100% energia renovável - Blog A CRÍTICA

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sexta-feira, 8 de maio de 2015

100% energia renovável

Cresce no mundo a consciência de que é preciso construir uma sociedade livre do petróleo, carvão e gás. Para isso, a alternativa é ter energia, totalmente, limpa e com baixa emissão de carbono, construída com o menor impacto ambiental possível. Países, como a Alemanha, a Dinamarca e a China, já estão se movendo nesse sentido, mas o Brasil ainda não tem conseguido acompanhar o ritmo da produção internacional.

Por José Eustáquio Diniz Alves

Os combustíveis fósseis são uma fonte de energia não renovável e, necessariamente, vão se esgotar algum dia. Enquanto não acabam, vão poluindo o ar, as águas e o solo e aumentando os efeitos negativos do aquecimento global. Portanto, quanto mais cedo o mundo eliminar a dependência dos combustíveis fósseis, melhor. Cresce a consciência de que é preciso construir uma sociedade livre do petróleo, carvão e gás. Para
tanto, a alternativa é ter 100% de energia renovável e com baixa emissão de carbono, construída com o menor impacto ambiental possível (embora o caminho não seja tão tranquilo segundo ZEHNER, 2012 e TVERBERG, 2014).

Vantagem nos preços da eólica e solar

O preço da energia eólica e solar tem caído tanto que já atingiu a paridade com outras formas de energia fóssil e brevemente poderá ter vantagem significativa. A perspectiva é de que o preço do petróleo suba nas próximas décadas enquanto acontece o contrário com o preço das renováveis. Com vantagem nos preços, cresce a possibilidade de o mundo ter 100% de energia renovável no futuro.

Países como a Alemanha e a Dinamarca estão se movendo no sentido de obter 100% de energia renovável e, até certo ponto, buscam fazer isso de forma descentralizada e fortalecendo o desenvolvimento local e o empoderamento das pessoas e das comunidades (“power to the people”). Na Alemanha, a implantação de energias renováveis já resultou em mais de 380 mil postos de trabalho e isto tem ocorrido de forma descentralizada. Quanto maior é a cadeia de criação de valor nos municípios, mais receitas fiscais são obtidas e menos custos para os consumidores Dinamarca estimula produção local Outro exemplo de produção de energia controlada pela comunidade vem da Dinamarca. A ilha de Samso iniciou os esforços para se tornar autossuficiente em termos energéticos, em 1997, dependendo apenas  das energias renováveis. Hoje está perto de conseguir e os habitantes não só cobrem as suas próprias necessidades energéticas como vendem energia à rede pública.

Embora tenha havido alguma resistência inicial por parte da população, majoritariamente dedicada à agricultura, hoje os habitantes de Samso são entusiastas da causa das energias renováveis, dispondo a nível doméstico de painéis fotovoltaicos ou pequenos aerogeradores que não só suprem as suas necessidades como ainda lhes dão lucro através da venda do excesso de energia produzido.

Samso dispõe de 11 cataventos que podem fornecer a energia elétrica necessária a toda a ilha, a par de quatro estações de biomassa e 2500m2 de colectores solares que cobrem 70% dos gastos associados ao aquecimento. A estes há ainda que adicionar os aerogeradores situados 3,5 km da costa. A ilha de Samso continua ligada à rede elétrica da Dinamarca, mas a energia que chega à ilha é muito menor do que a energia que sai, sendo que o valor da exportação de energia superou o das batatas.

Cabo Verde conta com apoio europeu

Mesmo países pequenos podem atingir 100% de renováveis, desde que haja vontade política e apoio internacional. A pequena Cabo Verde tem buscado apoio europeu para atingir os 100% de utilização de energias renováveis. Para tanto conta com o apoio da União Europeia via Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental – CEDEAO – que considera a energia eólica e solar uma grande prioridade. A Índia tem avançado com projetos de minirredes de energia solar fotovoltaica, buscando incluir 300 milhões de pessoas que não têm acesso à eletricidade.

Para o caso latino-americano, a Costa Rica é um exemplo de país que sempre teve uma tradição democrática e que tem uma política de desenvolvimento sustentá- vel avançada, pois dissolveu o exército e não possui Forças Armadas (apenas uma guarda nacional de segurança) e já planejou ser o primeiro país das Américas “Carbono-neutro” até 2030.

A produção em pequena escala e descentralizada deve ser combinada com a construção de redes inteligentes de energia (smart grids). Nestas redes, o fl uxo de energia ocorre nos dois sentidos e o superavit de uma casa, por exemplo, pode ser vendido para outras casas ou estabelecimentos, possibilitando o desenvolvimento do fenômeno do “prosumidor”, aquele que é produtor e consumidor ao mesmo tempo.

Google e Apple também buscam energias limpas

Descarbornizar a economia e produzir energia limpa e renovável é uma necessidade que não pode ser procrastinada, pois a emissão de CO2 é o principal componente da pegada ecológica. Mas não são apenas os governos que buscam investir em energias limpas. Companhias como Google e Apple fazem planos para se tornarem totalmente “verdes” e utilizarem 100% de energia renovável no mais breve espaço de tempo. Estas empresas buscam não só a independência energética e lucros crescentes, mas também cuidam de transmitir uma imagem moderna e amiga do meio ambiente. 

Brasil ainda não acompanha ritmo internacional

Já o Brasil está muito atrasado na produção da energia do futuro. A despeito de projetos como o de energia eólica na Chapada do Araripe, no Piauí, o país não tem conseguido acompanhar o ritmo da produção internacional de energias alternativas. Em vez de investir no pré-sal, no gás de xisto, nos caças supersônicos e em aposentadorias milionárias para uma minoria de privilegiados, o Brasil poderia incentivar o investimento na produção de energia limpa e utilizar o enorme potencial que o país possui em termos de vento e sol para descarbonizar nossa economia e avançar na democratização e na descentralização da utilização das forças energéticas que a natureza nos deu de forma abundante. Com o esforço correto, o Brasil tem tudo para avançar rumo à meta 100% energia renovável.

Evidentemente, a produção de qualquer tipo de energia é cara e tem efeitos nocivos para o meio ambiente. Portanto, investir em energia eólica e solar não é uma panaceia para manter o modelo de produção e consumo que degrada a natureza e aumenta a pegada ecológica. O mundo precisa se livrar dos combustíveis fósseis, mas também precisa caminhar rumo ao decrescimento demoeconômico com redução da pegada antrópica. Como afi rmou Herman Daly, “Precisamos decrescer até chegar a uma escala sustentável que, então, procuramos manter num estado estacionário. O decrescimento, assim como o crescimento, não pode ser um processo permanente” (Daily, 2011). A energia renovável pode ajudar, sem dúvida, mas será preciso renovar todo o estilo de desenvolvimento.


JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES é colunista do Portal EcoDebate, doutor em demografi a e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE; e apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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