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domingo, 4 de janeiro de 2015

O dinheiro é neutro na economia? A controvérsia que divide os economistas

Por Marco Antonio Moreno em El Blog Salmón 07 de dezembro de 2013

No desenvolvimento da teoria econômica as reflexões sobre o papel do dinheiro sempre geraram um espaço de especial controvérsia. Esta questão, que tem singular gravitação, hoje, tem sido objeto de intensos debates nos últimos cinco séculos: A importância do dinheiro no curto e no longo prazo é um dos eixos que dividem o pensamento econômico. Algumas pessoas pensam que o dinheiro é apenas um véu completamente neutro para os assuntos econômicos, e alguns dizem que o dinheiro desempenha um papel central, pelo menos no curto prazo. Afeta o dinheiro a atividade econômica real? E se afeta, qual é o mecanismo de transmissão de mudanças no estoque de dinheiro para o setor real da economia? Embora este debate continue por séculos, não há consenso para determinar com rigor o papel do dinheiro na economia. Para a corrente dominante o dinheiro é neutro no curto e longo prazo.

A questão central que a teoria faz é sobre a conexão que existe entre os fenômenos monetários e os fenômenos reais de uma economia, ou seja, se o dinheiro desempenha um papel para além da "economia de troca". A resposta de toda a economia clássica, neoclássica e monetarista é sempre a mesma: "o dinheiro é neutro, é apenas um sistema de véu" e não afeta a economia a curto ou a longo prazo.
Para essa visão de pensamento o dinheiro é neutro se as mudanças exógenas na oferta de moeda afetam apenas na mesma proporção as variáveis nominais, deixando inalteradas as variáveis reais, como a produção, o emprego e os preços relativos. De acordo com essas escolas, os fenômenos monetários não afetam os fenômenos atuais da economia e só tem um impacto único no nível geral de preços: ou seja, que a inflação é sempre e em todos os momentos, um fenômeno monetário ..., como enfatizou Milton Friedman. Embora a ideia de neutralidade da moeda remontem para as obras de David Hume (Of Money, 1750), foi Friedrich von Hayek, que conceituou em seu Price and Production (1931), em teoria monetária.

A Teoria Quantitativa do Dinehiro

Grande parte dessa controvérsia é o resultado da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), intimamente associada aos economistas clássicos e a Escola de Chicago. A TQM tem sido o núcleo central e o paradigma macroeconômica  dominante usado por muitos economistas que contribuíram para o seu desenvolvimento como Knut Wicksell, Stanley Fisher, Alfred Marshall, Arthur Pigou, Friedrich von Hayek e Milton Friedman, entre outros. Estes economistas acreditam que o principal objectivo da política econômica é manter a estabilidade dos preços, uma vez que desta forma o valor do dinheiro é preservado. Esta abordagem é muito frágil, porque ela assume que os bancos centrais estão em mãos do setor público. E lembre-se que os principais bancos centrais ao redor do mundo são instituições privadas.
Embora sempre se mencione David Hume como o criador da Teoria Quantitativa da Moeda, essa ideia tinha mais de 200 anos de idade, quando o filósofo da natureza humana e professor de Adam Smith a desenvolve em  Of Money. O filósofo político francês Jean Bodin formulou em 1568 (182 anos antes de Hume), em seu primeiro texto da teoria monetária. Neste trabalho, Bodin diz que a principal causa do aumento dos preços é o aumento das quantidades existentes de ouro e prata.
Esta ideia teve grande impacto na Europa e foi considerada por muito tempo como a primeira exposição de uma teoria quantitativa da moeda. Mas, mais tarde descobriu-se que a primeira construção científica sobre o assunto foi preparado pelos pensadores da Escola de Salamanca, em particular pelo padre jesuíta Martin de Azpilcueta, em 1525 (225 anos antes de Hume). Azpilcueta descreveu os efeitos inflacionários do afluxo maciço de ouro e prata produto de saques realizados pelos conquistadores e navegadores, até aos confins do mundo a partir do século XIV.
A formulação moderna da teoria quantitativa é atribuível a Irving Fisher, em seu livro The Purchasing power of Money, de 1911, que define o que tem sido chamado de enfoque de transações da teoria quantitativa: M*V = P*T identidade que expressa a quantidade de dinheiro na economia (M) pelo número de vezes que cada unidade monetária é usada (V) é  equivalente ao valor total das transações efetuadas (P*T).
De acordo com esta identidade de Fisher, e sempre sob o pressuposto de uma economia em pleno emprego ( regra geral dos economistas clássicos), a velocidade de circulação do dinheiro (V) é constante por razões "técnico-institucionais" determinadas por hábitos de pagamento e de despesas da comunidade. Da mesma forma, o nível de atividade ou número de transações (T) é assumida como constante, deixando o nível de preço (P), dependendo da quantidade de dinheiro (M). De acordo com essa relação, a causalidade vai da esquerda para a direita e é a quantidade de dinheiro que determina o nível de preços.
Dado que a abordagem de Fisher inclui o total de transações (finais e intermediárias) e isso levanta a questão contábil da duplicação de operações, surgiu a abordagem da renda da teoria quantitativa, também chamada de equação de troca: M*V = P*Y onde se considera que o valor da renda real da economia (P*Y) é equivalente à procura de moeda (M) pelo número de vezes que, em média, cada moeda em operações econômicas (v) é usada. Embora esta versão seja mais operacional, continua a ser uma identidade semelhante às anteriores que expressa uma causalidade entre a quantidade de dinheiro e o nível de preços, com a causalidade da esquerda para a direita. Para Fisher, a velocidade do dinheiro também é constante. No entanto, aqui temos um gráfico da velocidade do dinheiro nos Estados Unidos:
Velocidade do dinheiro nos Estados Unidos 1958-2013

A teoria keynesiana

Até o advento da teoria keynesiana, a teoria quantitativa da moeda era o paradigma macroeconômico dominante usado pelos economistas. Em seus Ensaios monetários, Keynes refutou a TQM argumentando que sob uma mudança na quantidade de dinheiro, nem todos os preços variam na mesma proporção. Há mudanças nos preços relativos e, portanto, diferentes efeitos distributivos com consequentes impactos sobre a produção. Para Keynes o dinheiro desempenha um papel central e seu grande tema era a teoria monetária da produção, onde o dinheiro impulsiona o investimento e o motor do crescimento se transforma. Esta ideia quebra o nexo de causalidade direta de oferta de moeda sobre os preços e dá um papel central para o dinheiro.
Keynes reconheceu que, no longo prazo, a economia tende a funcionar como assinalam ose clássicos, mas o longo prazo é um período de tempo irrelevante porque, a longo prazo "estaremos todos mortos". Para Keynes, o desemprego é persistente e só com políticas de demanda agregada que estimulem a demanda efetiva pode atingir o equilíbrio, sem desemprego involuntário (Keynes aceita a existência da taxa natural de desemprego ou desemprego voluntário). A existência desse espaço para a política monetária e fiscal (modelo IS-LM) possa melhorar o nível de renda, é para Keynes a prova irrefutável de que a neutralidade da moeda é uma falácia.
Na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (livro que seria chamado de Teoria Monetária de Produção), Keynes levanta formalmente a relação entre as variáveis reais e as variáveis do sistema monetário através do efeito dos preços. O mecanismo de transmissão e flutuação no valor dos ativos financeiros é por meio da taxa de juros. Assim,  o dinheiro desempenha um papel central na economia, uma vez que com o seu desempenho como um meio de troca (economia de troca) e açambarcamento acrescenta o seu papel como um veículo para a especulação. Com isso, a antiga determinação monetária é suplantado pelo argumento keynesiano da demanda efetiva e a taxa de juros.
Como Keynes argumenta, o dinheiro não é um véu neutro. É o elemento que une o presente com o futuro, mas ao mesmo tempo aumenta o fosso entre a esfera real e a esfera monetária pelo pagamento de juros, transferências de dinheiro para os mais ricos que reforçam a desigualdade. Ebora os juros sejam a expressão de que no capitalismo as decisões econômicas são feitas em condições de incerteza, ante a incerteza do futuro muitas pessoas acumulam dinheiro, e a apropriação de dinheiro pelas empresas e pelas famílias podem afetar o ciclo econômico . Esta é a armadilha da liquidez que convulsionou a economia atual, e às portas de um recrudescimento da crise.

A contrarrevolução monetarista

A contrarrevolução monetarista desenvolvida desde a década de 50 contra as idéias de Keynes tem procurado demonstrar a neutralidade da moeda através da teoria do equilíbrio geral de Walras. Desde que Leon Walras, o fundador desta teoria (1874) modelou o conceito de equilíbrio para uma economia com dinheiro, muitos autores têm aperfeiçoado o modelo matematicamente para criar a heurística positiva que o alimenta. Walras, no seu sistema de equações de excesso de demanda e excesso de oferta de produtos que se ajustam automaticamente para esvaziar o mercado por meio de preços, apresentou uma equação que representa o excesso de demanda e oferta de dinheiro. Em seu sistema de infinitas equações, Walras não percebeu que o equilíbrio do sistema é estabelecido com muitos preços negativos, o que é impossível na vida real. Embora os sistemas computacionais modernos evitem esse problema, o importante na ideia de Walras é que adverte que o dinheiro é algo que é inútil para aqueles que o têm, e que o seu serviço só atende a necessidade de transações (barter).
A concepção de dinheiro no equilíbrio geral Walrasiano foi concebida na década de 50 no modelo Arrow-Debreu, graças às contribuições matemáticas feitas na década de 30 por Wald e von Neumann. O documento de Kenneth Arrow e Gerard Debreu Existence of an Equiibrium for a Competitive Economy, 1954, é um modelo matemático altamente complexo que introduz a noção de incerteza com a ideia de localização: uma maçã não vale o mesmo na Europa ou na África; nem vale o mesmo hoje ou em 30 dias. A incerteza dos diferentes preços em uma ou outra parte do mundo, e, no presente ou no futuro, não é nada mais do que um agregado de equações em que o núcleo do papel do dinheiro não é óbvio. No modelo de equilíbrio geral de Arrow-Debreu o dinheiro permanece neutro e não desempenha um papel decisivo na economia.
Como vimos, os pressupostos da teoria neoclássica para que o dinheiro seja neutro são altamente restritivos, tornando este conceito num exercício teórico interessante (na linha da Hipótese de mercados eficientes, de Eugene Fama), que não passa de ser um capricho matemático que esconde o verdadeiro significado do dinheiro e, mais ainda, na criação de dinheiro a partir do nada.

Um comentário:

  1. Muito bom! E tem uma porrada de gente que nunca procurou ler uma linha sobre economia e que vive dizendo que o dinheiro é neutro. Mas pior ainda é quem leu milhões de linhas e defende o mesmo...

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