte de 1988, autor das obras “500 anos do povo brasileiro”, “A república das elites”, “A ditadura dos generais”; e
recentemente lançou o livro “O fenômeno
humano”. É considerado pela crítica como um dos grandes ensaístas do país (Dados colhidos na Wikipédia).
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