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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Às voltas com a flexibilidade. Origem da precariedade?

Autor analisa os danos para os trabalhadores vindos da flexibilização da legislação trabalhista na Espanha

Com o passar do tempo se observa um agravamento das condições de trabalho dos trabalhadores. Já não é que se fale apenas em insegurança no emprego, é comum ouvir o termo "trabalhadores pobres". Nos últimos tempos, a precariedade está sendo amplamente discutida na mídia; não sendo alheia à academia, que tem vindo a estudar esse fenômeno há muito tempo, pelo menos no campo da Sociologia do Trabalho e Economia do Trabalho. Dito isto, parece pertinente ver a origem desta situação, mesmo para além do ciclo econômico em que estamos imersos.

Publicado por: Óscar Muñoz González em Ssociólogos
flexibidad laboral
Na minha opinião, a gênese dessa insegurança não é outra senão a introdução de medidas de flexibilidade no local de trabalho. A justificativa para a implementação dessas medidas é, de acordo com a opinião da maioria, que, no final dos anos setenta e início dos anos oitenta entrou em crise o modelo Taylorista do "trinta gloriosos"; havia uma demanda insuficiente de bens e serviços, houveram mudança na tendência ou moda do consumidor buscando diferenciação e, portanto, não tinha sentido a produção em massa característica da produção taylorista. Além disso, o mercado estava cada vez mais imprevisível, turbulento, e a capacidade de resposta das empresas deve segui-lo, todas baseadas na alta competição de outras nações. Embora tenha sido (e ainda é) a opinião da maioria, algumas vozes se levantaram contra esta justificação. Tal é o caso de Miguélez mostrando algumas "suspeitas" sobre estas estratégias de negócios, indicando que poderia ser que as organizações ou os empregadores ou optassem por "produzir diferentes necessidades (...) ou pelo desejo de reduzir os custos do trabalho e introduzir mais critérios de controle ágil "(Miguélez, F. 2004: 18). Trata-se, em vez de impor mercado é uma imposição das mesmas empresas que optam por escolher uma determinada estratégia de negócios (Lope, A., Gibert, F. E Vallacian Ortiz, D. 2002, Marcos Santiago, R ., 2003). Em suma, o modelo de emprego pós-Segunda Guerra Mundial, com base em uma norma social claramente definida, e onde a "dialética" entre capital e trabalho, corrigia grande parte das assimetrias desta relação (capital-trabalho ) está falido. O modelo dessa etapa, como Harvey argumenta, foi aquele em que "o Estado devia assumir novos papéis (keynesiano) e construir novas competências institucionais; o capital social teve que orientar suas velas em alguns aspectos, movendo-se mais facilmente na estrada, em um retorno seguro; e o trabalho organizado teve que cumprir novos papéis e funções dos mercados de trabalho e processos de produção "(Harvey, D., 1988: 155).

Dito isto, começam a introduzir mudanças, incluindo mudanças nas formas de organização do trabalho. A forma mais popular foi a produção enxuta (lean production) e técnicas parceiras, como just-in-time, ou o aparecimento de figuras como grupos autônomos ou de qualidade. Esta nova forma organizacional buscava, grosso modo, uma ampliação e enriquecimento das tarefas realizadas pelos trabalhadores, um aumento na rotação de trabalho, alcançando a máxima participação nestas organizações, ao mesmo tempo, aumentando a sua autonomia no desempenho das suas funções. Agora, tudo sem sair do modelo de lógica de negócios: aumento dos lucros. Parece uma espécie de humanização no trabalho [1].
el estres laboral
Dentro das práticas empresariais encontramos aquelas que visam o gerenciamento da mão-de-obra ou da força de trabalho, embora em termos de direção (administração) de negócios, usa-se uma terminologia diferente: Gestão de Recursos Humanos. Entre as suas práticas mais comuns é a flexibilidade. Mas quem faz isso flexibilidade? E, o sujeito que deve "suportar" essa flexibilidade tem poder de decisão sobre ela? Para a primeira questão parece óbvio que nós estamos falando sobre o trabalhador, enquanto que a segunda resposta tem um sentido negativo. A decisão de que as medidas de flexibilidade sejam implementadas fica a cargo dos empregadores e não aos desejos e intenções dos trabalhadores. Não está na posse da decisão destas medidas de flexibilidade, mas, em qualquer caso, assume e cumpre. Ou seja, se aceito, ele funciona; caso contrário, a organização pode poupar o trabalhador, e ir para o mercado de trabalho para aqueles que estão dispostos a fazer obedecer ou aceitar estas condições, ainda mais nestes tempos.

O que queremos dizer quando citamos a palavra flexibilidade? Há consenso de que ela tem muitos significados (Martínez Pastor, JJ e Bernardi, F. 2011: 383). Mas, além de tentativas de dar-lhe um significado que abrange o seu conteúdo, o mais comum tem sido a criação de categorias ou tipologias. Embora existam variedades de opções de qualificação, neste caso, optou-se pela proposta de Arincibia Fernandez, que construiu um modelo que inclui quatro tipos principais de flexibilidade: a organização da produção, organização do trabalho, gestão da produção e, finalmente, mercado de trabalho (Arancibia Fernández. F. 2011). No entanto, para a presente discussão, estamos interessados na mais recente: a flexibilidade do mercado de trabalho, no qual encontramos duas subdivisões principais: flexibilidade interna e flexibilidade externa.
A flexibilidade interna é subdividida em flexibilidade dos salários, horários de trabalho flexíveis, flexibilidade da jornada de trabalho e flexibilidade funcional.

Com relação à flexibilidade salarial se está referindo às mudanças que podem ser feitas nos salários dos trabalhadores e que, em regra, tem lugar através da redução do salário fixo e do aumento das partes que dependam de outras variáveis, como pode ser a produtividade; desta forma, e tal como estabelecido pelo empregador, ele pode determinar que o salário do trabalhador depende se tem havido um maior ou menor grau de produtividade, e, com base nisso, será concedido o salário correspondente. Se prestarmos atenção ao mercado de trabalho ou apenas observando o nosso trabalho ou que estamos perto, vemos que é uma prática muito comum. Às vezes um salário fixo (como regra, extremamente baixo) e que é acompanhado por outros acessórios em função de vendas, de produtividade, etc. O trabalhador não tem escolha, a não ser tentar aumentar a sua produtividade e atender além das exigências de seu trabalho, a fim de obter um salário medianamente apropriado.
flexibilidad laboral
A flexibilidade nos horários de trabalho. Neste caso, o empregador determina as horas de trabalho a ser realizado por cada empregado; Assim, a empresa, quando observados ou antecipados aumentos da demanda em determinados momentos do dia, deve informar seus funcionários e ajustar seus horários para se adaptar à demanda. Isso requer uma enorme incerteza e insegurança para o trabalhador, como, por exemplo, qualquer tipo de reconciliação está sujeito à decisão da direção em torno do horário.

Flexibilidade ma jornada de trabalho. Graças às possibilidades concedidas nos termos da legislação laboral pode-se fazer uso de vários tipos de jornadas, como o estabelecimento de turnos de trabalho (turno do dia, de tarde ou noite), inclinados a definir uma jornada expandida (quando realiza mais horas para cobrir o aumento da demanda), ou redução de horas. A manifestação mais comum de trabalho a curto prazo vem do lado do emprego a tempo parcial. Essa prática tende a ser cada vez maior, mas porque assim o exigem as empresas e não por decisão dos trabalhadores. Na verdade, de acordo com o Inquérito População Ativa  na Espanha (IFT),  trabalhadores a tempo parcial no quarto trimestre de 2014, 63% o fazem neste modo porque não encontram um emprego a tempo inteiro [2]. Outras manifestações desta flexibilidade vemos nas jornadas variáveis e jornadas anormais (ver horas de trabalho a noite ou em feriados) [3].

Para concluir a flexibilidade interna, olhamos para a flexibilidade funcional. Aqui, o objetivo do empregador é fazer com que os trabalhadores equipados com versatilidade,  realizem uma infinidade de tarefas dentro da empresa. Possivelmente este tipo de flexibilidade parece ser positiva, uma vez que elimina a natureza de rotina e monotonia de alguns postos de trabalho. Uma questão diferente é saber se a versatilidade e funcionalidade são recompensadas de alguma forma para o trabalhador.

Além disso, temos a flexibilidade externa,  também muitas vezes chamada de flexibilidade numérica. Ela traduz, no essencial, que o empregador tem a capacidade de aumentar ou diminuir a mão-de-obra que emprega. O empregador pode desenhar sobre os diferentes tipos de contratos que visa a legislação para atender às suas necessidades. Dentro dessa flexibilidade está a capacidade de dispensar o trabalho ou serviços prestados pelo empregado, ou seja, recorrendo à demissão. Nada impede  a rescisão do contrato de trabalho, sendo livre a ser realizada se for considerada adequada; argumento à parte é que a demissão seja gratuita, ou seja mais ou menos cara para o empregador.

Se fizermos uma avaliação sobre os tipos de flexibilidade, parece que é o que traz ainda mais insegurança e piores condições de trabalho. Se as medidas flexibilizadoras queriam corrigir as incertezas do mercado, isso não foi alcançado. Uma vez que tomou-se uma mudança ou transferência dessas incertezas para os trabalhadores.

Tudo dito até agora com liga-se com a insegurança no emprego, avançando não só pelas mudanças que vêm de dentro das empresas, mas também pelo quadro regulamentar que permite isso. Não surpreendentemente, as reformas trabalhistas ter ido nessa direção (O autor se refere à Espanha, comparemos com o Brasil). Em conclusão, a flexibilidade é parte da causa da precariedade ou é o outro lado da mesma moeda. A crescente insegurança no trabalho e no emprego, piores condições de trabalho, os baixos salários, a perda de direitos trabalhistas... Estes são algumas das características de insegurança no emprego, o que é padrão normal no Estado espanhol. Não esquecendo o abuso de diversas modalidades contratuais pela comunidade empresarial (e não só falar dos "clássicos" contratos temporários, outros tipos, tais como lote fixo é analisado individualmente, não esquecendo que o recurso dos falsos autônomos), que em nada dão segurança ao trabalhador; ou mesmo a terceirização ou subcontratação, que é outra estratégia de empresa, mais uma vez, é evidente a partir das inseguranças que estão sendo transportadas, em última instância, para o trabalhador.

Tudo indica que temos que considerar que medidas podem ser tomadas para fazer frente à esta precarização; prestar atenção não só para os benefícios para a economia (especialmente para as empresas), mas de alguma forma avaliar os custos sociais que vêm do lado da flexibilidade e da precariedade, ao mesmo tempo colocando a discussão inicial para a crescente desigualdade, não somos apenas espectadores, mas também atores nele. Parece que um caminho seria a recuperação moderada do equilíbrio entre capital e trabalho, embora atualmente os ânimos estejam ao rubro o suficiente para alcançar esse objetivo.
BIBLIOGRAFÍA
  • ARANCIBIA, F (2011). “Flexibilidad laboral: elementos teórico-conceptuales para su análisis”. Revista Ciencias Sociales. nº 26. Págs. 39-55.
  • HARVEY, D (1988). La condición de la posmodernidad. Investigación sobre los orígenes del cambio cultural. Buenos Aires. Amorrortu Ediciones.
  • LOPE, A., GIBERT, F. Y ORTIZ DE VALLACIAN, D. (2002): Atajar la precariedad laboralIcaria.
  • MARTÍNEZ, J.I. y BERNARDI, F. (2011). “La flexibilidad laboral: significados y consecuencias”. Política y Sociedad. Vol. 48. Nº 2. Págs. 381-402.
  • MIGUÉLEZ, F. (2004). “La flexibilidad laboral”. Revista andaluza de Estudios laborales. N º 13. Págs. 17-36.
  • RECIO, A (2004). “Aspectos económicos de la flexibilidad temporal”. Revista andaluza de Estudios laborales. Nº 13. Págs. 59-80.
  • RECIO, A (2007). “Precariedad laboral: del neoliberalismo a la búsqueda de un modelo alternativo”. Comunicación Congreso El desafío del desarrollo humano. Propuestas locales para otra globalización. Bilbao.
[1] Pese a todo, para algunos autores como Castillo, Freyssenet, Graham o Bonazzi no se ha corrido dicha suerte de humanización; para estos, ha habido una intensificación del trabajo y un aumento del “estrés” laboral.
[2] En el cuarto trimestre del 2014 según datos de la EPA, 2.624.500 personas trabajan a tiempo parcial; de estos, 1.657.900 trabajan a tiempo parcial porque no han encontrado trabajo de jornada completa.
[3] El artículo  de Albert Recio (2004), “Aspectos económicos de la flexibilidad temporal” ofrece una visión muy completa de estas modalidades de jornadas de trabajo.

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