OTAN: Perigo para a paz mundial - Blog A CRÍTICA

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sábado, 13 de dezembro de 2014

OTAN: Perigo para a paz mundial

A OTAN representa um perigo severo porque os países ocidentais se arrogam o direito de interferir em qualquer lugar em nome das interpretações ocidentais das realidades geopolíticas.

Immanuel Wallerstein

A mitologia oficial diz-nos que entre 1945 (ou 1946) e 1989 (ou 1991), os Estados Unidos e a União Soviética (URSS) entraram permanentemente em confronto – política, militar e acima de tudo ideologicamente. Foi o que se chamou a “Guerra Fria”. Se era uma guerra, a palavra a sublinhar é “fria”, já que as duas potências nunca se envolveram em qualquer ação militar direta, uma contra a outra, em todo este período.

Houve, porém, alguns reflexos institucionais desta Guerra Fria, em cada um dos quais foram os Estados Unidos, e não a URSS, a dar o primeiro passo. Em 1949, os três países ocidentais que ocupavam a Alemanha combinaram as suas zonas para criar a República Federal Alemã (RFA) como Estado. A União Soviética respondeu reestruturando a sua zona como República Democrática Alemã (RDA).

Em 1949, a OTAN foi criada por 12 nações. Em 5 de maio de 1955, as três potências ocidentais terminaram oficialmente a sua ocupação da RFA, reconhecendo-a como um estado independente. Quatro dias depois, a RFA foi admitida como membro da OTAN. Em resposta, a URSS estabeleceu a Organização do Tratado de Varsóvia e incluiu a RDA como um dos seus membros.

Era suposto que o tratado que criou a OTAN fosse aplicado apenas no interior da Europa. Um motivo era que os países europeus ainda tinham colônias fora da Europa e não queriam permitir que qualquer agência tivesse autoridade de intervir diretamente nas suas decisões políticas a respeito destas colônias. Os momentos de aparente confronto tenso entre os dois lados – o bloqueio de Berlim, a crise dos mísseis cubanos – terminaram com uma saída de status quo ante. A mais importante invocação dos tratados para se envolver numa ação militar foi a da URSS para atuar dentro da sua própria zona, contra acontecimentos que consideraram perigosos para a URSS – Hungria em 1956, Checoslováquia em 1968, Polônia em 1981. Os Estados Unidos intervieram politicamente, em circunstâncias semelhantes, tais como a entrada potencial do Partido Comunista Italiano no governo da Itália.

Este breve relato aponta para o objetivo real da Guerra Fria. A Guerra Fria não supunha a transformação das realidades políticas do outro lado (exceto nalgum momento longínquo do futuro). A Guerra Fria era um mecanismo para permitir que cada lado mantivesse os seus satélites sob controle, mantendo ao mesmo tempo o acordo de fato das duas potências em torno da partição de longo prazo do globo em duas esferas, um terço para a URSS e dois terços para os Estados Unidos. Cada lado deu prioridade à garantia de não utilização de força militar (especialmente armas nucleares) contra o outro. Esta atitude ficou conhecida como a garantia contra a “destruição mutuamente assegurada”.

O colapso da URSS em dois estágios – a retirada da Europa do Leste em 1989 e a dissolução formal da URSS em 1991 – devia ter significado em teoria o fim de qualquer função da OTAN. Na verdade, é bem conhecido que, quando Mikhail Gorbachov da URSS concordou com a incorporação da RDA na RFA recebeu a promessa de que não haveria a inclusão dos estados do Pacto de Varsóvia na OTAN. Esta promessa foi violada. Em vez disso, a OTAN assumiu inteiramente um novo papel.

Depois de 1991, a OTAN outorgou a si mesma o papel de polícia mundial para tudo o que considerasse serem soluções políticas para problemas mundiais. O primeiro grande esforço deste tipo ocorreu no conflito Sérvia/Kosovo, no qual o governo dos EUA jogou o seu peso a favor do estabelecimento de um estado do Kosovo e de uma mudança de regime na Sérvia. Em seguida, houve outros esforços – no Afeganistão em 2001 para expulsar os talibãs, no Iraque em 2003 para mudar o regime de Bagdá, em 2014 para combater o Estado Islâmico no Iraque e na Síria e em 2013-2014 para apoiar as chamadas forças pró-ocidentais da Ucrânia.

Na verdade, foi difícil aos Estados Unidos usar a própria OTAN. Por um lado, porque havia vários tipos de relutâncias de estados-membro da OTAN acerca de ações empreendidas. Por outro, quando a OTAN foi formalmente envolvida, como no Kosovo, os militares dos EUA sentiram-se constrangidos pela lenta decisão política no que diz respeito a ação militar.

Por que ocorreu então a expansão da OTAN em vez da sua dissolução? Mais uma vez, isto tinha a ver com políticas intraeuropeias e o desejo de controle dos EUA sobre os seus presumíveis aliados. Foi no regime de Bush que o então secretário da Defesa Donald Rumsfeld falou de uma “velha” e de uma “nova” Europa. Ao falar em velha Europa, referia-se especialmente à relutância de franceses e de alemães de concordarem com as estratégias dos EUA. Viu os países europeus ocidentais a afastarem-se das suas ligações aos Estados Unidos. Esta percepção estava realmente correta. Em resposta, os EUA esperavam cortar as asas dos europeus ocidentais introduzindo estados europeus orientais na OTAN, que os EUA consideravam ser aliados mais confiáveis.

O conflito em torno da Ucrânia ilumina o perigo da OTAN. Os EUA procuraram criar novas estruturas militares, obviamente mirando a Rússia, sob o pretexto de que se destinavam a contrapor-se a uma hipotética ameaça do Irã. À medida que avançava o conflito da Ucrânia, reviveu a linguagem da Guerra Fria. Os EUA usam a OTAN para pressionar os países europeus ocidentais para aceitar ações antirrussas. E dentro dos EUA, o presidente Barack Obama está sob forte pressão para agir “à força” contra a chamada ameaça russa à Ucrânia, o que se combina com a grande hostilidade existente no Congresso norte-americano em relação a qualquer acordo com os iranianos sobre a questão nuclear.

As forças no interior dos Estados Unidos e na Europa ocidental que procuram evitar loucos riscos militares estão a ser superadas pelo que só pode ser chamado como o partido da guerra. A OTAN e o que ela simboliza hoje representa um perigo severo devido à reivindicação dos países ocidentais do direito de interferir em qualquer lugar em nome das interpretações ocidentais das realidades geopolíticas. Isto só pode levar a mais, e altamente perigosos, conflitos. Renunciar à OTAN como estrutura seria um primeiro passo em direção à sanidade e à sobrevivência do mundo.

Immanuel Wallerstein

Comentário No. 389, 15 de novembro de 2014

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

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