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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Immanuel Wallerstein: O multiculturalismo e seus dilemas

O debate sobre algo chamado multiculturalismo é muito difundido e apaixonado nos dias de hoje em todo o mundo. Tanto os seus defensores e aqueles que denunciam que parecem estar sob a ilusão de que o multiculturalismo é algo muito novo. Mas não é novo em tudo. Multiculturalismo é tão antigo quanto as culturas humanas que existiram. E tem sido sempre objeto de debate apaixonado.

Onde quer que os seres humanos residam, sempre houve grupos que se consideram de alguma forma mais nativos da região do que outros. Os "nativos" tendem a usar uma retórica de pureza cultural, que eles vêem como sendo contaminada, ou ameaçada, por outros que são marginais ou recém-chegados na região, e que têm, portanto, menos direitos do que os grupos nativos (ou nenhuns direitos de qualquer natureza). A resposta deste último grupo sempre foi para reivindicar alguma versão ou outra do multiculturalismo. Ou seja, eles têm argumentado a favor de acordo com direitos iguais para todos (ou a maioria), residentes ou não partilham algumas das práticas culturais da população "nativa" auto-intitulada.

Os seres humanos têm estado sempre em movimento, por muitas razões. Um deles é o esgotamento ecológico da área de que eles estão se movendo. Outra é a atração de um alto padrão de vida em outro lugar. A terceira é que, por alguma razão eles estão sendo perseguidos na área a partir da qual eles estão se movendo. A realidade é que, se traçarmos a descida longe o suficiente no passado, ninguém é do lugar onde seus antepassados ​​foram uma vez. Nós somos todos migrantes. Não há nenhum de nós nativo, exceto por suprimir a realidade histórica.

Para ter certeza, esta questão tem causado conflitos mais agudos nas últimas décadas, por duas razões simples. Os avanços tecnológicos nos transportes e comunicações tornam muito mais fácil migrar mais longe e mais rápido do que em épocas anteriores. E a polarização do sistema-mundo é muito maior, tornando-se consideravelmente mais tentador para as pessoas nos países mais pobres a se moverem para países mais ricos.

Além disso, o fato de que estamos vivendo em meio à crise estrutural do sistema-mundo moderno fez com que a taxa de desemprego real tenha aumentado de forma muito acentuada. Daí a busca de bodes expiatórios que leva a enfocar nos migrantes que supostamente são a causa das altas taxas de desemprego nos países mais ricos.

O padrão de subir na escada da riqueza dos países aplica-se, naturalmente, para as pessoas do Sul Global que migram para o Norte Global. Digamos do México para os Estados Unidos, Marrocos para a França, Filipinas para o Japão. Aplica-se bem mais abaixo na escada da riqueza. Digamos Guatemala para o México, Moçambique, África do Sul, o Paraguai para o Brasil. Em todos os casos, há sempre uma reação a partir do país de acolhimento que exige a exclusão ou expulsão do in-migrante, aparentemente para preservar postos de trabalho no país de acolhimento, bem como para preservar a chamada cultura nativa.

A retórica contra o multiculturalismo serve (e se destina a servir) para obter os eleitores normalmente deixados em qualquer país para apoiar aqueles que usam a linguagem xenófoba dos movimentos de extrema-direita e direita. E sem dúvida que muitas vezes consegue fazer isso. A retórica em favor do multiculturalismo serve (e se destina a servir) para obter os eleitores normalmente relativamente centristas para apoiar os movimentos mais à esquerda como um baluarte sobre a xenofobia. E sem dúvida que muitas vezes consegue fazer isso.

O que sabemos sobre o que realmente acontece na maioria dos países? De uma forma ou de outra, todos os países são multiculturais. Ou seja, há grupos de pessoas que têm práticas culturais distintas. Eles têm diferentes religiões ou línguas ou costumes matrimoniais. Estes costumes diferentes são perseguidos com diferentes graus de diligência. Em períodos que não são muito estressantes, em termos econômicos, há uma boa dose de interação de vizinhança entre pessoas de diferentes grupos, e os casamentos mistos, muitas vezes consideráveis, tornando ainda mais as distinções entre grupos menos importantes e mais difíceis de discernir.

Em tempos, no entanto, de estresse econômico, temas xenófobos crescem e se tornam mais importantes no discurso popular e muitas vezes levam a conflitos agudos. Vizinhos se voltam contra vizinhos. Filhos de casamentos intergrupais são forçados a confessar lealdade a um ou outro grupo. Os países se tornam mais protecionistas. Liberdade de circulação através das fronteiras se torna mais difícil. Há um aumento considerável da violência de todos os tipos.

Sem dúvida, é preciso distinguir entre situações diferentes em termos de demografia. Houve zonas em que a população existente foi submersa por uma relativamente grande e forte na migração da população, que eliminou (ou subordinou totalmente) os grupos que tinham estado lá. Pense na Taino em ilhas do Caribe ou os fijianos enfrentados com um hindu em migração no Pacífico.

E depois estão em migrações pessoas ricas do hemisfério norte em zonas onde compram a terra desejável, aumentam os custos em geral, e coloca os grupos de poder que tinham estavam previamente lá em existências marginais. Isso está acontecendo agora em todo o mundo em zonas que são climaticamente mais desejáveis.

As reivindicações dos grupos "nativos" pela manutenção de seus padrões culturais e valores coletivos tem uma tonalidade bem diferente no caso de resistência à migração interna de grupos na parte inferior da escala social do que alguns de pessoas no topo de alguma escala social. E aqui são precisamente os dilemas. Somos capazes de compreender e agir sobre esta distinção? Podemos prosseguir políticas sensivelmente diferentes nos dois casos? Nós de fato podemos suportar a forma inevitável e desejável do multiculturalismo que é a base de um intercâmbio frutífero pacífico dos valores culturais? Ou será que vamos sucumbir a limpezas étnicas xenófobas em todo o mundo?

Comentário No. 395, 15 de Fevereiro de 2015 - http://iwallerstein.com/

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