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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Aborto

Peter Singer
Universidade de Princeton

Os seres humanos desenvolvem-se gradualmente no interior do corpo das mulheres. A morte de um óvulo humano acabado de fertilizar não parece ser o mesmo que a morte de uma pessoa. Todavia, não existe uma fronteira óbvia entre o feto que se desenvolve gradualmente e o ser humano adulto. Logo, o aborto levanta uma questão ética difícil.

Aqueles que defendem o direito da mulher ao aborto referem-se frequentemente a si próprios como "pró-escolha" em vez de "pró-aborto". Deste modo, procuram ultrapassar a questão do estatuto moral do feto e fazer do direito ao aborto uma questão de liberdade individual. Mas não pode ser simplesmente pressuposto que o direito da mulher ao aborto é uma questão de liberdade individual, dado que primeiro terá de ser provado que o feto abortado não é um ser merecedor de proteção. Se o feto merece proteção, então leis contra o aborto não criam "crimes sem vítimas", como o fazem leis contra relações homossexuais entre adultos que o consentem. Portanto, a questão do estatuto moral do feto não pode ser evitada.
O argumento central contra o aborto pode ser formulado deste modo:

É errado matar um ser humano inocente.
Um feto humano é um ser humano inocente. 
Logo, é errado matar um feto humano. 
Os defensores do aborto habitualmente negam a segunda premissa do argumento. A disputa acerca do aborto torna-se então uma disputa sobre se o feto é um ser humano, ou, por outras palavras, sobre quando começa uma vida humana. Os oponentes do aborto desafiam os seus adversários a identificar uma qualquer fase do processo gradual de desenvolvimento humano que estabeleça uma linha divisória moralmente significativa. A menos que exista tal linha, dizem, temos de ou elevar o estatuto do embrião inicial ao estatuto de criança, ou baixar o estatuto de criança ao estatuto de feto; e ninguém advoga a última direção.

Geralmente, as linhas divisórias mais sugeridas entre o óvulo fertilizado e a criança são o nascimento e a viabilidade. Ambas estão sujeitas a objeções. Uma criança nascida prematuramente pode muito bem ser menos desenvolvida do que um feto próximo do termo da gravidez, e seria peculiar defender que não podemos matar a criança prematura mas podemos matar um feto mais desenvolvido. Por sua vez, a viabilidade varia de acordo com o estado da tecnologia médica, e mais uma vez seria estranho defender que o feto tem direito à vida se a mulher grávida vive em Londres, mas já não o tem se a mulher grávida vive na Nova Guiné.

Quem deseja negar ao feto o direito à vida está em terreno mais seguro se desafiar a primeira premissa do argumento, em vez da segunda. Descrever um ser como "humano" é usar um termo que incorpora duas noções distintas: membro da espécieHomo sapiens, e ser uma pessoa, no sentido de um ser racional e autoconsciente. Se "humano" é tomado como equivalente a "pessoa", a segunda premissa do argumento, que afirma que o feto é um ser humano, é manifestamente falsa; ninguém pode plausivelmente argumentar que o feto é ou racional, ou autoconsciente.

Se, por outro lado, "humano" é tomado apenas como "membro da espécie Homo sapiens", então é preciso mostrar por que razão ser membro de uma dada espécie biológica é suficiente para ter direito à vida. De preferência, argumentará o defensor do aborto, devemos olhar para o feto e ver aquilo que ele é — as características que ele realmente possui — e avaliar a sua vida em função disso mesmo.
Peter Singer

Bibliografia

Rosalind Hursthouse, Beginning Lives (Oxford, 1987)
Judith Jarvis Thomson, "A Defense of Abortion", in Peter Singer, org., Applied Ethics(Oxford, 1986)
Michael Tooley, Abortion and Infanticide (Oxford, 1983)


Tradução de Faustino Vaz
Texto retirado de Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich (OUP, 1995)

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