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sexta-feira, 17 de abril de 2015

O estranho mas inevitável ajuste

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Publicado no jornal Valor, 10 de abril de 2014 e socializado pelo próprio autor na sua página no Facebook


O país não cresce, o desemprego ressurge, e na prática a recessão já está instalada na economia. Não obstante, o governo não tem alternativa senão engajar-se em um processo de ajuste fiscal – algo que se faz quando há excesso, não quando há falta de demanda. Como explicar esse quadro estranho? 

O baixo crescimento não é novo. Embora poucos se deem conta disto, a economia brasileira está semiestagnada há muito tempo. Desde 1980 o crescimento da renda per capita tem sido, em média, de 0,9% ao ano contra 4,1% entre 1950 e 1980. Se excluirmos dois períodos atípicos – a forte retração ocorrida nos anos 1980 causada pela política de crescimento com poupança externa e o período de boom de commodities (2004-2010) –, a taxa de crescimento foi quase a mesma: 0,8% ao ano. 

O principal fato novo que explica o baixo crescimento desde 1990-91 é a armadilha dos juros altos e o câmbio sobreapreciado, que reduz a taxa de lucro esperada (quando não a torna simplesmente negativa) e inviabiliza os investimentos. O real sobreapreciado, por sua vez, decorre da desmontagem do competente mecanismo de neutralização da doença holandesa que existiu entre 1967 e 1990 – o “modelo Delfim Netto” baseado em altas tarifas de importação e elevados subsídios para a exportação de bens manufaturados. Nesse mecanismo metade era protecionismo, metade neutralização da doença holandesa, mas ninguém percebeu isso. Sem essa neutralização, as empresas industriais brasileiras passaram a ter uma grave desvantagem competitiva, e a desindustrialização se desencadeou. 

Os objetivos do ajuste são quatro: controlar a inflação desencadeada pela depreciação recente do real, sancionar a depreciação do real já em curso, reverter o processo de aumento do endividamento público, e recuperar a confiança no governo e no Brasil. 

A perda de confiança ocorreu nos dois últimos anos do primeiro mandato. No segundo semestre de 2012, apoiado na baixa da taxa de juros e na depreciação do real que lograra promover, o governo anunciou que havia sido bem sucedido em mudar a “matriz macroeconômica”, e que o país estava agora pronto para crescer. Esse foi um primeiro erro. A matriz macroeconômica realmente mudara um pouco, mas não o suficiente para tirar o país da armadilha de longo prazo em que está metido. 

Dilma recebera do governo anterior uma taxa de câmbio brutalmente apreciada (R$ 2,00 por dólar, a preços de hoje). Por isso a depreciação real de cerca de 20% alcançada nos dois primeiros anos do governo não bastou para que as empresas brasileiras competentes se tornassem competitivas, suas expectativas de lucro mudassem, e elas voltassem a investir em expansão de capacidade. Somem-se a isto dois fatos – os salários reais continuaram a aumentar e a produtividade da indústria continuou a baixar porque a taxa de câmbio apreciada não justificava investimentos no setor – e compreenderemos porque a economia permanecia semi-estagnada.

Entretanto, a desvalorização de 2012 teve um preço. Como ela não foi acompanhada do necessário ajuste fiscal, a inflação subiu. Em face desse segundo erro e do crescimento sempre baixo, a ortodoxia liberal partiu para o ataque, ridicularizando o “pibinho” e apontando para o aumento da inflação. E foi bem sucedida, porque os empresários industriais deixaram de apoiar o governo. Sem alternativa, o governo Dilma recuou, e passou a aumentar os juros. 

Mas tentou uma última cartada, cometendo um terceiro erro. Recorreu a uma política industrial caríssima, baseada em desonerações de impostos. Pensou que assim compensaria a sobreapreciação cambial, a taxa de lucro voltaria a ser satisfatória para as empresas industriais, estas voltariam a investir, e o país voltaria a crescer. Mas política industrial nunca serviu para compensar desequilíbrio macroeconômico. Somada à forte desaceleração econômica de 2014 e à consequente diminuição da arrecadação, essa política contribuiu para que o superávit primário caísse cerca de 2% e se tornasse negativo. 

Em 2013, diante desses erros, dos mal resultados em termos de crescimento e inflação, e do julgamento do Mensalão, o governo perdeu o apoio nas elites econômicas. O pacto desenvolvimentista que Lula tentara montar associando empresários industriais e trabalhadores entrou colapsou. Não eram mais apenas os rentistas e o setor financeiro que desaprovavam o governo; os empresários industriais também se mostravam cada vez mais insatisfeitos, o que se constituía em um argumento adicional para não investirem.

Ao mesmo tempo, o déficit em conta-corrente (a chamada “poupança externa”) não parava de aumentar, alcançando 4,4% em 2014, o que agravou a crise de confiança e a estendeu para o sistema financeiro internacional, tornando possível uma crise de balanço de pagamentos neste ano, não obstante as altas reservas. 

Diante desse quadro, a prioridade que a presidente estabeleceu para 2015 foi recuperar a confiança perdida, que neste momento só pode ser alcançada através de um decidido ajuste fiscal. Mas, seria esse ajuste necessário? Contribuiria para reduzir a inflação e assim sancionar uma depreciação real? Pouco, dada a insuficiência de demanda hoje existente. Por que, então, o ajuste? Primeiro, porque política contracíclica só é efetiva quando o país parte de uma situação de equilíbrio fiscal – o que não é o caso. Segundo, porque, combinada com a depreciação, é a forma de controlar o déficit em conta-corrente. E, terceiro, porque a sociedade brasileira está convencida da importância do equilíbrio fiscal – o que torna do ajuste condição para o restabelecimento da confiança em um quadro político e macroeconômico muito negativo para a presidente. 

O ano de 2015 será difícil, como tem acentuado o ministro Joaquim Levy. Mas a crise econômica não é grave, e pode estar superada até o final do ano. Para isto, entretanto, é preciso que o governo e as elites políticas superem a atual crise política, porque esta, sim, é grave. É uma crise de legitimidade que inviabiliza o bom governo.

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