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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Um novo Estado, meta do neoliberalismo

O capital financeiro não está a destruir o Estado, está sim a reconfigurá-lo e a reorganizá-lo para que responda às suas necessidades e interesses. 

Por Alejandro Nadal, La Jornada
De maneira ativa os membros do poder legislativo desempenham uma função de agências do capital financeiro e do neoliberalismo. Foto de uncoolbob
De maneira ativa os membros do poder legislativo desempenham uma função de agências do capital financeiro e do neoliberalismo. Foto de uncoolbob
Por que o neoliberalismo surge mais forte do que nunca após sete anos de crise? Boa pergunta. E não existe hoje uma resposta satisfatória por uma razão fundamental. É que a crítica ao neoliberalismo assenta num postulado equívoco: a ideia de que o capital procura reduzir o âmbito da influência do Estado, tirá-lo do caminho e até eliminá-lo. Muitos encontram a prova desta ideia na onda de privatizações e na eliminação de controles de regulação para todo o tipo de atividades.

Esse postulado provém da ideia de que o mercado e o Estado são antitéticos. Mas desde há muito a história e a antropologia revelaram que as economias de mercado nasceram através de uma forte intervenção do Estado e das suas agências. Só a mitologia dos economistas continua a afirmar que no início houve a troca e depois, espontaneamente, nasceu o mercado.

É necessário criticar esta premissa e substituí-la por uma nova perspectiva: o capital financeiro não está a destruir o Estado, está sim a reconfigurá-lo e a reorganizá-lo para que responda às suas necessidades e interesses. Esta ideia proporciona uma matriz analítica mais rica e aproxima-se mais do que está a acontecer no mundo.

Hoje temos muitos sinais a indicar como o neoliberalismo está a construir um novo Estado. O primeiro, talvez o mais óbvio, é a degradação da vida política. Aqui o sintoma mais claro é o predomínio do dinheiro sobre os votos. As campanhas eleitorais estão submetidas a uma circulação monetária que vai dos interesses mais descarados das grandes empresas à grande mídia, passando pela compra de candidatos. As instâncias encarregadas de organizar e supervisionar as eleições estão sobrecarregados ou simplesmente fazem parte deste grande teatro. O ‘mercado eleitoral’ deixou de ser, há muito, uma simples metáfora.

Este sinal marca a deterioração do chamado ‘poder’ legislativo. Os congressos e parlamentos deixaram de funcionar com o objetivo de defender e cultivar o interesse público. Mas isso não quer dizer que tenham deixado de funcionar. Pelo contrário, de maneira ativa os membros do poder legislativo desempenham uma função de agências do capital financeiro e do neoliberalismo: votam as suas leis contrárias ao interesse público, levantam novas barreiras regulamentares contra concorrentes não desejados e, sobretudo, bloqueiam qualquer iniciativa que possa aumentar o poder cidadão.

O segundo sinal é a concentração de poder econômico e a desigualdade. As grandes empresas, nacionais e internacionais, têm hoje uma capacidade nunca antes vista de organizar espaços econômicos em torno dos seus interesses e estratégias de expansão. O seu tamanho, grau de diversificação e de integração dá-lhes acesso a fortes economias de escala e de recursos. Isso permite-lhes adotar todo o tipo de comportamentos estratégicos, desde a segmentação de mercados até à manipulação de preços para transferir rentabilidade ao longo da cadeia de valor. Tudo isto conduz à enorme concentração de poder em todos os ramos da produção à escala mundial.

Face às grandes empresas, as comissões reguladoras dos governos não desaparecem. Simplesmente alteram funções e adotam a missão de servir estas gigantescas empresas para legitimá-las. A síndrome da porta giratória é uma expressão de tudo isto. E quem se tenha escandalizado perante os abusos do setor financeiro ou tenha participado na luta contra os organismos geneticamente modificados pode testemunhá-lo.

A desigualdade econômica e a concentração do rendimento são o pano de fundo da acumulação no neoliberalismo. E isso precisa de uma nova e mais potente capacidade repressiva. Por isso, temos o terceiro sinal: o extraordinário crescimento do aparelho de segurança do Estado. As funções de repressão direta e de espionagem reorganizaram-se e hoje encontram-se no centro de múltiplas agências a nível nacional ou regional, muitas vezes com fortes vínculos com a delinquência organizada.

Tudo isto é acompanhado de um fato fundamental: a desmobilização da cidadania. Se o voto não é respeitado e se o parlamento está corrompido, carece de sentido ir às urnas no dia das eleições. Por isso, o abstencionismo é o partido maioritário em todo o mundo e parece confirmar a ideia de que é inútil tentar recuperar o controle sobre a vida política. Os abusos dos bancos ou dos fabricantes de comida de plástico convertem-se numa fatalidade que temos de sofrer quotidianamente. No final, os cidadãos transformam-se em consumidores (de todos os tamanhos) ou em átomos de uma matéria-prima chamada força de trabalho.

O bloqueio e o ataque à democracia não devem ser confundidos com a redução do tamanho do Estado. A esquerda deve tomar nota: estamos perante um esforço concentrado para construir um novo sistema em que a democracia não tem lugar.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado no jornal mexicano La Jornada, em 1 de abril de 2015. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

  • Alejandro Nadal

Economista, professor em El Colegio do México.

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